Gustavo Kuerten, o anterior ‘rei da terra batida’, reconhece apenas ter ‘tocado’ o patamar a que Rafael Nadal chegou em Roland Garros, embora confesse que enfrentar o tenista espanhol seria “uma experiência fantástica”, com um toque poético.

“Simples, só tapando-lhe os olhos”, dispara, perante a pergunta ‘qual o truque’ para derrotar o maiorquino em Paris, antes de soltar uma das suas características gargalhadas.

Último tenista a erguer mais do que um troféu (2001, 2000 e 1997) na ‘Catedral da terra batida’ antes do fenómeno Nadal ‘varrer’ Roland Garros – são já 13 títulos, um recorde -, Guga acostumou-se a ouvir, ano após ano, a mesma pergunta, que é "natural".

“Ele faz com que eu seja o último campeão de lá. Ele não deixa ninguém ganhar”, brinca, revelando que, quando perspetiva como seria esse confronto, acredita que “o tempero” do seu jogo “funcionaria bem para enfrentá-lo”.

Para Kuerten, o espanhol é “fenomenal” e nunca ninguém “se aproximou daquela volúpia” com que ‘Rafa’ joga em Roland Garros, com “tanta clareza” e sem “entrar em paranoia” quando algo corre mal.

“O Nadal vai além das técnicas, de como fazer. É a brutalidade do enfrentamento. Ele leva para um patamar nunca visto. O que ele faz, é possível que eu tenha ‘tocado’ e estado por ali, mas ele é assim. Com o que ele introduziu, o ténis tornou-se diferente em relação à época em que eu vencia. Enfrentá-lo seria uma experiência fantástica de vivenciar, mesmo sendo dura. Digo fantástica porque somos movidos a esse tipo de desafios”, nota.

Com o novo ‘rei da terra batida’, o ‘rei deposto’ teria de trazer respostas novas: “na nossa cabeça, no processo de construção do campeão, mesmo estando todo ‘quebrado’ e não conseguindo entrar no ‘court’, eu me sinto capaz [de derrotá-lo]. A imaginação vai longe. Eu não sabia entrar na quadra derrotado. [Na imaginação] Penso ‘eu vou entrar e vou resolver’, ainda mais em Roland Garros. Por isso se torna tão poético esse confronto que poderia ter acontecido entre nós dois”.

Numa conversa com jornalistas (por videoconferência) a partir da sua casa em Florianópolis, organizada por ocasião do 20.º aniversário do ‘tricampeonato’ do brasileiro no torneio parisiense, Guga conta que, hoje, consegue “entender melhor a importância que era estar em Roland Garros, como contribuía para as pessoas se sentirem realizadas” no seu país.

“Com certeza, esse [2001] foi o ano de maior impacto. E a tendência era crescente, mas os resultados não acompanharam. O ténis era muito mais simples. Eu chegava na final e ganhava. Comecei a descobrir uns detalhes para usar no ‘court’, que conseguia até fazer chover. Se não tivesse tido o problema da anca, onde podíamos ter parado?”, questiona.

Kuerten acredita que “jogava um ténis de vanguarda para a época, diferente de todos os espanhóis, que eram mais físicos”, e confessa que sabia que “só tinha de esperar” pelo seu momento, pois “tinha samba para dar e vender”.

“[Foi] A minha consagração como tenista, que veio desde o número um do ano anterior, e ela transborda para todas as áreas, em tudo o que aparecia à frente. Comecei a ganhar no piso rápido, na terra. Esse foi o melhor ano em que joguei ténis, apesar de ter sido número dois [no final da época]. Infelizmente, a partir de outubro já comecei a ressentir-me da lesão, se não poderia chegar muito mais longe”, recorda.

Antes da lesão na anca – e das três operações fracassadas -, que ‘amputou’ precocemente a sua carreira e que, ainda hoje, o impede de jogar, por doer “horrores”, o ténis do único tenista sul-americano a terminar a época na liderança da hierarquia mundial “estava só brotando”.

“Dá para dizer que cinco títulos de Roland Garros seria normal [ganhar]. Mais cinco anos como grande favorito, com certeza. Dois títulos tinham de vir, talvez um pouco mais”, prognostica, lembrando que, no ano do ‘tri’, chegou a Paris com a convicção de que “tudo dava certo”, um estado “permanente, ao ponto de assustar os adversários, que já entravam no ‘court’ só para competir e não para ganhar”.

No aperfeiçoamento da sua carreira como jogador, o antigo número um mundial, estatuto que ostentou durante 43 semanas, “jogava de olhos fechados, batendo tudo para tudo quanto era lado”, até encontrar o inesperado Michael Russell nos oitavos de final e ficar a apenas um ponto de ser eliminado.

“Eu tinha desacreditado naquele jogo. Vem o Russel e me joga contra a parede, e eu a pensar ‘não dá’. Ele pegava tudo, era impressionante”, lembra, responsabilizando a ‘torcida’ pela reviravolta naquele encontro.

Naquele dia, naquele encontro, Guga converteu-se no ‘rei dos corações’ do ‘major’ parisiense – ainda hoje o é -, muito por culpa do coração que desenhou no pó de tijolo, uma ideia que surgiu no momento seguinte a cumprimentar o norte-americano junto à rede, e que perdura como uma das imagens mais icónicas da história de Roland Garros.

Também por isso, o brasileiro, de 44 anos, elege o seu terceiro troféu em Paris como o mais marcante dos três, por ser “o último grande momento” da sua carreira, terminada em 25 de maio de 2008, precisamente no ‘court’ Philippe Chatrier.

“A minha missão dentro do ‘court’ transbordou as linhas. Todos se emocionavam imensamente com aquilo que fazia. Na final, eu pude fazer o coração para resgatar essa emoção. Ali foi o encaixe perfeito do sentimento com a performance”, conclui.