O dicionário esclarece que sustentabilidade é um conceito que, ao relacionar fatores económicos, sociais, culturais e ambientais, procura suprir as necessidades à conservação da vida sem afetar as gerações futuras. É isso que diferencia o Forest Green Rovers dos outros clubes do mundo.
Considerado pela FIFA e pela ONU como o clube mais verde do mundo, o Forest Green Rovers é conhecido internacionalmente pela sua missão de tornar o planeta Terra num lugar melhor.
Pela mão de Dale Vince, este pequeno clube inglês tornou-se vegan, começou a produzir a sua própria energia, tem um relvado 100% orgânico e utiliza sobras de grãos de café nas suas camisolas.
O homem detrás da mudança
As mudanças no Forest Green Rovers têm um nome: Dale Vince, o homem por trás da mensagem. Aos 59 anos, o presidente do clube inglês é uma das caras pela sustentabilidade no Reino Unido. No entanto, o envolvimento de Dale Vince com o ambiente não é recente.
"As minhas primeiras preocupações com a sustentabilidade surgiram quando ainda era criança. Devia ter 12 ou 13 anos", revela em entrevista ao SAPO Desporto.
Dale Vince foi um New Age Traveller (viajante da Nova Era) – expressão utilizada para denominar os britânicos que a partir dos anos 60 viajavam em carrinhas entre festivais – como o próprio explica.
"Andei na estrada durante dez anos porque estava à procura de uma melhor forma de viver. Ao início estava apenas a ser rebelde, mas foi durante essa experiência que as minhas preocupações com o ambiente cresceram", admite o dirigente dos Forest Green Rovers.
Foi nesta altura que Dale Vince encontrou aquela que se tornaria a sua maior preocupação: a energia. "No início dos anos 90 apercebi-me de todos problemas que existiam em torno das alterações climáticas e do facto de a energia ser a sua maior causa na Grã-Bretanha", recorda.
Em 1991, Dale Vince visitou um parque eólico pela primeira vez e tudo mudou. "Depois disso construi uma eólica na zona onde morava e foi aí que tudo começou". Estava dado o primeiro passo para uma grande mudança.
Ainda nos anos 90 surgiu a Ecotricity: uma empresa dedicada à venda de energia verde produzida através de turbinas eólicas. No entanto, a energia não era o único problema ambiental a tirar o sono a Dale Vince.
"Já nos anos 2000 identifiquei o transporte e a alimentação como a segunda e terceira maiores causas da crise climática. Estes dois fatores e a energia representam 80% pegada de carbono de cada pessoa. Foi aí que isto se tornou numa missão para mim", acrescenta o ambientalista.
Desde aí a empresa de Dale Vince construiu um carro elétrico em 2008 e uma rede de carregamento em 2011. Também nessa altura surgiu o Forest Green Rovers.
No caminho da sustentabilidade
Em 2010, a empresa de Dale Vince adquiriu o Forest Green Rovers, um pequeno clube da cidade de Nailsworth, em Gloucestershire, no sudoeste de Inglaterra. É aí que começa a nossa história de hoje.
No caminho da sustentabilidade há três fatores que movem a missão do Forest Green Rovers: a energia, o transporte e a alimentação. E é em torno destas três indústrias que os responsáveis pelo clube operam todas as mudanças.
No que à energia diz respeito, Dale Vince explica que o clube "produz a própria energia, no telhado do estádio, com recurso a painéis solares, e ainda temos uma eólica numa montanha aqui perto."
"Além disso temos um relvado orgânico, ou seja, não utilizamos químicos, pesticidas ou fertilizantes. Temos um sistema que nos permite canalizar a água da chuva que cai sobre o relvado e utilizá-la de novo. A água é outro dos grandes problemas na crise climática", alerta.
Em relação ao transporte, todo o staff utiliza apenas carros elétricos. Para completar essa medida, o clube criou ainda vários pontos de carregamento para esses veículos em redor do estádio, não só para os carros do staff, mas principalmente para os adeptos.
Mas, um dos mais recentes avanços do Forest Green Rovers está relacionado com os equipamentos. Depois de descobrir que as t-shirts de futebol são totalmente feitas de plástico - o que considerou "uma surpresa bastante assustadora" -, Dale Vince decidiu mudar isso.
"Por várias razões, o plástico não é o material mais sustentável do mundo em termos de sustentabilidade, nem em termos de performance, porque faz com que os jogadores tenham mais calor e suem mais. Por isso, procurámos uma solução melhor", explica o chairman do clube.
Há dois anos, o clube começou por desenvolver t-shirts que eram compostas por 50% bambu e 50% plástico. O bambu estava no interior e o plástico no exterior da camisola, o que as tornava mais respiráveis e mais leves. Mas Dale Vince não quis ficar por ali e, já este ano, apresentou uma nova t-shirt.
