Lewis Hamilton, a representar atualmente a Mercedes na Fórmula 1, é uma das vozes mais pertinentes, influentes e incomodativas quando os temas são sustentabilidade, veganismo, racismo e luta pelos direitos humanos.
O britânico, que se tornou recentemente o primeiro piloto da história da Fórmula 1 a chegar às 100 'pole positions', usa a sua notabilidade para sensibilizar os mais desatentos, principalmente nas redes sociais.
Aos 36 anos, no auge da sua carreira como piloto de Fórmula 1, Hamilton atingiu o estatuto de celebridade - que parece rejeitar - permitindo-lhe dizer o que pensa, nem que para isso tenha de ferir organizações como a FIA (Federação Internacional do Automóvel). O mais importante é não deixar cair em esquecimento questões como o bem-estar do planeta, a importância do veganismo e, acima de tudo, que todos sejamos tratados de igual forma, independentemente das diferenças que possam existir entre os humanos.
Para os mais desatentos - ou menos interessados em Fórmula 1 - Lewis Hamilton detém o recorde de títulos (7) de campeão mundial na modalidade, a par com Michael Schumacher. Depois de ter superado o antigo piloto da Benetton, Ferrari e Mercedes no número de vitórias (91) e ‘pole positions’ (68) e de ter igualado o número de títulos mundiais (sete), Hamilton pode sentar-se sozinho no ‘trono’ em 2021.
Saiba mais sobre a carreira desportiva de Hamilton neste perfil que o SAPO Desporto fez antes do arranque deste época.
Hamilton está para o automobilismo como Cristiano Ronaldo está para o futebol. E tal como o capitão da seleção portuguesa de futebol, será questionável atribuir-lhe o título de melhor piloto de sempre da Fórmula 1, até porque tem Ayrton Senna e Michael Schumacher como adversários.
Isto para dizer que nem todos os astros do desporto são inacessíveis e Hamilton mostrou-se disponível para falar com o SAPO Desporto sobre temas que vão desde 'a ligação que temos como o planeta Terra' até à 'forma como olhamos para outros seres'.
SAPO Desporto - Uma mensagem transmitida através de um ídolo será mais eficaz do que leis políticas?
Lewis Hamilton: Deve haver espaço para ambos no mundo e não pretendo ter todas as respostas, apenas tento falar a minha verdade e espalhar uma mensagem positiva. Alguns de nós têm a sorte de ter um palco para gerar mudanças positivas de forma responsável. Quando vemos injustiça no mundo, temos que a iluminar e elevar a nossa voz para que aqueles que lutam possam ser ouvidos. É o que tento fazer.
A Luta pelos Direitos Humanos
Antes do arranque da atual temporada de Fórmula 1, no Bahrain, o heptacampeão do mundo pediu assertivamente para que as violações de direitos humanos nos países onde celebram grandes prémios não fossem ignoradas.
"Não penso que devamos ir a estes países e ignorar o que se passa neles. Chegar, divertirmo-nos, e sair. Direitos humanos não deviam ser uma questão política, porque todos temos direito a eles".
Este país do Médio Oriente tem acolhido etapas do circuito mundial desde 2004, sendo este um dos momentos de maior visibilidade para uma nação que, na tabela da Human Rights Watch, está no pior patamar no que toca à preservação dos direitos humanos.
Entre os factos apontados pelos ativistas estão a repressão da população shia, com vários e documentados episódios de tortura, repressão de manifestações, como durante a chamada Primavera Árabe, em 2011, e a destruição de mesquitas.
No arranque desta época, as equipas, pilotos, e a organização receberam uma carta assinada por 24 grupos e associações de luta pelos direitos humanos, bem como 61 membros da Câmara dos Comuns do Reino Unido, para que abram um inquérito independente aos abusos relacionados indiretamente com o próprio Grande Prémio.
De acordo com este documento, iniciado pelo instituto pelos Direitos e Democracia do Bahrain, há vários casos em que o impacto da corrida tem piorado a repressão do regime, como em novembro de 2020, em que um menino de 11 anos foi preso por participar num protesto contra a realização da prova.
