Duas grandes nações do futebol encontraram-se, em Berlim, para disputar a final do Campeonato da Europa de 2024. De um lado, estava a Espanha, que tinha ganho três títulos europeus até ao momento, e do outro, uma Inglaterra, eterna candidata ao título, que até hoje não conseguiu arrecadar nenhum troféu europeu para o seu palmarés.

Ambas as seleções estiveram ao nível da importância do jogo. Não foi um jogo tão aberto como poderia ter sido noutras alturas (porque estamos a falar de uma final), mas ambas as equipas procuraram vencer, criaram várias situações de golo, e acabaram por conseguir criar um jogo de futebol atrativo e com emoção.

Como se comportou a Espanha

A Espanha, que ao longo de todo o Euro-2024 apresentou um modelo e sistema de jogo bem consolidados, continuou a querer ser igual a si mesma. Apresentou-se no seu 1x4x3x3 habitual, com os regressos de Dani Carvajal (defesa direito) e de Robin Le Normand (defesa central direito) para a linha defensiva de 4 jogadores. Utilizou Rodri como o médio mais defensivo, enquanto Dani Olmo e Fabian Ruíz eram os médios mais ofensivos. Lamine Yamal e Nico Williams eram os desequilibradores de serviço, como foi habitual, e Álvaro Morata, o avançado centro, mas com muita mobilidade principalmente ao longo do corredor central.

Os princípios mantiveram-se os característicos do futebol espanhol, dominar o jogo através da posse de bola, com um jogo apoiado desde a primeira fase de construção, que foi feita através de um sistema de 4+1 (4 defesas mais o médio defensivo Rodri), libertando os outros 2 médios para posicionamentos entre as linhas média e defensivas da Inglaterra. Neste processo de ocupação e procura do espaço entrelinhas, Morata foi muito importante, porque “baixou” várias vezes para esse posicionamento, mostrando-se como apoio frontal, e assim ligar com os médios que lhe apareciam de frente, ou mesmo com os extremos após uma receção orientada.

O jogo foi pedindo “toque de treinador” a Luís De La Fuente, muito por mérito inglês que estava a consegui colocar alguns problemas à estratégia espanhola, mas também porque ao intervalo a Espanha viu-se obrigada a retirar aquele que foi considerado o melhor jogador do torneio, Rodri, devido a lesão.

Como se comportou a Inglaterra

A Inglaterra durante o Euro 2024 foi uma equipa que parecia sempre instável emocionalmente, muito devido às críticas que ia acumulando pelo futebol praticado. Nas meias-finais conseguiu “desmarcar-se” dessa imagem, com um jogo bem conseguido e bastante ofensivo. Mas tal como projetado no artigo “Os melhores chegaram a Berlim. Vem aí uma grande final”, a Inglaterra foi a equipa que mais se adaptou ao que o jogo lhe pedia, e com isto chegou mesmo a alterar alguns processos, principalmente defensivos.

A organização defensiva da Inglaterra tinha vindo a ser feita em 1x5x4x1/1x5x2x3, mas Gareth Southgate, para a final, optou por utilizar o 1x4x2x3x1 como base posicional defensiva. A ideia tático-estratégica passou por ser esta porque a Espanha utiliza um avançado centro “mais sozinho” e para tal, dois defesas centrais (John Stones e Marc Guéhi) eram suficientes para conseguir anular um jogador. Depois Kyle Walker (defesa direito) e Luke Shaw (defesa esquerdo) estariam com uma atenção mais individualizada aos extremos espanhóis que se posicionam bem abertos na largura do campo.

E depois, naquela que pareceu ser a maior razão para a utilização deste sistema, foi a marcação individual dos médios espanhóis. Phil Foden (jogou como médio ofensivo) tinha orientação individual para o médio defensivo Rodri. Kobbie Mainoo tinha como referência Fabian Ruíz e Declan Rice anulava Dani Olmo. Harry Kane como avançado centro apenas necessitava de dar uma pequena orientação à equipa porque os defesas centrais espanhóis sempre tiveram muita liberdade para jogar na primeira fase de construção.

Ofensivamente, a Inglaterra tentou ter um risco muito diminuído nas suas zonas mais recuadas. Tentava jogar de forma apoiada quando conseguia, mas se a Espanha executasse uma pressão muito agressiva, a bola era imediatamente colocada de forma longa para Harry Kane, para que a equipa conseguisse ganhar a 2ª bola já mais alta no terreno de jogo. Posicionalmente, a Inglaterra não fugiu muito ao padrão habitual (excetuando que Luke Shaw jogou de início no lugar que foi ocupado por Kieran Trippier durante todo o Euro 2024.

E Jude Bellingham partia do corredor esquerdo, enquanto Phil Foden já estava no corredor central), Kyle Walker comportou-se como o joker habitual que alterava o seu posicionamento (mais perto do corredor central, ou dando largura) consoante o posicionamento dos seus colegas. Luke Shaw projetava-se no corredor esquerdo, ocupando a linha de 3 mais avançada com Harry Kane e Bukayo Saka. Bellingham juntava-se ao meio campo, formando um quarteto na procura de criar superioridade numérica relativamente ao meio campo espanhol.