"Este ano deparámo-nos com a possibilidade de substituir o bambu por restos de grãos de café. Continua a ser metade plástico, mas a outra metade é um material reciclado, assim como o plástico também o é. Percebemos que as sobras de café são mais leves que o bambu e também tornam as camisolas mais respiráveis, por isso é mais uma melhoria", aponta.
Mas porque não usar apenas o material orgânico? "Não podíamos usar apenas bambu ou grãos de café por uma questão estrutural, por causa da impressão. Nós imprimimos o padrão das camisolas na camada de plástico, mas não seria possível fazer isso no bambu ou nas sobras de café", lamenta Dale Vince.
É importante sublinhar que já existem várias marcas igualmente preocupadas com a questão da sustentabilidade nos equipamentos desportivos. Um dos maiores recentes exemplos chega da Nike. A empresa desportiva estadunidense revelou há alguns meses os equipamentos da seleção francesa para o Euro2020, que se vai realizar este ano.
Como se pode ler no site oficial da marca, as t-shirts da equipa gaulesa são fabricadas "com, pelo menos, 50% de poliéster reciclado", enquanto combinam "respirabilidade e mobilidade com tecido elástico que drena o suor e seca excecionalmente rápido para proporcionar o máximo desempenho".
No entanto, apesar de todas as iniciativas anteriormente referidas por parte dos Forest Green Rovers, o fator que desperta mais interesse sobre o clube ainda é a alimentação. Isto porque todo o clube é vegan, desde o presidente aos jogadores.
A dieta vegan
Uma alimentação vegan é caracterizada pela exclusão de todos os alimentos de origem animal: carne, peixe, ovos, lacticínios, etc. Assim sendo, toda a dieta se foca em comida à base de plantas.
No Forest Green Rovers, todo o menu é vegan. Não apenas em dias de jogo, "mas sempre", como o presidente do clube frisa. "Todos têm uma alimentação saudável à base de plantas. Fugimos também à comida processada, às gorduras e ao açúcar. Até o nosso álcool é vegan", confessa.
"Em média, os adeptos só vêm ao futebol duas horas a cada duas semanas, para os jogos em casa, por isso nós desafiamo-los a tentar algo que não tentariam nos outros dias", admite Dale Vince
Além de todo o impacto ambiental, Dale Vince lembra ainda que "o facto de sermos um clube vegan é muito importante porque nos deu grande publicidade a nível global. Mesmo agora, ainda toda a gente quer saber como é que nos tornámos um clube de futebol vegan. A comida é um tópico de grande importância no geral e a ideia de mudarmos o que comemos devido à crise climática provoca várias dúvidas e dificuldades em algumas pessoas."
Embora neste momento este seja um ponto mais que assente no clube, Dale Vince admite que, mesmo na altura da mudança, os jogadores não colocaram entraves.
"Não se importaram muito. Os jogadores aceitaram bem a ideia porque nós explicámos que os atletas não devem comer carne vermelha. Falei com o chef de cozinha e concordámos que iriamos parar de servir alimentos de origem animal porque prejudicam a performance dos jogadores. Invés disso passámos a dar-lhes comida que os ajuda dentro de campo."
Que o diga Aaron Collins, avançado dos Forest Green Rovers desde a época 2019/2020. "Jogar num clube sustentável é muito bom. Abriu-me os olhos para muitas coisas que eu não saberia se não estivesse aqui. Antes de chegar à equipa não era vegan e admito que, ao início, foi um bocadinho difícil, mas acabou por se tornar parte da minha rotina. Neste momento já é muito natural para mim", explica ao SAPO Desporto.
"Antes de chegar aqui nunca tinha pensado em ser vegan. Não sabia o suficiente sobre o assunto. Quando me juntei a esta equipa passei a saber mais sobre a dieta vegan e comecei a ver o que ela traz de bom. Quando cheguei explicaram-me que tudo o que eles fazem é verde e sustentável e que toda a comida é vegan. Eu já sabia disso antes de chegar, mas explicaram-me tudo. Deram-me várias receitas e disponibilizaram-se para me ajudar caso eu escolhesse manter a dieta vegan também em casa, que foi o que eu fiz", revela ainda o avançado.
Embora confesse que "ao início tinha fome com muita frequência" e que "sentia que a nossa alimentação não era o suficiente para satisfazer as necessidades energéticas do corpo", Aaron garante que, com o passar do tempo, "o corpo habitua-se à nova rotina e à ingestão deste tipo de alimentos."
No entanto, esta medida não se estendeu apenas aos jogadores, mas também aos adeptos. Na massa associativa, Dale Vince salienta que houve uma pequena parte de pessoas insatisfeita, mas que a maioria não levantou ondas.
