A 26 de junho de 2013, Michelle Larcher Brito derrotava Maria Sharapova em Wimbledon. Com a menina-prodígio a deixar a modalidade aos 25 anos, Portugal viu-se arredado durante vários anos de presenças em torneios WTA até ao regresso a estes palcos, em Oeiras, com as irmãs Francisca e Matilde Jorge, que fizeram história ao vencer o primeiro WTA em pares para as cores lusas.
Matilde, de 20 anos, começou por assegurar a melhor vitória do ténis feminino português dos últimos sete anos, em singulares, já que foi a primeira, depois de Michelle Brito (em fevereiro de 2017), a derrotar uma tenista do top-100. As duas irmãs também deixaram marca em singulares, ao assegurarem pela primeira vez a presença nuns quartos de final de um torneio WTA 125.
A conversa com o clã aconteceu após a manutenção da seleção feminina no grupo I da Billie Jean King Cup e durante o arranque do WTA 125 em Oeiras. Poderemos falar em ressurgimento do ténis feminino em Portugal? Para já os passos têm sido sólidos. Francisca ocupa o lugar 190 do ranking, e Matilde prepara-se para subir - face à participação em Oeiras - pela primeira vez ao top-500. As duas irmãs são as número 1 e número 2 nacionais e quererão confirmar nos próximos tempos o estatuto de referências numa das modalidades mais mediáticas em todo o mundo.
Na Billie Jean King Cup, e jogar 'em casa', no Jamor, as duas tenistas ajudaram a seleção lusa a carimbar a manutenção no grupo 1 da zona Europa / África, um ano apenas depois da subida. A heptacampeã nacional Francisca Jorge deu o mote com o triunfo frente a Gergana Topalova, por duplo 6-4.
A formação capitaneada por Neuza Silva acabou por dar a volta à eliminatória frente à Bulgária, com Francisca e Matilde Jorge a levaram a melhor frente a Karatancheva e Isabella Shinikova. Portugal manteve-se assim no grupo I, após subir de divisão duas vezes de forma consecutiva, motivo de orgulho para o ténis feminino português.
"Esta manutenção foi bastante importante porque temos uma equipa bastante jovem e acho que é bom dar esta confiança para que elas também possam crescer num ambiente de competitividade. O grupo 1 é o melhor grupo abaixo do Mundial, onde estão as melhores seleções que têm todas jogadoras top-100 e foi muito importante. Esta manutenção demonstrou que temos nível para estar aqui", começou por salientar Francisca Jorge.
O complexo de ténis do Jamor recebeu a competição que contou com 12 seleções presentes e foram vários os nomes grandes do ténis que se deslocaram a Portugal para participar na competição. Casos de Caroline Wozniacki, da grega Maria Sakkari, atual número seis mundial, e ainda da letã Jelena Ostapenko, atualmente no 10.º posto do ranking. O facto de se baterem com jogadoras mais credenciadas não atemorizou o contingente português.
Francisca Jorge, Matilde Jorge, Angelina Voloshchuk, Ana Filipa Santos e Maria Garcia foram as jogadores convocadas pela capitã Neuza Silva para a Billie Jean King Cup. Aos 16 anos, Voloshchuk que se encontra no lugar 760.º do ranking WTA (número três nacional) foi a mais nova das cinco jogadoras convocadas e é uma das esperanças do ténis português.
"Nós somos daquela raça que não queremos perder nem a feijões"
"Nós somos daquela raça que não queremos perder nem a feijões. Quando passamos para estas competições acho que a união e o empenho que metemos enquanto cada uma está a jogar e a fazer o seu papel é muito importante. A Angelina [Voloshchuk] bateu-se de igual para igual como uma jogadora que era quase top-100, e só não ganhou porque não calhou. Mas no ténis é assim, quem não mata, morre, e foi um bocadinho isso que aconteceu. Esse espírito de equipa foi o que nos motivou", destacou a campeã nacional.
Aos 23 anos, e sendo uma das mais experientes da equipa, Francisca Jorge teve que puxar dos galões para confirmar a manutenção. Assumir a responsabilidade é algo que não lhe pesa nos ombros.
"Já sentia pressão para entrar em competição por ser a número 1 nacional, a que joga sempre o primeiro jogo em singulares, em teoria, a não ser que haja algum imprevisto. E eu própria já me coloco essa pressão de que tenho que ajudar a equipa no bom e no mau. No último dia tive que assumir um pouco, já que as coisas não estavam a correr muito bem [Portugal teve que dar a volta à eliminatória], e acabei por conseguir apresentar um bom nível de ténis", analisou.
Francisca e Matilde Jorge são duas das atletas residentes no Centro de Alto Rendimento do Jamor e o trabalho que está a ser feito há alguns anos pela Federação já está a dar frutos.
Há cinco jogadoras a trabalharem no Centro de Alto Rendimento no Jamor: Francisca e Matilde Jorge e as jovens Beatriz Castro, Carolina Correia e Gabriela Amorim
Graças ao organismo, as jogadoras contam com ajuda financeira, alojamento, alimentação, preparador físico, treinador e ainda ajudas nas deslocação ao estrangeiro para disputar torneios. "Foi algo muito positivo e que já se fazia no ténis masculino. O facto de nós as duas sermos as melhores e estarmos a representar o CAR mostra que é possível chegar mais longe. Há raparigas a jogar bom ténis, mas não têm dinheiro para investir, não jogam tanto e por isso perdem a vontade jogar. O ténis é um desporto bastante caro e essas ajudas são muito importantes", afiançou.
Kika trocou Guimarães pelo CAR em 2017, e a irmã Matilde trilhou o mesmo caminho em 2019. Mas apesar de elogiar o trabalho realizado, a mais velha das irmãs reconhece que o nível de praticantes, assim como a competitividade ainda é insuficiente para que se possam atingir outro tipo de resultados. O mesmo não se passa no caso dos homens. João Sousa desbravou o caminho, ao fazer história com a conquista dos primeiros torneios ATP para as cores nacionais. Agora há mais jogadores lusos a seguirem-lhe o exemplo como é o caso de Nuno Borges, o mais credenciado tenista português da atualidade, assim como as novas promessas: Henrique Rocha e Jaime Faria.
"Há raparigas a jogar bom ténis, mas não têm dinheiro para investir, não jogam tanto e por isso perdem a vontade jogar."
"Sinto que do lado dos rapazes há bastante competitividade até porque eles estão todos mais ou menos ao mesmo nível, tirando o Nuno [Borges] que está um pouco mais acima. