No último domingo, o espanhol Rafael Nadal tornou-se o primeiro tenista masculino a vencer 21 torneios do Grand Slam, ao derrotar o russo Daniil Medvedev, num encontro em que esteve a perder por dois 'sets' a zero.

Vencedor em Melbourne em 2009, Nadal, quinto do ranking mundial, somou o seu segundo título na Austrália, ao vencer Medvedev, número dois da hierarquia, por 2-6, 6-7 (5-7), 6-4, 6-4, 7-5, em cinco horas e 24 minutos.

Com este triunfo na sua 29.ª final do Grand Slam, Nadal, de 35 anos, somou o seu 21.º 'major', superando o suíço Roger Federer e o sérvio Novak Djokovic, ambos com 20.

A vitória de Nadal torna-se ainda mais impressionante quando nos lembramos que o espanhol terminou precocemente a última temporada, em agosto, com uma lesão no pé direito e em dezembro contraiu o coronavírus, ficando seis meses sem competir.

Regressou com um triunfo no ATP 250 de Melbourne, uma semana antes do primeiro 'major' da época, e agora bateu o número dois do mundo.

Depois de assinar 69 'winners' e 68 erros não forçados, face aos 76 pontos ganhantes de Medvedev, entre os quais 23 ases, e 52 pontos não provocados, o antigo número um mundial lembrou, contudo, o quanto teve de lutar para voltar a Melbourne Park a um nível competitivo.

"Não imaginam o quanto lutei para estar aqui. Há umas semanas acreditei que este seria o meu último Open da Austrália, mas agora sinto-me com mais energia para continuar mais uns tempos", confessou, depois de ultrapassar os 20 triunfos no Grand Slam do suíço Roger Federer e do sérvio Novak Djokovic, número um mundial.

Já no regresso à sua Maiorca natal, o recém-coroado campeão do Open da Austrália concedeu uma conferência de imprensa, na qual assumiu que "adoraria" permanecer na história como o recordista solitário de títulos do Grand Slam.

"Se gostaria de ser aquele que tem mais títulos do Grand Slam de nós os três? Porque, sim, sejamos claros, a 'corrida' é entre nós… Sim, adoraria que isso acontecesse”, confessou Rafa, referindo-se aos seus grandes rivais.

Nadal aproveitou para reiterar que não está obcecado com o facto de ficar na história como o recordista de títulos do Grand Slam. "Estou obcecado com isso? Ficaria desapontado se não o conseguir? Não, de todo", reforçou, admitindo não acreditar que 21 títulos sejam suficientes para permanecer como recordista.

"Foi uma experiência inesquecível, pude saborear novamente o desporto ao mais alto nível, o que era algo difícil de imaginar há umas semanas. Foi muito especial jogar novamente ao nível dos melhores, foi fulcral para mim e para perspetivar o meu futuro", considerou.

"Ainda há pouco tempo, teria assinado por baixo simplesmente para poder jogar ténis, mesmo sem ganhar o que quer que fosse, e hoje tenho 21 títulos", notou.

Os 21 Grand Slam conquistados por Rafael Nadal
Os 21 Grand Slam conquistados por Rafael Nadal Os 21 Grand Slam conquistados por Rafael Nadal créditos: AFP or licensors

Definindo-se como um "sortudo na vida", Nadal assumiu que a sua ambição nunca foi desmedida. "É sã. Aquilo que me motiva, é fazer o que faço. Adoro treinar, participar nos torneios e satisfaz-me fazer o que faço. Sei que há uma ‘data de validade’ e que tudo isto não durará para sempre, mas enquanto puder continuar a desfrutar [do ténis], vou fazê-lo", completou.

O "prazer" de, aos 35 anos, defrontar "os melhores jogadores do mundo, nos melhores 'courts' do mundo", é aquilo que ainda o move, acrescentou ainda.

Ainda com a vitória de Nadal fresca na memória, o SAPO Desporto passa em revista a vida do tenista espanhol.

A lesão que quase o empurrou para a reforma

Para chegar ao Open da Austrália, Rafael Nadal esteve numa autêntica luta contra o tempo. Em agosto, o espanhol revelou que tinha dado como terminada a temporada 2021, por "sofrer muito mais do que deveria", face a uma lesão num pé, que o impediria de participar no US Open, quarto e último ‘Grand Slam’ da temporada.

"Olá a todos. Quero informar que infelizmente terei de encerrar a temporada de 2021. Honestamente, há um ano ando a sofrer muito mais do que deveria com o meu pé e preciso de um tempo. Depois de ter discutido com a equipa e família, esta decisão foi tomada e creio que é o caminho a seguir para tentar recuperar bem", começou por dizer na rede social Instagram.

Na mesma publicação, o jogador maiorquino, de 35 anos, confessou que o ano 2021 não foi fácil para si, depois de falhar o torneio de Wimbledon e os Jogos Olímpicos Tóquio2020.

"É um ano que perdi coisas que são muito importantes para mim, como Wimbledon, como os Jogos Olímpicos, como o Open dos Estados Unidos e outros tantos eventos que também são importantes para mim, visto que no último ano não tive a capacidade de treinar, preparar-me e competir da forma que gosto muito, porque no final chego à conclusão que o que preciso é de tempo para recuperar", justificou.

A fratura de esforço que contraiu acompanha-o desde então, mas Nadal lembra que, ainda assim, "não o impediu de desenvolver a sua carreira desportiva ao longo de vários anos", apesar de na altura ter sido aconselhado a abandonar o desporto.

"Estou com o maior entusiasmo e predisposição para fazer o que for preciso para recuperar a melhor forma possível, para continuar a competir pelas coisas que realmente me motivam e pelas que tenho feito ao longo de todos estes anos. Estou convencido de que com a recuperação do pé e obviamente um esforço diário muito importante, posso conseguir. Vou trabalhar o máximo que puder para que isso aconteça", concluiu.

E a verdade é que conseguiu mesmo. Nadal utilizou o tempo extra para recuperar a forma física e, no final de outubro, voltou aos treinos em Maiorca.

Depois disso voltou ao ativo num torneio de exibição em Abu Dhabi numa tentativa de voltar à forma. Aí perdeu com Andy Murray e Denis Shapovalov, mas concluiu que estava pronto para regressar.

No entanto, o espanhol acabaria por sofrer outro golpe. No regresso dos Emirados Árabes Unidos, Nadal revelou que testou positivo à COVID-19.

"Queria anunciar que no meu regresso a casa, depois de disputar o torneio de Abu Dhabi, tive um resultado positivo à covid-19 no teste PCR que efetuei na chegada a Espanha", escreveu nas redes sociais a 20 de dezembro.

"Estou a passar por momentos desagradáveis, mas espero melhorar pouco a pouco. Estou isolado em casa e já informei do resultado as pessoas que estiveram em contacto comigo", acrescentou, na altura.

A participação de Nadal no Open da Austrália parecia cada vez mais improvável, mas o certo é que o espanhol chegou a Melbourne a 31 de dezembro.

Ali participou no ATP 250 de Melbourne para recuperar o ritmo e os sinais não poderiam ter sido melhores: Como primeiro cabeça de série, Nadal conquistou o torneio australiano ao bater na final o norte-americano Maxime Cressy.

Mesmo assim, ainda não era certo que Nadal estivesse a 100% e o próprio acabou por admitir que a lesão o afetou a todos os níveis.

"Passei por muitos momentos desafiadores, muitos dias de trabalho duro sem ver uma luz. Tive muitas conversas com a minha equipa e com a minha família sobre o que poderia acontecer se as coisas continuassem daquela forma. Cheguei a pensar que talvez estivesse na altura de dizer adeus", explicou.

O certo é que não o fez, algo que o mundo do ténis agradece.

O início de uma bela história

Nascido a 3 de junho de 1986, em Manacor, cidade da ilha de Maiorca, nas Baleares, e filho de um empresário, dono de vários negócios na ilha, Rafael Nadal deu os primeiros passos para uma carreira promissora no ténis com apenas três anos.

Guiado pelo tio Toni Nadal, que se tornaria o seu treinador, o jovem espanhol começou a mostrar o seu talento bem cedo e, aos cinco anos já treinava duas vezes por semana.

Aos oito anos, já vencia torneios frente a crianças até 12 anos, e pouco depois começou a colecionar títulos tanto espanhóis como internacionais.

A família rapidamente percebeu que Rafa tinha um futuro risonho pela frente no mundo ténis e, quando Nadal tinha 14 anos, mudou-se para Barcelona.

Em 2001, o espanhol tornou-se um tenista profissional de ténis e, dois anos depois, com 16 anos, já estava no top 100 do ranking mundial. Na mesma temporada, pouco depois de celebrar o 17º aniversário, saltou para os 50 melhores do mundo.

