A carreira de Rui Bragança acabou, mas o melhor português de sempre no taekwondo está em Paris2024 como voluntário no Grand Palais, uma transição que “não custa” por considerar que a “fase de atleta está completamente terminada”.
A agência Lusa encontrou Rui Bragança no Grand Palais, onde decorrem as provas de taekwondo, mas noutras vestes: um casaco branco tapava o característico verde água do ‘uniforme’ dos voluntários destes Jogos Olímpicos.
“Tinha feito candidatura como médico para os Jogos Paralímpicos, porque achava que me ia classificar para os Jogos Olímpicos. Depois, a candidatura acabou por ser mudada para a policlínica três dias depois de eu ter perdido a qualificação. Então, eu mandei e-mail a pedir para me trocarem, não para a policlínica dos Paralímpicos mas para as Jogos Olímpicos”, começou por contar.
O pedido do vimaranense foi aceite, “só que a organização foi reler a legislação” e percebeu que não permitia “médicos que não tenham cédula francesa”.
“Ofereceram-me, depois, outro lugar como voluntário de ajudante médico, eu disse que não queria. Depois, tenho alguns amigos, que estão na organização, [e eles] ‘então vais como isto’ e eu ‘não quero’. E acabei por aceitar a câmara de chamada do taekwondo, digamos assim”, detalhou à Lusa.
Após ter sido olímpico no Rio2016 (nono) e em Tóquio2020 (11.º), na categoria de -58 kg, o também médico nunca pensou que estaria em Paris2024 como voluntário, mas, depois de ficar a dois combates de garantir a terceira presença em Jogos, decidiu pôr um ponto final na carreira, em que conquistou os títulos europeus em 2014 e 2016, o de vice-campeão mundial em 2011 e o ouro nos Jogos Europeus de 2015, chegando a liderar o ranking internacional em 2014.
“Achava que estaria nos Paralímpicos como médico e que seria um bom fim de ciclo. Acabar numa semana a carreira como atleta e, na semana seguinte, começar a fazer coisas numa área que gosto, na medicina. As coisas foram um bocadinho diferentes, mas, não podendo estar cá como médico, acho que também me está a fazer bem estar cá, neste caso como voluntário, porque é o fechar de um ciclo”, confessou.
Desde domingo em Paris, Bragança já visitou a Aldeia Olímpica, nomeadamente a Missão portuguesa, onde esteve com “todas as pessoas” que conheceu ao longo “de todos anos”.
“E, desta vez, sim, pude dizer um adeus a sério, que da outra eu achava que ia continuar”, notou, numa alusão a Tóquio2020.
Visivelmente sereno com a sua decisão, o olímpico de 32 anos garante à Lusa que viver por dentro estes Jogos sem estar a competir “não custa”.
“Quem me dera a mim estar lá dentro, mas é uma coisa que passou, é um capítulo que está completamente encerrado. Eu tinha um bocadinho de medo de chegar cá e não ser esse o sentimento. De ser, lá está, uma tristeza, uma inveja, e não. É mesmo ‘passou o dia, passou a romaria’ e a minha fase atleta está completamente terminada, está bem fechada”, vincou.
O vimaranense está “super satisfeito” com aquilo que foi a sua carreira, embora reconheça que “gostava de ter uma medalha olímpica” e “ter sido campeão no mundo”. “Mas acho que foi uma carreira muito bonita e estou mesmo feliz com o que já fiz”, completou.
Nas suas novas funções, Rui Bragança está nos bastidores do imponente Grand Palais, um dos mais impressionantes e belos recintos destes Jogos, mas não resiste a sentar-se como um espetador mais para assistir aos combates – o entusiasmo que fala sobre a ‘sua’ modalidade continua a ser inabalável e contagiante.
“Aqui, basicamente, todos os atletas que estão a fazer o aquecimento, sou eu que os vou chamar para depois virem combater. Há uma série de procedimentos - têm de estar uma hora antes prontos, não pode passar toda a gente lá para dentro - e eu sou uma das pessoas chatas, aquelas com que eu já sofri, que me diziam ‘é agora, é agora’. Agora, sou eu que estou a fazer [isso]. ‘Não é agora, é já’. Aquilo que as nossas mães nos diziam, hoje sou eu que estou a fazer esse papel, basicamente”, descreveu de sorriso rasgado.
Para estar em Paris2024, meteu férias e teve de ‘improvisar’ um alojamento, depois de ter-se visto sem ‘casa’ três semanas antes de aterrar na capital francesa.
“Já tinha quarto para vir como voluntário médico, mas quando dei a notícia de que vinha como voluntário não médico, perceberam que eu não queria a casa deles, então deram a casa a outra pessoa”, contou, acrescentando que uma amiga que está a trabalhar na organização das provas de taekwondo acabou por lhe “arranjar um quarto”.
Bragança vai despedir-se destes Jogos ainda antes da cerimónia de encerramento, agendada para domingo – “nem tenho direito a isso enquanto voluntário, nem nunca pediria alguma coisa assim à comitiva [portuguesa], porque já não é o meu momento” –, sem saber se o seu caminho olímpico termina em Paris2024.
“Gostava, mas quatro anos são muito tempo. Se era duro enquanto atleta, então como médico as coisas são muito mais diferentes e é preciso fazer um caminho muito, muito certinho para conseguir chegar lá como médico, fosse do Comité Olímpico [de Portugal], fosse da organização, por isso...Cada coisa a seu tempo. Ainda acabei agora [como] atleta, com calma”, respondeu, ao ser questionado sobre a possibilidade de estar em Los Angeles2028 como médico.
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