"Não é um momento de tristeza, é um momento de alegria, porque sempre dei o meu melhor". Foi com esta frase que João Sousa encerrou uma carreira triunfante, marcada por quatros triunfos em torneios e mais um mão cheia de feitos inéditos que fazem dele o melhor tenista português de sempre.
É inevitável falar no legado do vimaranense, que deu mesmo "novos mundos ao ténis português". A frase é do comentador e especialista em ténis Miguel Seabra que analisou, com o tempo que João Sousa merece, a carreira do jogador.
"Deve-se começar por dizer que sendo de Guimarães, tendo por apelido o conquistador, o João Sousa ousou dar novos mundo ao ténis português. O João Sousa transportou o ténis português para um patamar quase inimaginável. Quando era jovem estava longe de ser dos melhores tenistas mundiais. Teve uma carreira em ascensão paulatina, não muito rápida. Treinou com o Roger Federer, começou por ganhar torneios Future e depois Challenge. Em 2012 atingiu pela primeira vez os quartos de final de um torneio (ATP), depois de bater o Gastão Elias. A partir daí, deixou o circuito secundário e em 2013 alcançou essa espécie de Pedro Filosofal para o ténis luso que foi vencer o primeiro torneio ATP em Kuala Lumpur, o primeiro para um tenista português. Antes apenas o Frederico Gil tinha chegado a uma final, no Estoril em 2010, onde acabou por perder com o Albert Montañes na final. Começou a ter bons resultados, e a ganhar alguns torneios no Grand Slam e subitamente estava ele a entrar no top-30 no Mundial. Atingiu também os oitavos de final em Wimbledon e no Open dos Estados. Tudo grande resultados, que forjaram a lenda de João Sousa", começa por dizer.
Não sobram elogios a um tenista, que apesar de temperamental, canalizou esses sentimentos para conseguir feitos inéditos, à custa de reviravoltas fantásticas e em match-points salvos nas finais que acabou por vencer.
"O João Sousa baseou o seu jogo sobretudo numa boa direita, grande rapidez, processos bem definidos. Respondia bem e sendo um jogador aparentemente muito temperamental e que muitas vezes não escondia a sua frustração, o que é facto é que ele encontrou nessa atitude uma forma de evacuar a pressão e conseguir os resultados que conseguiu. Para além desses marcos históricos, ele ganhou 4 torneios ATP em 12 finais o que é um registo incrível. E desses quatro, três foram alcançados depois de salvar match points em encontros. Pensa-se que ele era um especialista em terra batida, mas não, vai-se ver os resultados dele…e ele tem melhores resultados em superfícies rápidas em torneio do Grand Slam. A juntar-se a estes marcos históricos, há a vitória frente o David Ferrer, que na altura era número 4 do mundo e ainda as meias-finais de pares no Open da Austrália em 2019", recorda.
O maior marco na carreira foi muito provavelmente o triunfo no Estoril Open, com 'A Portuguesa' a ser entoada (várias vezes) nas bancadas do Clube de Ténis do Estoril, a que também não faltou a conversa com Marcelo Rebelo de Sousa, com o vimaranense apenas com uma toalha na cintura nos balneários. O sonho para os amantes de ténis em Portugal deixou de ser sonho, para passar a ser realidade.
"Em 2018, [a vitória] aqui no Estoril Open, foi o auge da sua carreira. Ele salvou dois matches points diante do seu amigo Pedro Sousa. Na primeira ronda vence o Daniil Medvedev, que depois se tornou número 1 do mundo. Na segunda ronda bateu o Pedro Sousa, quando esteve a dois pontos da derrota. No quartos de final voltou a ter um encontro duro a três sets. Nas meias-finais, teve que ganhar ao Stefanos Tsitsipas no Tie-break da terceira partida. Na final supostamente no encontro de maior pressão, ele entrou para o court e começaram a cantar o hino nacional e muitos pensaram: 'a pressão vai ser tremenda e ele acusar'."
