O esloveno Tadej Pogacar estreou-se na Volta a Itália em bicicleta, um sonho que tinha na carreira, com uma vitória dominadora, em que exibiu a faceta de ‘bom gigante’, acumulando vitórias enfáticas com gestos de camaradagem.
“Acredito que venho de uma boa família e que fui educado para ser um bom rapaz”, confessou, depois de ver os pais e a namorada, a também ciclista profissional Urska Zigart, a apoiá-lo na estrada numa etapa do Tour em 2021.
O “bom rapaz” cresceu e, aos 25 anos, assemelha-se agora a um ‘bom gigante’, dado que vence quase tudo por onde passa e com uma atitude em cima da bicicleta que ‘trai’ a simpatia e bondade que parece transbordar fora dela.
Foi granjeando simpatia pouco comum para alguém tão dominador sobre o pelotão, a vencer mesmo quando admitia que não tinha planeado discutir o triunfo, de forma ‘autoritária’ e sem qualquer margem para dúvidas, de tal forma que se dizia entre os fãs da modalidade, ao final da primeira semana, que o título estava ‘entregue’.
Ainda assim, foi mostrando um lado magnânimo, fosse a entregar a Giulio Pellizzari a camisola rosa que envergou quando negou a vitória na 16.ª etapa ao jovem italiano, um dia um fã que tirou uma foto com ele e hoje um ciclista de 20 anos a tentar vencer uma tirada, ou a tentar ‘oferecer’ um triunfo ao polaco Rafal Majka, seu ‘general’ nesta edição.
Ajudou o português Rui Oliveira, seu companheiro na UAE Emirates, a lançar um sprint do colombiano Juan Sebastián Molano, acumulou referências a pizza e outros ícones italianos, correu como um campeão e recusou esconder-se ou deixar de tratar cada corrida como isso mesmo, uma corrida para vencer.
A caminho de tentar o raro feito de acumular Giro e Tour no mesmo ano, e com Itália rendida ao seu carisma, ‘Pogi’ prolongou um ‘rasto’ praticamente imaculado em 2024 – venceu todas as provas em que participou, ou seja, a Strade Bianche, a Volta à Catalunha e a Liège-Bastogne-Liège, sendo a exceção a Milão-Sanremo, em que foi terceiro.
Mais do que as vitórias, esperadas de alguém que Eddy Merckx já profetizou como podendo ser “o novo ‘Canibal’”, destaca-se a maneira como as conquista, com um pendor ofensivo que lhe dá já 11 etapas no Tour, três Voltas à Lombardia, uma Volta a Flandres ou a Flèche Wallonne, destaques entre 77 vitórias como profissional.
A abrir essa conta ‘astronómica’, e que só crescerá em anos vindouros, está o Alto da Fóia, no sul de Portugal, e uma Volta ao Algarve de 2019, em que aproveitou a queda do chefe de fila Fabio Aru para brilhar ao mais alto nível, na segunda etapa.
Aí, as borbulhas na cara e a inexperiência no trato com jornalistas denotavam uma impreparação que ‘traiu’, primeiro ao arrebatar a geral final, depois, mais para o fim do ano, ao ir à Volta a Espanha mostrar ao que vinha – terceiro lugar final na grande Volta de estreia, três etapas conquistadas, a anunciar ao mundo que tinha nascido uma estrela.
Em 2020, ‘arrasou’ no Tour, repetiu a dose em 2021, perfilando-se como um bicampeão consagrado e aparentemente imbatível, capaz de vencer sem grande equipa a apoiá-lo ou mesmo depois de perder tempo em azares, mas, nas duas edições seguintes, teve idêntico número de contrariedades, todas com o mesmo nome: Jonas Vingegaard.
O dinamarquês da agora Visma-Lease a Bike ‘banalizou’ o esloveno em França e obrigou-o a procurar outras fontes de glória, outra forma de correr – sem tanta impulsividade, ataques desnecessários, impaciência ou exagero de objetivos -, outra forma de lidar com a frustração, bem explícitos naquele já icónico “I’m gone. I’am dead” (‘Já fui, estou morto’, na tradução em português) com que reconheceu a derrota no Tour2023 durante a 17.ª etapa.
O esloveno, que em 2023 fraturou o escafoide e teve a sua preparação para a ‘Grande Boucle’ fortemente condicionada, encarou a Volta a Itália como “um sonho”, como admitiu várias vezes, seja a vencer etapa atrás de etapa ou a vestir a icónica ‘maglia rosa’, mas também um caminho a ter até ao Tour, que já surgia nas conversas com jornalistas ao longo dos dias de descanso da ‘corsa rosa’.
A história, para o rapaz nascido em 21 de setembro de 1998, começou noutra modalidade, outro amor, o futebol, mas o irmão, Tilen, inscreveu-o no clube de ciclismo de Ljubljana, dando início à lenda do mais jovem bicampeão do Tour de sempre.
“Quis imediatamente imitar o meu irmão, mas não tinham uma bicicleta tão pequena no clube”, revela no seu site pessoal.
Fazendo jus à perseverança evidenciada nas suas conquistas na prova francesa, não desistiu de seguir as pisadas de Tilen e, em pleno inverno, com apenas nove anos, começou a acompanhar o irmão nos treinos, participando na sua primeira corrida logo em 2008, com bons resultados, para nunca mais parar.
O potencial tremendo, corroborado pela conquista da Volta a França do Futuro (2018), chamou a atenção da UAE Emirates, que lhe ofereceu um contrato para as temporadas seguintes, com o desfecho que se conhece: uma lenda em crescendo, em busca, agora, do ajuste de contas com a ‘Grande Boucle’.
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