A portuguesa Maria Inês Barros vai chegar aos Jogos Olímpicos Paris2024 com o estatuto de campeã da Europa de fosso olímpico, ou trap, como símbolo de um sucesso precoce que lhe mudou a vida.
“O meu pai vai ficar chateado se não disser isto: Inês Barros, atleta do clube Associação Caçadores do Vale do Tâmega”, atira a jovem de 22 anos, numa entrevista à Lusa antes da estreia nos Jogos Olímpicos.
A futura veterinária, que faz 23 anos na quinta-feira, a oito dias do arranque de Paris2024, será a primeira mulher portuguesa de sempre a participar nuns Jogos no tiro com armas de caça, e desta feita como única representante do país na modalidade.
A pupila de Custódio Ezequiel, ele próprio atleta olímpico em Sydney2000 e Atenas2004, é tida como esperança de medalha para Portugal, que já conquistou a prata, por Armando Marques, em Montreal1976, mas procura não acusar a pressão.
“Sinto esse peso. [Quanto] às minhas adversárias, já consegui ficar à frente delas, e elas de mim. Nos Jogos, qualquer uma pode ganhar, ficar em segundo ou terceiro, mas também em último. É um nível de competição extremamente alto e ainda não tive essa experiência. […] Quero fazer o meu melhor e espero que isso me deixe entrar na final”, declara.
Ainda jovem, pretende atirar na capital francesa “calminha, tranquila”, a procurar divertir-se e afastar-se do lado “extremamente pesado, de pressão e ansiedade” que prevê, esperando “entrar na final” numa competição em que terá a família na plateia.
“Acho que vão ser expulsos. Não sei se podem entrar com megafones, colunas… mas se forem expulsos, não os conheço. Eles nunca me viram numa prova minha internacional. A pressão e o ambiente traz outra atiradora em mim”, conta.
A pressão, diz, até surgiu algo precocemente no trajeto desportivo, uma vez que, admite, “não programava a ida a Paris2024, mas a Los Angeles2028”.
“Esta fase apanha a minha transição de júnior para sénior, normalmente uma época em que os atletas têm recaídas e ainda se habituam ao novo ritmo. Estava numa de me poupar um bocadinho”, revela.
Só que a “transição espetacular” levou-a a um quarto lugar num Europeu, em estreia como sénior, e começou a acreditar, “a trabalhar mais” e a passar mais tempo nos estágios, com Custódio Ezequiel mas também no seio de uma seleção que, vista de fora, parece uma pequena ‘família’.
A união entre todos, do olímpico João Paulo Azevedo, 20.º em Tóquio2020, a Armelim Rodrigues, José Bruno Faria e Ana Rita Rodrigues, além da ‘caçula’, é notória nas provas e ajuda à integração no panorama internacional.
“Dão-me dicas, estão noutro nível e sabem o que custa ir lá fora. Fartei-me de chatear o João Paulo, sobre como correu [Tóquio2020], o que achou de diferente, para perceber como era a experiência. Também me apercebi que era preciso mais trabalho, mesmo fora dos treinos, como psicólogo, fisioterapia…”, reflete.
Adiado, para já, o fim do curso de veterinária, no Porto, pelas dificuldades em conciliar a carreira dual, avança o sonho de desportista que começou quase no berço, com um pai que também atirava aos pratos.
“A minha primeira viagem de avião foi por causa do tiro. Fomos aos Açores, tinha eu dois meses, porque o meu pai ia competir no regional. Começou aí. Depois, quando cresci mais um bocadinho, ali pelos oito, 10 anos, ia acompanhando as provas. […] O meu primeiro tiro ao prato foi com 11 anos”, afirma.
Maria Inês Barros tinha de ter “algo jeito”, na análise do pai, mesmo que quase tivesse reprovado na parte teórica do exame, feito em 2016. “Na prática, passei com excelência”, gaba-se.
O relatório do olheiro estava correto e a qualificação para Paris2024, essa, selou-a em 2023 num Europeu, em Osijek, em que subiu ao lugar mais alto do pódio, tendo chegado àquela cidade croata “um bocado em baixo”, depois de falhar os objetivos a que se propunha no Mundial, em Baku.
“Se esperava ser campeã da Europa? Não. Queria conseguir a quota. Isso foi um alívio tremendo. […] Não tinha ainda percebido o impacto que ia ter na nossa modalidade. Fiquei surpreendida com a quantidade de jornalistas a pedir entrevistas, mais os eventos com o Comité Olímpico [de Portugal], as medalhas de reconhecimento… gerou um impacto que não estava à espera”, diz.
“Muito triste” pelos colegas não terem conseguido o apuramento, tão próximo, no setor masculino, é um sentimento que contrasta com o marco “muito emocionante” de ser a primeira mulher portuguesa, na linha das tentativas de Rita Rodrigues e Susana Campos, entre outras.
Já vai vendo mais jovens juniores a atirar, e que a olham como modelo, integrada que está ao lado de ‘estrelas’ da modalidade como Jessica Rossi ou Silvana Stanco ou Alessandra Perilli.
De resto, faz já mira ao próximo ciclo, em que a expectativa é que com um apuramento já conseguido, o próximo, para Los Angeles2028, “seja mais fácil”, por ter “outra experiência”, além de ter, nesse evento, a possibilidade de competir em equipas mistas, em Paris2024 limitada ao skeet.
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