A palavra Kaizer é o termo alemão para imperador. É uma adaptação da língua germânica para o segundo nome do imperador romano Júlio César. Foi desta forma que Beckenbauer se regeu, como um verdadeiro 'imperador' em quase todos os capítulos da sua vida.

Franz Beckenbauer, a maior figura do futebol na Alemanha e um dos maiores da história, faleceu aos 78 anos, deixando um legado em que se destacam as inovações táticas, como a criação da posição de Líbero, os títulos mundiais e europeus, como jogador e selecionador e ainda o seu papel de dirigente.

É mais uma lenda que parte e que se junta ao Olimpo do futebol, onde já moram Pelé, Maradona, Cruyft e tantos outros.

Mas ao contrários dos prodigiosos da técnica que marcaram o desporto rei, Beckenbauer conseguiu notabilizar-se, primeiro como centrocampista e mais tarde como defesa, na posição de líbero. Foi para muito o primeiro e o melhor nessa posição na história do futebol. O seu futebol era de pura classe, elegância, na forma como transportava a bola desde trás. E até foi goleador, somou 111 golos na carreira.

Cromos da História dos Mundiais: Franz Beckenbauer, o ‘Kaiser’ que levou a Alemanha ao título como jogador e treinador
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A alcunha de 'Der Kaiser', significa imperador, serviu-me como uma luva pela forma como conseguia impor o seu domínio em campo e arrastava a equipa atrás de si.

Beckenbauer foi sinónimo de glória: Apenas um dos nove jogadores da história a vencer o Campeonato do Mundo, a Taça dos Campeões e a Bola de Ouro, e o único defesa a vencer por duas vezes Balon d´or. Foi ainda Campeão Mundial como jogador (1974) e o técnico (1990), um dos únicos a conseguir esse tempo à semelhança do brasileiro Mário Zagallo, que faleceu recentemente e do francês Didier Deschamps.

O início do percurso

Nasceu em Giesling, em Munique, em setembro de 1945. Beckenbauer cresceu como fã do 1860 Munique. Em jovem jogou ténis e foi nessa altura que travou amizade com Sepp Maier, guardião com quem iria partilhar a glória ao nível de troféus conquistados. Terá sido um desentendimento com um colega de equipa no Munique 1860, quando representava o 1906 Munique que o terá levado a perder o amor pelo clube de eleição na infância.

Defesas com mais golos na história dos principais clubes europeus
Defesas com mais golos na história dos principais clubes europeus Bayern Munique: Franz Beckenbauer (76 golos)

Acabou por juntar-se aos escalões de formação do Bayern, um clube que era bastante impopular naqueles tempos, ao contrário do colosso em que iria tornar-se décadas mais tarde. Curiosamente até se estreou como atacante em 1964, pasme-se, na segunda divisão, como avançado a atuar do lado esquerdo.

Assumiu mais tarde uma posição intermédia no terreno, ajudando o Bayern a chegar à Bundesliga. Foi em 1968/69 que finalmente conseguiu vencer o seu primeiro título de campeão alemão. Ao longo dos anos, Beckenbauer tornou-se uma figura absolutamente incontestável, ajudando a que o clube alemão vencesse a Bundesliga entre 1972 e 1974.  Foi com apenas 20 anos a sua estreia pela seleção germânica, na qualificação para o Mundial de 1966, num embate frente à Suécia. Um triunfo por 2-1, que valeu a qualificação para o certame.

A final de 1966 acabou por trazer um amargo de boca com a derrota frente à seleção inglesa em pleno Wembley, mas estava aí à porta um período de glória sem precedentes para a 'mannschaft'.

Em 1970, já como capitão dos germânicos, lugar que ocuparia por uma década, nas meias-finais foi protagonistas de um das cenas de maior abnegação de um jogador num campo de futebol. Atuou durante grande parte do jogo com o ombro deslocado, na partida frente à Itália, nas meias-finais do torneio. Como as substituições, limitadas a duas por jogo, já tinham sido realizadas, acabou por ter que imobilizar o ombro e voltar ao campo. Ainda assim, o esforço acabou por ser em vão e a sua seleção acabou por ser derrotada por 4-3.

A 'vingança' aconteceria quatro anos depois, com a Alemanha a sagrar-se campeã do mundo. Beckenbauer seria o primeiro jogador a erguer o novo troféu de campeão do mundo (o mesmo que ainda hoje é erguido pelos novos campeões do mundo), depois de uma final ganha frente aos Países Baixos por 2-1, num encontro em que esteve a perder frente à laranja mecânica. Dois anos antes, a sua Alemanha já tinha conquistado o título de campeã da Europa, começando a assim a sua afirmação.

Durante esses anos, e com a glória a nível coletivo vieram os troféus individuais, com destaque para os troféus da Bola de Ouro conquistados em 1972 e 1976. Pela Alemanha Ocidental somou 103 internacionalizações, 50 como capitão e apontou 14 golos.

Pelo Bayern, clube onde jogou entre 1964 a 1977, onde continuou o seu legado como defesa central livre, com ordem para atacar, venceu a Taça dos Campeões Europeus em 1974, 1975 e 1976, e uma Taça Intercontinental, em 1976.

O jogador, com 1,81 metros, teve ainda uma passagem pelo New York Cosmos, equipa norte-americana que reuniu alguns dos maiores talentos do planeta, como Pelé ou Johan Cruyff.

A glória enquanto treinador

Como treinador foi chamado a assumir os germânicos após o descalabro no Euro 1984. Começou por levar a equipa alemã à final do Mundial 1986, competição que coroou Diego Armando Maradona como senhor do mundo do futebol. No Mundial de 1990, viria a encontrar a Argentina na final, mas desta feita o desfecho foi diferente, logrando a conquista do Campeonato do Mundo como treinador e jogador, à semelhança do que também tinha feito Mário Zagallo.

Beckenbauer ergue o troféu de campeão do mundo em 1974
Beckenbauer ergue o troféu de campeão do mundo em 1974 Beckenbauer ergue o troféu de campeão do mundo em 1974 créditos: @FCBayern

Assumiu mais tarde o projeto do Olympique de Marseille, mas deixou o clube pouco depois. Afinal Beckenbauer agora estava mais interessado no futebol fora de campo, nomeadamente na parte da gestão. Voltou ao Bayern acabando por liderar o clube, juntamente com Karl-Heinz Rummenigge e Uli Hoeness. Chegou a presidente do Bayern e a vicepresidente da Federação alemã, integrando o Comité Executivo da FIFA, logrando a missão de conseguir com que a Alemanha organizasse o Mundial de 2006.

Foi ainda alvo de investigação, e que foi suspensa, quando era vice-presidente da FIFA quando o Mundial de 2022 foi atribuído ao Qatar em 2010.

Brilhante como jogador, treinador, dirigente, Beckenbauer deixa um legado quase inigualável e certamente permanecerá na memória de todos os amantes de futebol.