"Mas ele mostrou estar incrivelmente preparado para jogar essa final. O adversário, o Francis Tiafoe também tremeu um pouco. O João Sousa dominou a final tecnicamente e psicologicamente. E o modo como acabou o encontro, com uma combinação serviço direita, com um serviço em 'kick', a tirar o adversário do court, e depois com uma direita 'inside in' a fechar. Foi o dia mais feliz do ténis português. Cantou-se mais duas vezes o hino. O professor Marcelo Rebelo de Sousa não pôde estar presente porque tinha compromissos, regressou a tempo de o encontrar, com uma toalha à volta da cintura. Foi de fato um momento incrível", enaltece.
O João Sousa acabou por quebrar esse complexo, já que antes dele nenhum tenista português tinha conquistado um torneio ATP? "Tivemos jogadores que foram dos melhores juniores do mundo. O João Cunha Silva, o Frederico Gil foi, o Gastão Elias foi, estiveram ali todos no top-10 mundial. E o João Sousa não, torna-se ainda mais relevante o facto de ele ter tido essa caminhada mais inverosímil. Em Barcelona conviveu com grandes jogadores, foi crescendo e o facto é que isso também terá tido muita influência", destaca o analista.
No caso de João Sousa, o facto de ter andado na sombra durante o período de formação, até pode ter sido positivo no que acabou por ser a carreira do vimaranense. E os resultados estão à vista.
"Pode ter sido, mas na história vemos muitos casos de tenistas que até venceram Grand Slams em juniores e depois desapareceram por completo. Basta uma pequena desmotivação, uma lesão, há jogadores incrivelmente dotados tecnicamente, com um jogo muito completo mas isso não quer dizer que consigam fazer uma grande carreira. O João Sousa nunca pareceu ter um grande jogo, mas tinha processos simples, combinações simples e isso ajudou-o a impor o seu ténis. Tudo à base da direita, da intensidade exibicional, foi muito importante para o sucesso dele. Ele tem um 1,85 metros, a altura de Rafael Nadal, Roger Federer, Djokkovic tem 1,88. Se talvez tivesse um serviço mais acutilante, até podia ter ido mais longe", considera.
E quem pode conseguir beber do legado do tenista português? Para quem vai atrás o caminho já foi desbravado e quem é jovem e assiste este ano ao Estoril Open até poderá dizer para si mesmo. 'Já houve um português que já ganhou o torneio'.
"As novas gerações vendo o João Sousa a atingir esses patamares torna-se mais fácil, torna-se mais realista. Abre um bocadinho as mentes. Isso é muito importante, o trabalho mais difícil é sempre o trabalho de pioneiro, é um desbravar quase a solo. Os jovens que vêm ver o Estoril Open sabem que já houve um português a ganhar o torneio. É um objetivo que parece muito mais próximo e realista. O Nuno Borges, que não diria que tenha sido muito influenciado pelo João Sousa, no caso dele, foi competir no circuito universitário norte-americano. Esta nova geração de excelentes tenistas, o Henrique Rocha e o Jaime Faria foram muito influenciados pelos feitos do João Sousa."
"O Henrique Rocha tem um potencial enorme, nunca houve um jogador português a bater tão forte na bola e ele só tem 19 anos. É o jogador mais possante da história do ténis português e ainda vai melhorar. O Jaime Faria também melhorou muito, também porque é amigo e rival do Henrique. O exemplo do João Sousa é uma locomotiva. Também temos que falar do Pedro Cordeiro, do João Cunha e Silva, Nuno Marques e do João Lagos na parte organizativa. Se falarmos do João Sousa também tem que se falar nos outros. Quando eles começaram não havia ténis profissional em Portugal, e também o surgimento do antigo Estoril Open no Jamor. Todos esses fatores ajudaram à construção do João Sousa", termina.
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