A atribuição da organização do Mundial de 2022 ao Qatar atraiu vários emigrantes ao pequeno país árabe. A falta de mão-de-obra para construir os luxuosos estádios prometidos pela organização da próxima Copa do Mundo, atraiu migrantes de vários países do terceiro mundo como Gana, Índia, Bangladesh e Nepal, seduzidos pela promessa de altos salários.

Mas uma reportagem do jornal inglês 'The Guardian' mostra uma realidade completamente diferente: trabalhadores a receber 157 euros por mês, por oito horas de trabalho diário, seis dias por semana, a trabalhar em péssimas condições.

"Um agente disse-me: 'o Qatar é o país mais rico do Mundo; vai ao Google e vê'. Garantiu-me que ganharia um 'enorme salário'. Mas quando chegámos aqui não vimos nada disso", disse um trabalhador do Gana, um dos 300 que deixaram aquele país africano, seduzidos pelos petrodólares.

Um dos estádios do Qatar, para o Mundial2022
Um dos estádios do Qatar, para o Mundial2022 Um dos estádios do Qatar, para o Mundial2022

Para chegar ao Qatar, muitos desses homens tiveram de pagar a agentes, algo que é ilegal mas é prática comum no recrutamento de trabalhadores para trabalhar nas explorações de petróleo e gás no Golfo Pérsico.

As primeiras críticas às condições de trabalho extremas a que estavam sujeitos os trabalhadores foram feitas logo no início da construção dos luxuosos estádios, por organismos de defesa dos direitos humanos. Depois das críticas foram feitas algumas melhorias, o que levou a diminuição de acidentes. O 'The Guardian' explicou que algumas medidas foram tomadas: alguns trabalhadores já foram treinadas para trabalhar em sítios altos; foram implementados períodos de descanso quando as temperaturas atingem altos níveis; todos os trabalhadores têm acesso a água e os avisos de segurança são escritos em várias línguas como inglês, Hindi e Tamil para ajudar na compreensão.

Apesar de a organização ter melhorado as condições de trabalho, o salário continua a ser um problema. Foram prometidos 700 euros por mês a alguns trabalhadores mas, no final do mês, alguns não levam mais que 157 euros por mês, como contaram alguns dos migranrtes ao jornalista do 'The Guardian'.

"É complicado estar longe de casa durante tanto tempo. Queremos mandar dinheiro para a família, mas não temos. Era suposto ganharmos muito, mas na realidade ganhamos uma ninharia", explicou um trabalhador do Gana, a quem foi prometido 700 euros por mês.

Apesar de não terem despesas com a alimentação e alojamento (estão assegurados pela organização), estes trabalhadores não conseguem ajudar as famílias que deixaram nos seus países. Um dos ganeses, de 38 anos, que falou com o repórter do 'The Guardian', explicou as dificuldades que tem em ajudar a família.

"Como sabe, em África, as famílias são numerosas. Quando alguém precisa de ajuda, vem ter connosco. Sabem que estamos no Qatar a trabalhar, pedem-nos dinheiro mas não temos. Não tenho dinheiro para alimentar a minha família, o que nos pagam não é o que estávamos à espera. Pensamos nisto todos os dias", lamentou.

Trabalhadores estrangeiros no Qatar, na construção dos estádios para o Mundial2022
Trabalhadores estrangeiros no Qatar, na construção dos estádios para o Mundial2022 Trabalhadores estrangeiros no Qatar, na construção dos estádios para o Mundial2022

As muitas críticas às condições dos trabalhadores e o eco que tal teve na imprensa internacional, assim como as pressões das entidades internacionais levaram o governo local a criar uma comissão de avaliação das condições em que trabalhavam os migrantes. No passado mês de setembro alguns migrantes foram autorizados a deixar o Qatar sem a autorização do empregador, algo que era pedido há muito pela Amnistia Internacional.

Os que decidiram ficar ficam sujeitos aos baixos salários e às condições de trabalho extremas, porque nos seus país de origem não há melhores soluções.

"Algumas pessoas não estão a trabalhar. Ou então estão a trabalhar mas a não serem pagos. Não há trabalho e, quando há, os salários são muito baixos", contou um dos migrantes ao jornalista do 'The Guardian'. Outro queixou-se da qualidade da alimentação, explicando que não come uma refeição decente há oito meses: "Nada de arroz, vegetais ou frango. Só chapati [uma espécie de pão]".

Para chegar ao Qatar, alguns tiveram de contrair dívidas para pagar pelos vistos de entrada e ainda pagar a alguns agentes que os ajudaram a chegar ao país. Muitos desses agentes, depois de receberem, ilegalmente, a sua comissão, desaparecem do 'mapa'.