Em março de 2004, há quase 18 anos, Rafael Nadal enfrentou pela primeira vez aquele que seria o seu maior rival no mundo do ténis, o suíço Roger Federer.

O frente a frente aconteceu na terceira ronda do Masters de Miami. De um lado estava o suíço, na altura com 22 anos, e número 1 do ranking ATP. Do outro lado estava o jovem espanhol com 17 anos. Em 70 minutos, Nadal bateu Federer, por 6-3, no primeiro de muitos duelos.

Alguns meses depois, em agosto do mesmo ano, chegou o primeiro título no circuito internacional. Em Sopot, na Polónia, Rafa bateu José Acasuso na final, em dois sets, com apenas 18 anos.

O primeiro de muitos

Depois da vitória na Polónia, Nadal arrancou para um ano em cheio. Em 2005, o espanhol conquistou onze títulos, incluindo os Masters 1000 de Madrid, Montreal, Roma e Monte Carlo.

Mas o grande destaque daquele ano seria a vitória de Roland Garros. No dia do seu 19º aniversário, Nadal reencontrou Federer. Na meia final do Grand Slam francês, o jovem espanhol bateu o suíço e avançou para a derradeira partida, onde acabaria por superar o argentino Mariano Puerta.

O primeiro Grand Slam de Nadal em Roland Garros
O primeiro Grand Slam de Nadal em Roland Garros O primeiro Grand Slam de Nadal em Roland Garros créditos: 2005 AFP

A partir daí foi sempre a subir. Neste momento, Rafael Nadal detém 90 títulos e não parece querer ficar por aqui. Os únicos tenistas com mais títulos que Nadal são Ivan Lendl, com 94, Roger Federer, com 103, e Jimmy Connors, com 109.

No seu vasto palmarés, Nadal conta com 21 torneios do Grand Slam: 13 em Roland Garros (2005, 2006, 2007, 2008, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2017, 2018, 2019 e 2020); dois em Wimbledon (2008 e 2010), quatro no US Open (2010, 2013, 2017 e 2019) e dois no Open da Austrália (2009 e 2022).

As 13 conquistas em Roland Garros fazem de Nadal o maior vencedor de um único torneio de Grand Slam, deixando para trás os nove títulos de Novak Djokovic no Open da Austrália e os oitos de Roger Federer em Wimbledon.

Além disso, Nadal é ainda o tenista mais novo a vencer os quatro Grand Slam, proeza alcançada em 2010, aos 24 anos, quando venceu Novak Djokovic na final do US Open. Sendo que, quando venceu o torneio norte-americano, Nadal já contava com quatro títulos em Roland Garros, um em Wimbledon e outro no Open da Austrália.

Vencer os quatro Grand Slams não é para todos, e além de Nadal, só o conseguiram outros sete tenistas: Andre Agassi, Rod Laver, Roger Federer, Roy Emerson, Don Budge, Fred Perry e Novak Djokovic.

Mas os recordes do espanhol não ficam por aqui. Ao vencer em Melbourne, Nadal tornou-se ainda o primeiro tenista a vencer pelo menos um Grand Slam por ano em 15 anos diferentes - entre 2005 e 2014, entre 2017 e 2020, e agora em 2022.

A estes títulos, Nadal junta ainda a conquista da Taça Davis com a equipa espanhola em cinco ocasiões (2004, 2008, 2009, 2011 e 2019), bem como a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008, no torneio individual, e no Rio de Janeiro em 2018, em pares.

Outros recordes

A vida de Nadal é pautada pelos mais diversos recordes. Além de ser o tenista com mais títulos do Grand Slam e de ter sido o mais jovem a conquistar os quatro, o espanhol é ainda considerado o rei da terra batida.

Neste piso, Nadal detém mais três  recordes: o maior número de vitórias seguidas – conseguiu 81 vitórias consecutivas entre 2005 e 2007 –, o maior número de títulos (58), e é ainda o único tenista a conquistar os principais torneios em terra batida no mesmo ano – em 2010 venceu os Masters de Mónaco, Roma, Madrid e Roland Garros, que juntos formam o Grand Slam deste piso.

Além da terra batida, Roland Garros é o grande palco das conquistas de Nadal. No Grand Slam francês, o espanhol conseguiu ser campeão em quatro anos sem perder nenhum set (2008, 2010, 2017 e 2020). Superando assim o sueco Bjorn Borg, que o conseguiu em três ocasiões.

