O inédito acesso de Filipa Martins à decisão do concurso completo (‘all around’) dos Jogos Olímpicos Paris2024 prova o estatuto excecional da maiata na ginástica artística nacional, admite a ex-ginasta olímpica Esbela da Fonseca.

“Eu tive uma altura em que ainda estava a treinar ginastas e reparei bem que ela tinha qualidades muito claras para melhorar imenso e ser alguém mais importante do que o normal. Sobretudo, ela tem uma grande força de vontade. Nessa altura, treinava muito, tinha os pés no chão e sabia para onde e como é que deveria ir. Penso que é uma das exceções que há em Portugal”, reconheceu à agência Lusa a antiga atleta, de 82 anos.

Filipa Martins disputará a final do ‘all around’ dos Jogos Olímpicos Paris2024 na quinta-feira, a partir das 18:15 locais (17:15 em Lisboa), na Arena Bercy, na capital de França, quatro dias depois de ter garantido uma das 24 vagas disponíveis na terceira presença.

Ao acumular 14.133 pontos nos saltos - premiando a ousadia de ter arriscado um eficaz Yurchenko com dupla pirueta -, 13.800 nas paralelas assimétricas, a sua especialidade, 12.633 no solo e 12.600 na trave, a maiata fechou com 53.166 e foi 18.ª na qualificação, encimada pela ‘inevitável’ norte-americana Simone Biles, ouro no Rio2016, com 59.566.

“Não acredito que possa aspirar aos primeiros lugares, mas nunca se sabe. Basta uma falha de qualquer boa ginasta ou uma queda, que pode suceder em qualquer altura. Se fizer tudo direitinho, pode ambicionar até um terceiro lugar. Que a sorte a acompanhe”, desejou Esbela da Fonseca, atleta olímpica em Roma1960, Tóquio1964 e México1968.

Filipa Martins igualou as três participações da ex-ginasta do Lisboa Ginásio Clube - que foi 116.ª, 68.ª e 85.ª classificada no ‘all around’ dos três Jogos que disputou na década de 1960 -, e Ana Rente, no trampolim individual, em Pequim2008, Londres2012 e Rio2016.

“As suas qualidades [gímnicas] são comuns. Depois, há perseverança, ritmo de treino e, sobretudo, planeamento. O treino tem de ser regularizado. É tudo muito distinto do meu tempo e ainda bem. Vejo é muito pouca gente, mas, de vez em quando, lá aparece uma raridade assim. No meu tempo, havia mais gente a praticar ginástica e a tentar qualquer coisa. É claro que o nível não era nada, mas a vontade de treinar era maior”, comparou.

A ginasta do Acro Clube da Maia já tinha sido 37.ª no ‘all around’ do Rio2016 e 43.ª em Tóquio2020 - com um histórico 17.ª lugar no exercício das paralelas assimétricas -, mas caminhou aos 28 anos, idade invulgar em atletas de alta competição na artística, para o melhor registo olímpico da carreira, após lesões graves e cinco cirurgias aos tornozelos.

“Há maior maturidade e experiência. Eu também fiz ginástica até aos 26 anos e não me custou nada, mas, depois, ficamos fartos e admiro que ela ainda não esteja farta destas andanças. Sendo uma coisa estupenda, é claro que, com 28 anos, começa a ser difícil aguentar aquele ritmo. Há mais saber, mas os anos pesam”, referiu Esbela da Fonseca.

A inédita final em Paris2024 engrossa a lista de façanhas de Filipa Martins, que tem um movimento em nome próprio inscrito no código oficial da ginástica e tornou-se a primeira lusa em decisões de Europeus - nos quais se destacou com oitavos postos no concurso completo, em 2017, e nas barras assimétricas, em 2021 - e Mundiais - com os melhores desempenhos em 2021, ao ser sétima no ‘all around’ e oitava no seu aparelho predileto.

“São casos esporádicos que surgem, de pessoas que têm jeito, treinam mais do que os colegas e conseguem superar-se um pouco. Agora, em termos de continuidade, não há uma fábrica de bons ginastas [no país] nem a esperança de que venha a existir. Não há dinheiro para isso”, lamentou Esbela da Fonseca, que participou com funções técnicas, arbitrais ou diretivas em mais sete Jogos Olímpicos, entre Moscovo1980 e Pequim2008.