Lewis Hamilton confessou que quis falar diretamente com o rei do Bahrain, Salman Bin Hamad Al Khalifa, sobre a questão. Quando questionado, o piloto referiu apenas querer manter "privadas" as conversas, até para "não prejudicar os progressos".
O homem-forte da Mercedes recebeu ainda três cartas de sobreviventes de tortura, com descrições explícitas e detalhadas dos abusos sexuais e espancamentos que receberam, que "pesaram bastante" na sua consciência.
SAPO Desporto - A tua ambição de vencer na Fórmula 1 é medida na mesma escala com o desejo de falar ao mundo sobre os problemas atuais que realmente importam?
Lewis Hamilton: Ambos são igualmente importantes para mim e, na verdade, eles alimentam-se um do outro. No ano passado lembro-me de ter usado, em Itália, uma camisola a exigir justiça para Breonna Taylor no pódio e esse foi um momento muito importante para mim. Durante a corrida só pensava: 'Tenho que ganhar esta corrida pela e para a Breonna. Tenho que subir ao pódio para poder usar esta camisola'.
Combate à discriminação racial, repressão policial e desigualdade social
O único piloto negro na Fórmula 1 tem lutado contra racismo dentro do desporto, mas também contra a discriminação, repressão policial e desigualdade social. A sua posição sobre estes temas ganhou maior preponderância com o movimento 'Black Lives Matter' depois da morte do norte-americano George Floyd, em maio de 2020, e de Breonna Taylor, em março do mesmo ano, ambos por parte de polícias dos EUA. Hamilton levou o tema para a modalidade e ajudou a criar um movimento de apoio às minorias e ao 'Black Lives Matter', embora nem todos os pilotos e ex-pilotos concordassem com as suas ideias.
Os mais velhos têm mostrado resistência, como foram os casos de Jackie Stewart, de 81 anos (negou a existência de racismo na Fórmula 1), e Mario Andretti, de 80 (disse que demonstrar repúdio à falta de diversidade na F1 "é criar um problema que não existe"), mas Hamilton não se importou.
"Isso é muito dececionante, mas infelizmente é uma realidade que algumas das gerações mais velhas, que ainda têm voz, não conseguem sair do seu próprio mundo para reconhecer que há um problema. Nunca é muito tarde para aprender e eu espero que este homem [Andretti], por quem eu sempre tive respeito, possa tirar um tempo para educar a si mesmo", escreveu Hamilton numa 'story' no Instagram.
Esta época, antes e depois do GP da Toscana, em Mugello, Itália, Hamilton usou uma camisola com a mensagem: "Prendam os polícias que mataram Breonna Taylor", em apoio a uma enfermeira afro-americana morta em casa numa rusga da polícia.
Lewis Hamilton acabou por ser investigado pela FIA por ter vestido a camisola antes da corrida, quando subiu o pódio e ainda por verbalizar durante a entrevista de análise.
Segundo regras da organização, os pilotos e as equipas não podem fazer declarações políticas durante as provas. Contudo, Hamilton acabou por escapar à sanção e multa.
SAPO Desporto - Quanto mais um atleta vencer, mais alta será a sua voz? Ou isso depende de outros fatores como personalidade, poder financeiro...
Lewis Hamilton: Essa foi a minha motivação durante todo o ano passado - encorajar as pessoas a usarem a sua voz para falar. Acabou por ser uma prioridade para mim. Sinto uma energia diferente - competir por algo e por alguém.
Factos marcantes da carreira de Lewis Hamilton na Fórmula 1 em imagens
SAPO Desporto - Qual deve ser a prioridade dos líderes políticos e líderes em geral por um mundo melhor?
Lewis Hamilton: Acho que precisamos de mais respeito uns pelo outros, de ouvir mais uns aos outros - ouvir é tão importante - e precisamos ser mais inclusivos.
Devemos celebrar as nossas diferenças e não permitir que elas nos dividam.