Por fim, mas não menos importante, Nadal detém o recorde do tenista que mais tempo esteve no top 10 do ranking mundial. Desde 2005 até agora, o espanhol nunca ficou abaixo desse lugar, já lá vão 17 anos. Para trás deixou Jimmy Connor, que levou 16 anos no top 10.

Apesar de tudo isto, ainda há recordes que não são detidos por Nadal, mas sim por Federer e Djokovic. Como é o caso do maior número de finais disputadas – o suíço e o sérvio somam 31, conta 30 do espanhol.

Assim como o recorde de mais semanas consecutivas na liderança do ranking ATP, onde Djokovic é líder (357), seguido de Federer (310) e de Pete Sampras (286). Nadal conseguiu tal feito em 209 semanas, o que o deixa fora do top 5.

Um olhar técnico sobre Nadal

Miguel Seabra é jornalista de ténis desde 1990 e comentador da Eurosport desde 2003. O analista concedeu uma entrevista ao SAPO Desporto na qual falou sobre o tipo de tenista que Nadal é.

"O que diferencia o Nadal, primeiro que tudo, é o físico. É um pouco genético porque o tio dele chegou a ser capitão do Barcelona, chegou a defesa central na seleção espanhola, portanto fisicamente o Nadal é muito forte. Desde cedo foi acompanhado por um tio incrivelmente exigente e que trabalhou muito bem a cabeça dele. Quem ler o livro de Rafael Nadal vai constatar que aquilo era bullying completo, porque ele sabia que assim podia puxar o sobrinho ao limite", começou por explicar.

"Ele dizia ao Nadal que tinha ganho cinco voltas a França, ele acreditava e idolatrava o tio. Ou seja, a metodologia do tio é: não há desculpas, tens de resolver os problemas no court. Quando olhamos para o Nadal vemos garra, força e emoção, mas na parte da cabeça ele é um computador. Eu lembro-me do Carlos Costa, que é o agente dele, me dizer em 2006 que o que mais o surpreendia era isso. Estes anos todos comprovaram o que o Carlos Costa tinha razão", acrescenta.

Miguel Seabra justifica essa opinião ao considerar que Nadal "arranja solução para todos os problemas e está constantemente à procura de melhorar, analisa muito bem as situações de jogo, está sempre com uma atitude positiva e isso viu-se nesta final. Esta final exemplificou tudo o que Nadal tem para dar no plano físico, mental e estratégico, até com a gestão de emoções e de esforço."

"Ele não era um dos favoritos ao triunfo, e teve encontros fisicamente muito duros nos quartos e nas meias finais. Quebrou muito depois de dois sets e na final perdeu os dois primeiros sets mas foi desgastando tanto o adversário que o puxou para baixo no plano físico e a partir daí comandou a final. A parte mental do Nadal é incrível. Não sofre por antecipação, não tem dúvidas, é incrivelmente pragmático na maneira de encarar a vida e a carreira desportiva", salienta ainda.

Além disso, o comentador considera que "esta vitória veio energizar a carreira de Nadal". "Estas vitórias, ainda por cima ao acontecerem de uma maneira épica e inverosímil, dão muita confiança e redobram toda a paixão que ele tem pelo ténis e toda aquela disciplina que caracteriza um desportista de alta competição."

"As pessoas falam em talento para jogar ténis, mas, para mim, um dos maiores talentos é a disciplina. É acordar às seis ou às sete horas da manhã para ir treinar, para ir para o ginásio, para comer regradamente. Por isso é que esta vitória é incrível. Ele é uma pessoal incrivelmente prática, vê-se muito a emoção e garra que ele transmite no court. Além disso é humilde e relativiza as coisas", destaca.

No entanto, Miguel Seabra lembra que o número de vitórias em torneios de Grand Slam não é suficiente para fazer o melhor jogador de todos os tempos. "Desde há algum tempo para cá fala-se muito do recorde de títulos do Grand Slam, mas convém relativizar um pouco. Hoje em dia o padrão pelo qual se determina o melhor tenista de todos os tempos é o número de títulos do Grand Slam. O anterior recordista era Pete Sampras, com 14 títulos."

