Os futebolistas de elite que se têm transferido para clubes da Arábia Saudita podem acusar “maiores índices de frustração” perante uma exigência competitiva menor, apesar dos altos salários auferidos, admite a psicóloga Ana Ramires.
“Para quem vai pelo fator monetário, sabemos que é muito atrativo nos primeiros tempos, mas, depois, a frustração pode instalar-se, porque face a uma menor exigência, é natural que se perca capacidade física, coordenação ou capacidade de tomada de decisão mais ágil. Ou seja, os atletas podem começar muito rapidamente a arrependerem-se da opção tomada se não anteciparem estas dificuldades”, assinalou à agência Lusa a especialista.
Karim Benzema, N’Golo Kanté e Jota (Al-Ittihad), Alex Telles, Marcelo Brozović e Seko Fofana (Al Nassr), Kalidou Koulibaly, Rúben Neves, Sergej Milinković-Savić e Malcom (Al-Hilal) e Roberto Firmino, Édouard Mendy e Riyad Mahrez (Al-Ahli) rumaram a quatro dos principais clubes do país, detidos desde junho pelo Fundo de Investimento Público (PIF).
O apelo monetário da Arábia Saudita tem aliciado craques em pré-reforma ou até mesmo em idades jovens a saírem da elite europeia, mas Ana Ramires alerta para uma possível “degradação da sua qualidade desportiva, sem que os mesmos tenham essa perceção”.
“Por norma, o que move os atletas de alto rendimento é a capacidade de se superarem a si próprios em cada momento. Agora, se eu vou para um contexto em que isso não será ativado tão frequentemente, pode-se assistir a que, de forma gradual e subliminar, vá ter níveis inferiores de rendimento, porque não estou a ser estimulado para isso”, observou.
O ‘êxodo’ de ‘estrelas’ para o país mais extenso do Médio Oriente foi estimulado no início do ano pelo avançado e capitão da seleção portuguesa Cristiano Ronaldo, que somou 14 golos e duas assistências em 19 desafios pelo Al Nassr na segunda metade de 2022/23, mas viu o Al-Ittihad, treinado pelo compatriota Nuno Espírito Santo, sagrar-se campeão.
“Há uns anos havia muito pouca curiosidade na Europa sobre aquilo que se passava em campeonatos deste tipo de latitudes. A partir do momento em que um jogador de grande visibilidade vai para uma Liga com menor exposição, obviamente cola esse fator à prova. É uma estratégia ótima para posicioná-la em grandes palcos”, expôs, equiparando com o recente ingresso do ‘astro’ argentino Lionel Messi nos norte-americanos do Inter Miami.
Ana Ramires, que já trabalhou com o futebol do Benfica e terminou este ano a ligação ao Comité Olímpico de Portugal, elege a adaptação à cultura local como o “principal desafio” numa nação acusada de práticas de ‘sportswashing’ e de violação dos direitos humanos.
“Estamos a falar de atletas que, maioritariamente, já terão as suas famílias constituídas e sabemos que essa cultura impacta muito naquilo que é, por exemplo, o papel da mulher na sociedade. Se houver um fator de frustração muito grande com essas pessoas que os acompanham, isso é o primeiro sinal de que eles não ficarão lá por muito tempo”, notou.
Acautelando “menor facilidade” de ambientação dos treinadores - há seis portugueses na Liga saudita -, a mestre em Psicologia Desportiva confia que os craques recrutados nos próximos anos sentirão menos as falhas de uma prova “não evoluída profissionalmente”.
“Há quem se está a aproximar do final de carreira e tenha como preocupação fazer bons contratos. Alguns atletas estão curiosos sobre o que vai acontecer e mais facilmente têm interesse em ir para este país, na expectativa de serem uma aposta durante duas ou três épocas e terem, talvez, um canal de afirmação que não conseguiam na Europa”, definiu.
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