Goleadas à Espanha e Inglaterra e novamente goleada na final. O primeiro grande título de sempre de Portugal chegou com estrondo, naquele que foi o primeiro 'muro' na afirmação do futebol português a nível de seleções.

Portugal organizou e venceu, de forma categórica, o Europeu de juniores de 1961, numa final onde goleou a Polónia por 4-0 no velhinho e mítico Estádio da Luz. Nesse jogo, realizado a 08 de abril, emergiu Serafim, autor dos quatro golos dos sub-18 de Portugal. O treinador era o mítico José Maria Pedroto, com 32 anos, naquele que foi a sua primeira aventura como técnico. O selecionador, David Saquerra. Um jovem de 26 anos, jornalista no 'Mundo Desportivo'.

Início da Guerra colonial, três desistências e um torneio que começou coxo

O Torneio Internacional de Juniores (que viria a ser substituído pelo atual Europeu de sub-21) era uma das grandes provas da UEFA. O organismo que dirige o futebol europeu atribuiu a Portugal a organização da 14.ª edição, prova que decorreu nas cidades de Braga, Porto, Coimbra, Leiria, Évora e Lisboa, entre 28 de março e 8 de abril. Uma prova difícil a nível logístico já que Portugal tinha problemas de infraestruturas na altura. A Federação Portuguesa de Futebol optou por alojar as seleções participantes na Colónia Balnear Infantil "O Século", em São Pedro do Estoril.

A prova decorreu num momento delicado da história portuguesa. Tinha começado a Guerra Colonial nas colónias africanas no ultramar, com os movimentos independentistas dos territórios ultramarinos a ganharem forças. A 04 de fevereiro, o Movimento Popular e Libertação de Angola (MPLA), apoiado na altura pela União Soviética e por Cuba, atacou a prisão de São Paulo, em Luanda, e uma esquadra da polícia, matando sete polícias. No norte de Angola houve vários ataques contra a população branca. Em março de 1961 há relatos de vários massacres em Luanda, Kwanza Norte e Uíge, com as fontes da época a relatarem a morte e 1200 brancos e seis mil negros. Durante seis meses, o Exército Português travou uma batalha contra a UPA (União das Populações de Angola).  Muitos dos jogadores estavam na idade em que podiam ser chamados a cumprir o Serviço Militar obrigatório.

Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século”
Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século” Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século” créditos: FPF

O Europeu de juniores, que era para ter 16 seleções, só contou com 13. A antiga Jugoslávia, a antiga República Democrática Alemã e a Hungria desistiram à ultima da hora. As 13 selecções (Portugal, Itália, Inglaterra, Espanha, Turquia, Áustria, Alemanha Ocidental, Roménia, Holanda, Bélgica, Polónia, França e Grécia) foram divididas em quatro grupos, com três deles a ter três equipas. O sorteio da UEFA dita Portugal no grupo A, com Itália e Inglaterra. Missão difícil.

Para esta difícil tarefa, o selecionador nacional da altura, o malogrado David Sequerra, que também era jornalista no jornal 'Mundo Desportivo', escolheu um jovem para ser treinador de campo. José Maria Pedroto, de apenas 32 anos de idade. Pedroto tinha concluído o curso de treinador de futebol na federação francesa de futebol, onde foi considerado o melhor estrangeiro, com nota máxima. Regressa a Portugal à procura de trabalho e o Europeu de sub-18 é o seu primeiro grande teste.

Empate a meter medo e rolo compressor até a vitória final

O empate 0-0 na ronda inaugural com a Itália, a 31 de março, no antigo Estádio das Antas dificultava as coisas. Portugal tinha ficado num dos três grupos de três equipas e só o primeiro lugar passava para as meias-finais. Era preciso vencer a Inglaterra em Alvalade. Os golos de Simões (o grande Simões e magia que brotava daquele pé esquerdo), Serafim (2) e Nunes colocam Portugal nas meias-finais e a uma vitória da final. Mas tal só foi possível porque a Itália não conseguiu vencer a Inglaterra por quatro bolas de diferença (venceu 3-2 em Braga).

Nas meias-finais, nova goleada, agora frente a Espanha, por 4-1, com um golo de Crispim e três de Serafim, avançado do FC Porto. Serafim estava de pé quente e deixou isso bem claro na final, ao marcar os quatro golos frente a Polónia, seleção que tinha ganho o grupo da França (e ainda Grécia) e tinha afastado a Alemanha Ocidental nas meias-finais. Acaba a competição com nove golos em quatro jogos.

O título poderia ter chegado um ano antes na Áustria, mas Portugal perdeu nas meias-finais com a Hungria na por 2-1 (terminaria no 3.º posto). Muitos dos jogadores que se sagraram campeões da Europa de juniores em Lisboa estavam nessa seleção no Euro em 1960.

Portugal mostrava que tinha talento. Talento esse que iria ficar bem vincado a nível de clubes, um mês depois, com o Benfica a sagrar-se campeão Europeu em maio.

Serafim: a história de um goleador movido a... bifes

Manuel Serafim Pereira, conhecido nas lides futebolísticas por Serafim, foi o Homem do Euro de juniores em 1961 no que a golos diz respeito, numa seleção onde se destacava Simões. Na primeira ronda Serafim ficou em branco mas depois fez explodir a 'tampa do ketchup' e foi sempre a subir: dois, três e quatro golos.