"Em 2002, quando ele chegou ao 14º nos Estados Unidos, pensou-se que esse recorde nunca mais seria batido. Com o aumento do nível médio do ténis mundial, com cada vez mais e melhores jogadores, pensava-se que seria muito difícil que um jogador atingisse aquele número. Mas, logo na geração seguinte, surge Roger Federer, depois Rafael Nadal e ainda Novak Djokovic.", acrescenta.

O analista admite que cresceu "numa era em que não se dava tanta importância aos títulos do Grand Slam. Porque algumas circunstâncias anteriores impediram os melhores jogadores do mundo de jogar esses torneios. Os torneios do Grand Slam pertenciam à Federação Internacional de Ténis e, nos tempos do amadorismo, havia jogadores que passavam a profissionais e quando isso acontecia não podiam jogar os torneios do Grand Slam. Ou seja, Rod Laver em 1962 ganhou os quatro torneios no mesmo ano, a seguir passou a profissional e durante o auge da carreira dele, durante cinco ou seis anos, não participou em 24 torneios do Grand Slam. E acabou com 11", explica.

"A Era Open começou em 1968, ele pôde voltar a competir, mas já estava um pouco mais velho. Mesmo assim, em 1969 ganhou tudo. Ou seja, se ele acabou carreira com 11, se pensarmos naqueles seis anos em que podia ter jogado, podia ter acabado com muito mais. Comparar eras é difícil. Porque estamos a falar do melhor jogador de todos os tempos com 21 títulos, mas há jogadores no passado que não puderam adicionar títulos", justifica.

Depois desta vitória, já se olha para os próximos triunfos de Nadal. Miguel Seabra considera que o tenista espanhol ainda tem muito para dar, mas recorda que tudo pode acontecer.

"Ao longo de vários anos eu já vi jogadores como o Mats Wilander, que em 1988, com 24 anos, ganhou três títulos do Grand Slam, mas depois fechou a torneira. Até o John McEnroe deixou de ganhar títulos do Grand Slam quando se esperava que continuasse a ganhar. Isso pode acontecer com alguns destes jogadores", explica.

"O Nadal ganhou o 21, mas qualquer coisa na cabeça dele pode ter desligado. Se calhar se o Federer não tivesse o Nadal e Djokovic, chegava aos 20 torneios, e se calhar reformava-se. Mas não, esta dinâmica entre os três faz com que eles estejam sempre alerta e tenham motivação para continuar. Portanto acho que o Nadal ainda tem mais para dar, o Djokovic também, o próprio Federer também vai querer fazer o seu brilharete, mas é preciso que consiga regressar com condições para isso."

Os rivais

No mundo do ténis, Rafael Nadal tem dois grandes rivais: o suíço Roger Federer, de 40 anos, e o sérvio Novak Djokovic, de 34 anos. E nenhum dos dois ficou indiferente ao mais recente feito do espanhol.

Federer deu os parabéns ao amigo e "grande rival" nas redes sociais. "Para o meu amigo e grande rival Rafael Nadal, os meus sentidos parabéns por se ter tornado o primeiro homem a vencer 21 títulos individuais em torneios do Grand Slam", lê-se na publicação.

Federer, a recuperar de uma operação ao joelho, lembrou que "há poucos meses" brincava com Nadal por os dois estarem a usar muletas.

"Incrível. Nunca subestimem um grande campeão. A tua incrível ética de trabalho, dedicação e espírito de luta são uma inspiração para mim e para inúmeros outros à volta do mundo", escreveu.

Federer, que, tal como o sérvio Novak Djokovic, tem 20 títulos em 'majors', disse estar orgulhoso de ter partilhado esta era com Nadal.

"Honrado de ter tido um papel em levar-te a querer conquistar mais, assim como fizeste comigo nos últimos 18 anos. Tenho a certeza de que terás mais conquistas no futuro, mas agora saboreia esta", disse Federer.

Também Djokovic, líder do ranking mundial - e que foi impedido de participar no primeiro 'major' da temporada, depois de ter sido deportado, devido a irregularidades no seu visto, relacionadas com a covid-19 - salientou "o excecional ténis" jogado no Open da Austrália.

"Parabéns ao Rafael Nadal pelo 21.º Grand Slam. Fantástica conquista. Sempre com um impressionante espírito de luta, que prevaleceu mais uma vez", escreveu Djokovic, numa publicação na rede social Instagram.