A Final

Desde o início do jogo que a Espanha quis impor o seu modelo de jogo em prática. Notou-se ao longo de todo o Euro-2024 na crença que todos tinham nesta forma de jogar, e a Final não os fez mudar nada. A Inglaterra foi conseguindo criar dificuldades, principalmente devido às suas orientações defensivas individuais, que não permitiam à Espanha encontrar os seus homens livres, nem nos espaços entrelinhas, nem nos corredores laterais. E isto foi fazendo com que, apesar da Espanha tivesse mais posse de bola, a Inglaterra fosse ganhando confiança, e fosse conseguindo começando a criar dificuldades e alguns erros no futebol espanhol, que muitas vezes davam contra-ataques perigosos que por pouco não foram resultando em golo.

No fim da primeira parte, Rodri lesiona-se e aqui é que Luís De La Fuente tem de atuar, e consegue desequilibrar um pouco o jogo para o lado espanhol.

Rodri é substituído por Martin Zubimendi (médio centro da Real Sociedad). Zubimendi não é um médio tão defensivo como Rodri e a Espanha altera o seu sistema para 1x4x2x3x1, em que Fabian Ruíz faz dupla com Zubimendi, e Dani Olmo coloca-se como o único médio ofensivo da equipa. Esta pequena alteração veio criar mais espaço dentro do bloco inglês, principalmente para que Dani Olmo e Álvaro Morata (e posteriormente os extremos) conseguissem receber com espaço no espaço entrelinhas.

Tudo isto porque a Inglaterra com a sua marcação individual, em vez de ter 2 médios centro juntos à frente da linha defensiva, passou a ter só 1 (e este jogador criou uma linha defensiva sozinho, logo muito espaço entre os defesas laterais e os médios centro mais subidos), para que Kobbie Mainoo e Phil Foden conseguissem estar homem a homem com Fabian Ruíz e Zubimendi, ficando Declan Rice com Dani Olmo. Ainda antes da Inglaterra perceber este processo, a Espanha marca logo no 1º minuto da segunda parte, tirando proveito deste mesmo espaço entrelinhas, onde apareceu Lamine Yamal que assiste Nico Williams para o 1-0.

A Inglaterra teve alguma dificuldade em voltar ao jogo, mas foi conseguindo tornar-se mais pressionante com o decorrer do tempo e com as alterações feitas pelo seu selecionador, que mais uma vez coloca Ollie Watkins no lugar de Harry Kane, e posteriormente Cole Palmer no lugar de Kobbie Mainoo, colocando assim a Inglaterra muito mais ofensiva (juntou Bellingham, Saka, Foden, Palmer e Watkins). Esta qualidade individual dos jogadores acabou por fazer com que fizessem o 1-1, num remate excecional de Cole Palmer de fora da área, devolvendo assim a esperança à sua equipa e a todos os ingleses.

Mas a Espanha voltou novamente a ser madura e a proceder a uma pequena alteração, que viria a dar o 2-1 final. Com a presença de 2 médios centro mais próximos dos 2 defesas centrais na construção, a Espanha passou a projetar Carvajal e Cucurella para zonas altas do campo, colocando Yamal e Williams perto de Dani Olmo e Oyarzabal (que tinha entrado para o lugar de Morata, apesar de ser mais um médio ofensivo com muito boa capacidade de finalização do que avançado centro) que conseguiram começar a criar muitas dificuldades à defesa inglesa para conseguir “tapar” todos os espaços.

Até que num momento em que Fabian Ruíz liga com Dani Olmo entrelinhas, este consegue encontrar Oyarzabal, que joga em Cucurella projetado no corredor esquerdo, que faz um passe (não um cruzamento) para a zona do penalty, onde aparece novamente Oyarzabal para finalizar. 2-1 aos 87 minutos, e um jogo praticamente sentenciado, apesar da Inglaterra ainda ter tido uma grande oportunidade de golo já perto do fim do jogo.

O EURO 2024

Foi um Campeonato da Europa onde se esperava um pouco mais das melhores seleções, excetuando uma, a campeã da Europa, Espanha. Curiosamente foram as seleções ditas “mais pequenas” que apresentaram melhor futebol, como foi o caso da Eslovénia, Eslováquia e Suíça.

A título individual tivemos várias surpresas agradáveis como a aparição de jogadores como Mikautatdze (Geórgia) ou Vargas (Suíça), a confirmação de futuras estrelas como Sesko (Eslovénia), Xavi Simons (Países Baixos) e Nico Williams (Espanha). E claro uma palavra para os vencedores dos troféus individuais. O melhor jogador do Euro 2024, Rodri. O melhor jovem jogador do Euro 2024, Lamine Yamal. O melhor marcador do Euro 2024, Dani Olmo.

Fecha-se assim mais um Campeonato da Europa. Venha o futebol de clubes!