Razões de mercado, sejam financeiras ou a escassez de jovens talentos portugueses em quantidade suficiente, levam as equipas lusas de ciclismo a contratar na América do Sul campeões que, depois, ‘dão cartas’ na Volta a Portugal.
Um desses casos é o da Aviludo-Louletano-Loulé Concelho, que venceu a segunda etapa da 85.ª Volta, na estrada até domingo, com o argentino Nicolás Tivani, que até já corria na Europa e num escalão acima, com a Corratec-Selle Italia.
Ainda assim, encontra na equipa o chileno Carlos Oyarzún, o mais velho do pelotão este ano, aos 42 anos, e outro argentino, Tomás Contte. A dupla da Argentina soma três triunfos em 2024.
A presença da mexicana Petrolike na 85.ª edição da Volta 'engrossou' o lote sul-americano, para não falar de nomes daquela região mas centro-americanos ou norte-americanos, embora o abandono de Mauricio Moreira (Sabgal-Anicolor), campeão em 2022 e maior exemplo de sucesso, tenha retirado o Uruguai da lista de nações à partida para as etapas que faltam.
“Temos apostado nesse mercado porque o mercado nacional, neste momento, é muito pequeno ou quase inexistente. Felizmente, os ciclistas que aparecem com muito valor têm ido para equipas estrangeiras, e não temos dimensão assim tão grande para aparecerem 20 ciclistas de qualidade”, explica à Lusa o diretor desportivo dos algarvios, Américo Silva.
Este diretor aponta, de resto, um dado indicativo, o facto de, no top 10 atual da Volta a Portugal, só dois corredores serem portugueses, o camisola amarela Afonso Eulálio e António Carvalho, ambos da ABTF-Feirense.
A predominância de ciclistas espanhóis e sul-americanos – outra exceção é o suíço Colin Stüssi (Vorarlberg), vencedor em 2023 – é indicativa, para Américo Silva, da falta de quantidade, e não necessariamente qualidade, de jovens talentos lusos a despontar de ano para ano.
Segundo o diretor, esta é “a razão principal” para a ‘pesca’ de talento estrangeiro, com a equipa a planear manter a formação como está para 2025 depois de uma “excelente temporada”, enaltecida com os triunfos oriundos da Argentina.
Para Américo Silva, não é que estes ciclistas “tragam algo de diferente”, lembrando que Tivani, atual líder dos pontos da Volta, correu a Volta a Itália e aportaria sempre “um nível superior a muitos aqui”.
José Santos, diretor desportivo da Rádio Popular-Paredes-Boavista, resume a questão a uma frase: “O ciclismo tem uma linguagem universal muito simples”.
Essa facilidade de compreensão de táticas, leitura de corrida e do próprio terreno facilita a integração, admite, e prova disso é que o ‘sete’ que escolheu para a Volta inclui o venezuelano Francisco Peñuela.
Também o venezuelano de 23 anos já venceu em Portugal em época de estreia, mas foi o segundo lugar na Volta ao Alentejo que deu nas vistas, vindo de uma Venezuela que também ‘deu’ a Portugal Leangel Linarez (Tavfer-Ovos Matinados-Mortágua), um dos sprinters de topo do pelotão nacional e atual campeão pan-americano de fundo.
“O primeiro problema é que em Portugal não temos ciclistas, cada vez há menos ciclistas. Há uma dificuldade grande de recrutamento. O segundo é que o mercado sul-americano é em grande quantidade, principalmente na Colômbia e Venezuela, em que o nível económico é baixo. Procuram um lugar na Europa”, analisa José Santos.
O diretor dos ‘axadrezados’ nota a vantagem que Portugal tem ao ter nove equipas no escalão Continental, o terceiro, porque além de “nem todos terem capacidade” para o WorldTour ou o segundo nível, as condições económicas são, ainda assim, melhores na Europa.
“[Neste escalão,] somos o país mais bem organizado e que paga melhor a esses ciclistas. É um mercado apetecível para eles e para nós”, acrescenta.
A 85.ª Volta a Portugal em bicicleta está na estrada até domingo, terminando em Viseu com um contrarrelógio individual.
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