Miguel Seabra também analisou a rivalidade dos big three do ténis e considerou que "são todos jogadores extraordinários que adoram desporto e adoram o ténis. Essa paixão permitiu-lhes ter carreiras longas, ao passo que outros jogadores no passado, que também eram extraordinários, chegaram a uma certa idade e perderam a motivação e o encanto pelo ténis. Começaram a procurar novas perspetivas na vida. Mas estes três adoram mesmo ténis."

"Além disso, cada um deles motivou os outros. Os três são responsáveis por se terem elevado a um nível estratosférico. Houve ainda o caso do Andy Murray, até porque se chegou a falar em big four, mas ele acabou por ir um bocado abaixo. Tem também um currículo extraordinário, mas começou a ter lesões e foi desaparecendo de cena", lamenta.

"Já desde o tempo de Pete Sampras que se começou a ligar o número de Grand Slams ao melhor jogador de todos os tempos. Mas eu já comentei que seria engraçado terminarem todos com 20 títulos do Grand Slam, porque com estes craques vem também uma tribalização ridícula. Como aficionados que viam os jogadores como clubes, como se fossem o Sporting e o Benfica", considera.

O analista lembra que os três tenista motivaram "guerras nas redes sociais, mas eles próprios não gostam dessas guerras. Até porque, quando chegou o Djokovic, os federistas juntaram-se aos nadalianos e Djokovic ficou como o mau da fita. Chegou-se a uma altura que se pensou que Djokovic iria ultrapassar os outros, porque é um bocadinho mais novo e porque, nos últimos anos, tem dominado o ténis mundial."

"Se todos tivesses os mesmos títulos de Grand Slam, haveria outros parâmetros como o número de semanas na liderança do ranking mundial que colocavam o Djokovic no topo. Mas depois aconteceu este episódio rocambolesco na Austrália, que o impediu de jogar o Grand Slam onde mais títulos ganhou, e o Rafael Nadal, a correr por fora, chegou lá e ganhou", destaca.

"Começou a estabelecer-se um paralelo entre o Nadal e o Federer, que em 2017 também esteve sem jogar para aí uns cinco meses por causa de um problema no joelho, chegou à Austrália e contra todas as expetativas ganhou o torneio. Foi um torneio muito importante e o Djokovic seria o favorito se jogasse. Mas não nos podemos esquecer que o Nadal também falhou vários torneios devido a lesões, e aí Djokovic não teve a sua concorrência", afirmou.

"É muito interessante esta luta para ser o melhor de todos os tempos, mas eu consideraria justiça poética que os três terminassem com os mesmos títulos. Acho que é um milagre que Federer consiga ganhar outro, mas Nadal ainda pode ganhar alguns, como acabou de provar, e Djokovic é sempre candidato a ganhar mais."

Um herói em Maiorca

A legião de fãs de Nadal estende-se por todo o mundo, mas é em casa que o espanhol é visto como um autêntico herói. Prova disso é o facto de a população da ilha de Palma de Maiorca se ter mobilizado para dar ao aeroporto o nome do tenista Rafael Nadal, cujo rosto deseja ver cunhado numa moeda de um euro.

Depois do triunfo no Open da Austrália, diversos setores da sociedade de Palma de Maiorca têm-se mobilizado para distintas homenagens ao atleta da ilha.

Destaca-se o lançamento no portal Change.org de uma petição para que a porta de entrada na região se passe a designar de Aeroporto Internacional Rafael Nadal, iniciativa que estava já com perto de 1.500 assinaturas, bem como uma outra, já com mais de 10.000 aderentes, para que seja cunhada uma moeda de um euro com o seu rosto.

Na euforia das redes sociais surgiram até twits com a sugestão de que Manacor, a sua terra natal, se passe a chamar 'Nadalcor'. "Não haverá ninguém como Nadal: colocou Manacor no mapa. Há 20 anos que o conheço e ao seu treinador Carlos Moyá. É o maior", elogia o médico desportivo alemão Thomas Kunka, que vive em Maiorca há 35 anos.

O germânico falava na academia de Rafael Nadal, um espaço que emprega centenas de concidadãos, e que reforça a associação do nome do tenista ao sucesso que também beneficia Manacor, município com cerca de 50.000 habitantes.

Em novembro, Nadal foi nomeado filho predileto de Sant Llorenç des Cardessar, um município vizinho devastado por uma enchente que matou 13 pessoas em outubro de 2018.

Na altura, o espírito solidário de Nadal não se resumiu à ajuda, presencial, nas tarefas de auxílio, pois ainda doou um milhão de euros à pequena povoação, com menos de 10.000 habitantes.