Não deixa de ser curioso que uma das agressões mais mediáticas da história do futebol tenha sido provocada por um jogador sobejamente elogiado pela elegância mostrada em campo - a jogar e não só. Zinedine Zidane decidiu a final do Mundial de 1998 com dois cabeceamentos, que embalaram a França para o seu primeiro título na prova, face ao Brasil (3-0), mas, volvidos seis anos, estragou o jogo decisivo de 2006 com uma cabeçada ao italiano Marco Materazzi.
Após os fracassos do Mundial de 2002 e do Euro 2004, a seleção francesa voltava a mostrar-se ao mais alto nível em 2006, na Alemanha, muito por culpa de Zidane. O futebolista, melhor jogador da FIFA em 1998, 2000 e 2003, tinha previsto retirar-se dos relvados após a Mundial, o que veio a acontecer. Autor do único golo da meia-final contra Portugal, Zizou chegava, pela segunda vez na carreira, à final de um Campeonato do Mundo. Tudo apontava para uma despedida em glória.
No jogo decisivo, o então jogador do Real Madrid abriu o marcador na transformação de um penálti, mas na segunda parte do prolongamento 'borrou a pintura' ao dar uma cabeçada no peito de Marco Materazzi, que havia feito o 1-1 para a Itália, em resposta aos insultos deste.
Foi por indicação do quarto árbitro que o juiz argentino Hector Elizondo tomou a decisão de expulsar Zidane, aos 108 minutos, numa altura em que as duas seleções estavam empatadas a um golo - a Itália sagrou-se depois campeã do Mundo após vencer no desempate por grandes penalidades. Para a posteridade, fica a imagem de Zidane a passar pela Taça enquanto caminhava para os balneários, para sempre ligada ao último jogo de um dos melhores jogadores da história.
Até hoje, Zidane continua a ser o futebolista mais indisciplinado do Mundial: em 12 jogos, nas edições de 1998, 2002 e 2006, viu um total de seis cartões, incluindo dois vermelhos diretos, uma vez que, antes da cabeçada a Materazzi, já havia sido expulso na sua primeira participação na prova.
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"Prefiro morrer a pedir desculpa"
Na altura, Zidane recusou-se a pedir desculpa pelo gesto, justificando que perdeu a cabeça porque Materazzi se dirigiu a ele insultando a mãe e a irmã. "Mais de uma vez insultaram a minha mãe e nunca respondi. Mas ali... ela estava doente, no hospital. Era um mau momento", contou internacional francês em 2010, numa entrevista ao "El País".
"Se tivesse sido ao Kaká, um tipo normal, bom, claro que lhe teria pedido perdão. Mas a este! Se lhe pedisse desculpa, faltava ao respeito a mim mesmo e a todos aqueles de quem gosto. Peço desculpa ao futebol, aos adeptos, à equipa... Depois do jogo entrei no balneário e disse: ‘Perdoem-me. Isto não muda nada, mas peço perdão a todos’. Mas a ele não consigo. Nunca, nunca. Seria desonrar-me. Prefiro morrer", disparou o antigo jogador, sem nunca dizer o nome de Materazzi.
Já em 2022, numa entrevista ao "Telefoot", Zidane voltou falar desse episódio, ainda que sem qualquer menção ao italiano: "Creio hoje que Lizarazu teria sido o único capaz de me parar naquele momento. Teria sido importante que estivesse comigo, a meu lado. Mas, não se pode regressar ao passado. Não sinto orgulho com o que sucedeu, mas faz parte da minha carreira. Há sempre momentos complicados e esse foi um deles."
Quanto a Materazzi, apenas em 2020 veio dar a sua versão dos factos, reconhecendo que de facto insultou a irmã de Zidane. "Tivemos um contacto na área. Ele [Zidane] marcou o golo de França na primeira parte e o selecionador [Marcello Lippi] pediu-me para o marcar. Depois do primeiro choque eu pedi-lhe desculpa e ele reagiu mal. No terceiro choque franzi-lhe a sobrancelha, e ele disse-me: 'Dou-te a minha camisola mais tarde'. Eu respondi que preferia a sua irmã do que camisola", contou o italiano, num direto na rede social Instagram.
Ainda assim, Materazzi confessou ter ficado surpreendido com a reação de Zizou. "Não esperava aquilo, naquele momento. Tive a sorte de não estar à espera deste episódio, porque se estivesse preparado, ambos teríamos acabado nos balneários", revelou.
Zidane e Materazzi não foram os únicos a abordar o polémico episódio. Também o árbitro Hector Elizondo pronunciou-se sobre o assunto, contando com mais pormenores o que realmente aconteceu e como decidiu expulsar o jogador francês mesmo não tendo visto o lance.
"A dada altura, a uns 30 ou 40 metros, vi o Materazzi estendido no relvado. Interrompi o jogo e perguntei aos meus assistentes, através da comunicação pelo auricular, o que se tinha passado. Ambos me responderam, num tom de surpresa, que não tinham visto absolutamente nada", começou por contar o ex-árbitro argentino em 2018, durante uma conferência.
Foi então que entrou em cena Luis Medina Cantalejo, que era o quarto árbitro e se encontrava junto ao relvado, entre os bancos das duas seleções. "É terrível, terrível, uma cabeçada de Zidane a Materazzi. Quando vires o vídeo nem vais acreditar. Só lhe faltou dizer 'olé'", disse Cantalejo a Elizondo. Foi nessa altura que o juiz argentino tomou a decisão de expulsar Zidane.
Seis anos depois, o momento da cabeçada acabou por ser imortalizado numa estátua de bronze, de cinco metros de altura, que chegou a estar em exposição junto ao Centro Pompidou de Paris. A obra, da autoria do artista argelino Adel Abdessemed, foi comprada pela Autoridade de Museus do Qatar, curiosamente o país anfitrião do Campeonato do Mundo deste ano.
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