Mas o Europeu de juniores não começou bem para Serafim. Henrique Sequerra, filho de David Saquerra, o selecionador da formação das Quinas nessa altura, desvendou um texto da autoria do pai acerca de Serafim. Texto esse publicado no site da Federação Portuguesa de Futebol e que agora transcrevemos.

Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século”
Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século” Visita dos campeões europeus de juniores de 1961 à Colónia Balnear Infantil “O Século” créditos: André Sanano/FPF

"Março de 1961, em São Pedro do Estoril, local de concentração da Seleção de Juniores de que fui responsável e que, dias depois, se consagraria como campeão da Europa (em 8 Abril, no repleto Estádio da Luz).

Já frente a uma poderosa Itália, resultado e exibição não foram satisfatórios: empate 0-0 de fracos prenúncios para o confronto que se lhe seguia, já em Lisboa, frente a Inglaterra

A par do tão saudoso José Maria Pedroto, experimentava então uma densa expectativa para esse 2.º jogo, em Alvalade, na esperança de uma muito melhor média exibicional quanto à do empate de estreia.

Acima de tudo havia que fazer golos contrariando aquele 'indigesto' zero nas Antas.

E esse desejo de produtividade atacante constituía a mensagem base de máxima importância.

Em grande forma – que talvez nunca mais se repetiria na década que se seguiu... - o nosso avançado-centro, Manuel Serafim Pereira, popularizado 'tout-court' por SERAFIM tinha sido uma das mais notórias decepções do 1.º jogo. Muito possante, aparentando bem mais do que 17 anos, beneficiava de largos anos de infância e de adolescência vividos em Moçambique, com variada actividade física, ao ar livre, e sob bons conselhos de seu pai, exibindo uma condição atlética excepcional propícia a um excelente nº 9, como se ia afirmando ao serviço do FC Porto. Mas tudo esse 'cabedal' exigia especiais cuidados...

O médico da Seleção já nos transmitira a ideia da tendência de pessoa mais de Serafim, consequência directa o super apetite que o caracterizava, em cada refeição. Talvez por isso, diziam-nos a sua fraca atuação frente à Itália, com incompleta digestão de uma frugal almoçarada. Havia que ter em atenção à conduta de Serafim a poucas horas desse importante Portugal-Inglaterra.

Após troca de impressões com 'Mister' Pedroto decidimos controlar de perto o almoço do Serafim, a poucas horas do jogo de Alvalade. Sentámo-lo ao nosso lado e recomendámos parcimónia e 'tolerância zero' ao empregado de mesa que nos servia a refeição de apropriado menu: sopa de legumes, pequenos medalhões – bifinhos de vitela, com arroz branco e fruta da época.

A cada jogador servir-se-iam dois pequenos bifes – nada mais! E era esse o nosso atento controlo à frugalidade do jovem Serafim.

Ao nosso lado alegre e de notório apetite, Serafim 'limpou' a sopa com invulgar rapidez e tivemos que o travar quanto à carcaça de serviço... e veio o conduto, de óptima apresentação, sob os efeitos a nossa justificada recomendação: apenas dois bifes por cada jogador e o arroz q.b..

Chegada a vez de Serafim, o zeloso empregado colocou-lhe no prato o dueto de bifinhos mas o jovem fez-lhe sinal, piscou-lhe o olho e solicitou uma dose extra de mais duas unidades, redondinhas, bonitas e apetitosas.

O pedido ia ter aceitação quando tanto eu como o 'Zé”' Pedroto nos apercebemos da simpatia extra do empregado, rendido àquela 'clandestinidade' do Serafim.

Fomos a tempo e decretámos:

- Só dois bifinhos e nada mais!...

O jovem amuou. O empregado sorriu. Nós ficámos mais tranquilos. E um certo silêncio perdurou naquela zona do almoço de pré-competição.

Tarde de 2 de Abril de 1961, no Estádio de Alvalade. Bastante público, bem marcante expectativa para esse Portugal-Inglaterra da 2.ª Jornada do Torneio da UEFA. Jogo bem conseguido – rotundo êxito de 4-0, a coroar a belíssima exibição, com destaque para Serafim, autor de dois golos, perigo constante para o afadigado 'keeper' Jimmy Jackson.

No final do jogo, naturalmente feliz, entrei no relvado para abraçar Serafim e, pensava eu exercitar o meu sentido pedagógico em termos de gastronomia. E disse:

- Vês Serafim, como foi bom não teres comido tanto. Jogaste muito melhor do que no Porto, há dias, e os teus dois golos foram esplêndidos. Parabéns!

- Pois é... só com dois bifes e fiz dois golos, se me tivesse deixado comer quatro bifes tinha feito quatro golos!

Desfiz o abraço, engoli em seco, fiquei a pensar como pode ser complicada essa contabilidade dos bifes..."

Nesse primeiro título de sempre de Portugal, estes foram os 22 convocados

- Guarda-redes: Rui (FC Porto), Melo (Benfica), Viegas (Académica)

- Defesas: Amândio e Nogueira (ambos do Benfica), Valdemar (FC Porto) e Tito (Leões Santarém)

- Médios: Faria (FC Porto), Calhau (Sanjoanense), Carriço (Vitória de Setúbal), Moreira (Leixões), Manuel Rodrigues (Barreirense) e Oliveira Duarte (Sporting)

- Avançados: Crispim, Rebelo, Nunes (os três da Académica), Jorge Lopes e Simões (ambos do Benfica), José António e Mira (ambos do Barreirense), Serafim (FC Porto), Peres (Belenenses).