Treinos feitos com poucas condições, em infraestruturas parcialmente destruídas, e muitas horas passadas em abrigos devido aos ataques russos, marcam a vida dos nadadores paralímpicos ucranianos, que viajaram 56 horas para chegarem aos Europeus, no Funchal.
“A guerra tem afetado muito a preparação, temos 10 nadadores a treinar na Polónia, com apenas dois técnicos. A maioria está na Ucrânia, e tem muito poucas condições de preparação”, disse o selecionador de natação paralímpica do país, Hennadii Vdovychenko, em entrevista à agência Lusa.
Além da falta de infraestruturas, pois, como explica o técnico, “muitas piscinas e recintos desportivos foram destruídos pelos russos”, junta-se o medo dos raides aéreos, que obrigaram todos “a passar horas e horas nos abrigos”.
“Os avisos de bombardeamentos podem durar cinco, seis, sete horas por dia, o que naturalmente perturba e interrompe os treinos, porque todos têm de ir para os abrigos”, conta Vdovychenko, numa conversa traduzida para inglês pela chefe da missão aos Europeus de natação paralímpica, Tâmara Ishchencko.
Às dificuldades logísticas, junta-se, naturalmente, o fator psicológico: “Os atletas estão nervosos, têm medo. As noites também são difíceis, com raides aéreos e mísseis, eles não conseguem descansar normalmente”.
“Alguns dos nossos atletas vivem em Mariupol e noutras cidades ocupadas, muitos ficaram sem casa”, conta o selecionador, lembrando um episódio vivido quando “a comida e a água começaram a escassear e depois de vários dias abrigados num aeroporto, alguns atletas arriscaram sair para conseguir gelo, que derretiam para beber”.
No Funchal, o país, uma potência do desporto paralímpico, está representado por 42 nadadores e, a dois dias do final de competição, segue no segundo lugar do ‘medalheiro’, com 45 medalhas (15 de cada metal), apenas atrás da Itália, que soma 43, mas tem 17 de ouro.
Nos Europeus disputados há três anos, também na Madeira, a Ucrânia fechou a competição na liderança do quadro de medalhas, com um total de 84 subidas ao pódio (34 ouros, 28 pratas e 22 bronzes), seguida precisamente da Itália, com 69 medalhas (26 das quais de ouro).
Hennadii Vdovychenko assume que “os resultados não são os esperados, nem podiam ser, porque a preparação está a ser muito afetada”, e antevê o mesmo cenário para os Jogos Paralímpicos Paris2024, agendados para o verão.
A viagem até à Madeira para participar nos Europeus, que decorrem até sábado no Complexo de Piscinas Olímpicas do Funchal, demorou, segundo o técnico, “mais de 55 horas”.
“Como o espaço aéreo da Ucrânia está encerrado, só conseguimos sair do país por estrada, tivemos de ir de autocarro para Varsóvia, e foi aí que, depois de um tempo de paragem, apanhamos os voos para a Madeira”, explicou, lembrando que há três anos, fez a mesma viagem em pouco mais de sete horas.
Entre os 427 nadadores presentes na Madeira 58, de nacionalidade russa e bielorrussa, competem sob bandeira neutra por imposição do Comité Paralímpico Internacional que limitou a utilização de símbolos nacionais dos dois países, na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro de 2022, com o apoio da Bielorrússia.
Hennadii Vdovychenko é perentório quando questionado sobre a relação entre os atletas ucranianos e russos na competição: “Não há relação, como podemos relacionar-nos com pessoas que querem matar-nos, que matam as nossas crianças, que destroem o nosso país?”.
Com o país a viver em guerra há mais de dois anos, que já provocou dezenas de milhares de mortos em ambos os lados, Hennadii Vdovychenko dá “graças a Deus por todos os nadadores estarem bem”, mas lembra que o conflito já vitimou “alguns atletas e treinadores do Comité Paralímpico da Ucrânia”.
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