A tradicional adaptabilidade dos treinadores portugueses explica a sua ampla presença na Liga saudita, mediatizada pela recente contratação de futebolistas de elite, admite Nelo Vingada, primeiro técnico luso com êxito naquele país.
“Houve um conjunto de resultados impactantes que, como é natural, trouxeram o futebol português para uma dimensão reconhecida ao nível dos treinadores, com a vantagem de que, por razões históricas, culturais, sociais e afetivas, somos pessoas que rapidamente se adaptam e respeitam as culturas e os hábitos locais. Penso que está aí uma razão do sucesso que normalmente vão tendo”, considerou à agência Lusa o técnico, de 71 anos.
Portugal é a nação mais representada no comando dos 18 clubes do escalão principal da Arábia Saudita, ao incluir Nuno Espírito Santo, campeão pelo Al-Ittihad em 2022/23, Luís Castro (Al Nassr) e Jorge Jesus (Al-Hilal) nos candidatos ao título ou Pedro Emanuel (Al-Khaleej), Filipe Gouveia (Al-Hazem) e Jorge Mendonça (Al-Akhdoud) na fuga à descida.
“Quando lá cheguei, a primeira coisa que o presidente me disse era que, se ficasse em segundo, seria o primeiro dos últimos. Quem treina os clubes mais fracos terá um relativo sucesso se alcançar a permanência ou o acesso a uma prova asiática. Provavelmente, o campeão será encontrado entre as equipas de topo. Se um dos portugueses deve ter um grande sucesso, os outros terão, de certeza, a vida difícil quando a Liga acabar”, alertou.
Em 1996, Nelo Vingada tornou-se o primeiro treinador luso a ser campeão continental de seleções a nível sénior, ao orientar a Arábia Saudita no seu terceiro e último êxito na Taça das Nações Asiáticas, lastro apenas repetido por Fernando Santos à frente de Portugal no Euro2016.
“Quando fui para lá trabalhar, surpreendeu-me a qualidade individual dos jogadores, que são tecnicamente fantásticos e rapidamente absorveram as nossas ideias, e um frenético entusiasmo de quererem ver qualidade no jogo”, indicou, numa realidade em que houve três treinadores portugueses a conquistarem o campeonato nas últimas três temporadas.
Traçando a Arábia Saudita como uma das “potências do futebol asiático”, ao ficar apenas atrás de Coreia do Sul e Japão no somatório de clubes laureados na Liga dos Campeões e de presenças em Mundiais, o técnico lembra que o país “carece de expressividade em tudo o resto” para capitalizar a recente investida “bombástica” em jogadores de renome.
“Tem havido um investimento demasiado grande, que não terá retorno na qualidade, na competitividade e, sobretudo, no desenvolvimento do futebol, que deve ser sustentado a partir dos escalões jovens. Ainda que tenha existido algum investimento na formação ou nos treinadores, há um fosso amplo entre o que é pago em cima e se investe em baixo”, notou Nelo Vingada, que festejou em solo saudita o primeiro de dois títulos de campeão mundial de sub-20 vencidos por Portugal enquanto adjunto de Carlos Queiroz, em 1989.
Karim Benzema, N’Golo Kanté e Jota (Al-Ittihad), Alex Telles, Marcelo Brozović e Seko Fofana (Al Nassr), Kalidou Koulibaly, Rúben Neves, Sergej Milinković-Savić e Malcom (Al-Hilal) e Roberto Firmino, Édouard Mendy e Riyad Mahrez (Al-Ahli) rumaram a quatro dos principais clubes do país, detidos desde junho pelo Fundo de Investimento Público (PIF).
“Estive na fase em que a China se deslumbrou com investimentos bombásticos. Lembro-me de nomes como Nicolas Anelka ou Carlos Tévez, que era o mais bem pago do mundo e, tal como outros, não trouxe rigorosamente nada. Em reuniões com a federação, disse-lhes que, se obrigassem os clubes que gastam barbaridades destas a investir um mínimo de 10% nos escalões jovens, não duvidava que a China iria estar em 10 anos no topo da Ásia”, terminou Nelo Vingada, que orientou o já extinto Dalian Shide, entre 2011 e 2012.
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