"Algumas pessoas acharam que nós estávamos a dizer-lhes o que fazer. Acho que ficaram chateadas pela ideia de que havia alguma coisa de errado com o que elas comem. Nós explicamos que não estávamos a dizer a ninguém o que fazer, só estávamos a adaptar aos nossos princípios o menu pelo qual somos responsáveis", explica.
A juntar a isso, o clube lembra que "em média, os adeptos só vêm ao futebol duas horas a cada duas semanas, para os jogos em casa, por isso nós desafiamo-los a tentar algo que não tentariam nos outros dias. Também lhes dissemos que se quisessem podiam trazer a própria comida, não nos importamos com isso, mas quem experimentou a nossa comida, adorou."
Mesmo assim, ainda há quem questione o impacto que uma dieta vegan tem nos jogadores, como o próprio Dale Vince admite. "Algumas pessoas pensam que a comida vegan afeta os atletas de uma forma negativa, mas para nós é bastante óbvio que os afeta, mas de uma forma muito positiva. Faz com que sejam mais saudáveis, mais rápidos, têm mais energia e estão menos vulneráveis a lesões musculares - há várias provas científicas nesse sentido", garante.
"Já conseguimos subir uma divisão para uma das competições da EFL, mas o nosso plano é chegar ao Championship", garante Dale Vince
Quem também suporta essa opinião é Tom Huelin, fitness coach no Forest Green Rovers desde a temporada 2016/2017. "A principal diferença entre os nossos jogadores e os dos outros clubes é mais visível antes dos jogos. Os nossos jogadores não ingerem alimentos inflamatórios, como a carne, que tende a ser muito inflamatória e difícil de digerir - o que não a torna ideal para ser ingerida antes da prática de desporto ou exercício físico. A comida à base de plantas é bastante mais fácil de digerir, o que é um fator muito importante quando falamos de atletas que estão prestes a entrar em campo", reforça.
"Tem tudo a ver com a forma como os jogadores se sentem e o facto de que os alimentos que ingerimos afetam os nossos níveis de energia. Uma dieta vegan pode melhorar a qualidade do sono e até ajudar na recuperação. Imaginemos que há um jogo no sábado e outro na terça-feira, estes jogadores sentem que recuperam mais rápido porque seguem uma dieta vegan", acrescenta ainda.
Tom Huelin salienta também "há várias provas de que uma dieta vegan tem impacto na redução do número de lesões musculares. Mas tudo isto tem a ver com a parte da recuperação. Os jogadores sentem-se melhor e sentem que os músculos recuperam melhor entre os jogos."
"Neste momento, já há atletas vegan em todo o mundo e em quase todos os desportos que possamos imaginar, como na Fórmula 1, futebol americano, râguebi, MMA, boxe, ténis, etc. Agora já é possível olhar para o exemplo de vários atletas e perceber que uma dieta à base de plantas é viável", salienta Dale Vince. E tem razão, nos desportos de maior visibilidade mundial existem vários atletas que seguem uma dieta vegan e que provam que esta não os afeta negativamente, muito contrário. Como são os casos do piloto Lewis Hamilton, a tenista Venus Williams e o basquetebolista Kyrie Irving. No futebol, a norte-americana Alex Morgan, o espanhol Héctor Bellerín e o inglês Chris Smalling são alguns dos exemplos de sucesso.
Seja por questões éticas, ambientalistas ou de saúde, há cada vez mais pessoas a migrarem de uma dieta omnívora para uma à base de plantas. Em Portugal, existem poucos estudos sobre o veganismo/vegetarianismo, mas um estudo da consultora Nielsen, divulgado em 2018, mostrou que nos últimos dez anos o número de vegetarianos [diferente de veganismo] quadruplicou. Estima-se serem cerca de 120 mil portugueses, o que corresponde a 1,2% da população.
Curiosamente, estas alterações aplicam-se também a atletas profissionais, até aos que jogam no escalão máximo do futebol português, como explicado na reportagem "Somos o que corremos e não o que comemos. Uma análise ao vegetarianismo no futebol português" do SAPO Desporto.
O próximo passo
Atualmente, o Forest Green Rovers milita na League Two, a quarta divisão do futebol inglês, mas o objetivo de Dale Vince é bem mais ambicioso.
"Já conseguimos subir uma divisão para uma das competições da EFL, mas o nosso plano é chegar ao Championship", garante. Faltam dois passos de gigante, como quem diz, são necessárias mais duas subidas de divisão para que o Forest Green Rovers chegue à tão desejada segunda divisão inglesa.
"O Championship é um nível bastante elevado e dar-nos-ia uma plataforma muita maior para a nossa mensagem de sustentabilidade. Teríamos mais credibilidade e mais visibilidade. É um grande desafio, tendo em conta o ponto em que começámos, mas queremos aproveitar o tempo que temos até lá para crescer ainda mais em termos de sustentabilidade. A nossa missão é chegar ao Championship", remata Dale Vince.
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