Proteger o meio ambiente deve ser uma prioridade para quem está no poder, mas também para todos nós. Cada um pode fazer a diferença. É uma forma de estarmos unidos e só precisamos de fazer pequenas mudanças nas nossas vidas. Temos muita sorte em estar e ocupar este planeta, então precisamos de começar a tratá-lo bem. As alterações climáticas são uma ameaça séria: cada um de nós tem a responsabilidade de proteger o nosso futuro e o da próxima geração.
O veganismo e a luta pela preservação do meio-ambiente
O inglês de 36 anos está cada vez mais ligado a um mundo bem diferente de ostentação, algo comum entre celebridades e à própria Fórmula 1.
Nos últimos anos, a luta pela preservação do meio ambiente tem sido outra bandeira do piloto. Tudo começou com a adoção de uma dieta vegana em 2017, influenciada pela fisiologista Angela Cullen. Depois, vieram as coleções de moda dando prioridade a produtos sustentáveis, a participação no documentário 'The Game Changers' (disponível na Netflix), em que o inglês se juntou a outros atletas para informar sobre o impacto positivo de uma dieta à base de plantas no desempenho desportivo. Mais, inaugurou uma cadeia de hambúrgueres veganos.
Consciente do seu poder, Hamilton tem utilizado as redes sociais para divulgar casos de maus tratos a animais, a poluição com lixo nos oceanos e o fogo na floresta amazónica.
Claro que nem o todo poderoso piloto da Mercedes está livre de críticas nas redes sociais. A indústria que lhe deu a fama não é exemplar na defesa do meio ambiente, mas acredita que isso não o impede de tentar fazer a diferença. Hamilton tenta reduzir o impacto da Fórmula 1 no meio-ambiente em conversas com outros pilotos e com os responsáveis da prova.
"Como humanos, aquilo que estamos a fazer ao planeta... a poluição que a indústria da pecuária produz é incrível. Não quero contribuir para isso, quero viver uma vida mais saudável", escreveu nas redes sociais, depois de ter vendido o seu jato privado.
"Ser vegano é a única forma de salvar o planeta"
"Compreendi o impacto que pode ter no mundo e percebo a cada dia o que posso fazer para desempenhar um melhor papel. Quero que a minha vida signifique algo e, honestamente, até agora a minha vida não tinha sentido. Fazer parte do problema não é significativo. Fazer parte da solução já é e estou a esforçar-me para melhorar. Façam alguma pesquisa", escreveu ainda.
Para Hamilton, a extinção humana é "cada vez mais provável, pela forma como utilizamos os nossos recursos".
"Temos de perceber que o que comemos mantém a indústria da carne e laticínios economicamente relevantes e isso leva à desflorestação, crueldade animal, além de os nossos oceanos e clima piorarem diariamente", continuou o piloto, para quem "fomos ensinados que comer produtos de origem animal era bom, mas mentem-nos há centenas de anos".
"Tantas pessoas, mesmo amigos íntimos, ignoram o que acontece diariamente", considerou ainda, sublinhando que "as quintas agrícolas são o maior poluente, bastante mais do que a indústria de viagens combinada".
SAPO Desporto - O que cada um de nós, em sua casa, com pouco ou muito, pode fazer para tornar um mundo melhor sem ofender a integridade?
Lewis Hamilton: "Tente ser positivo, educar-nos - também as famílias - sobre as lutas dos outros e ser mais consciente. Tenha empatia e coloque-se no lugar de outra pessoa. Um dos motivos pelos quais eu me ajoelho antes de cada corrida é porque quero que as crianças em casa perguntem aos pais - ou responsáveis - 'porque é que aquele piloto está a fazer aquilo ?' Isto vai desencadear uma conversa desconfortável. Significa que os pais precisam de se educar primeiro para que os filhos aprendam. E isto só pode ser positivo para o futuro"
“A comunidade negra sabe que é ouvida quando eu fico de joelhos".
Negro e pobre. A F1 não era para ele mas Hamilton foi quebrando tabus até garantir um lugar entre os imortais
Esta entrevista insere-se na rubrica Desporto Zero, do SAPO Desporto, em que abordamos os 'temas verdes' do desporto.
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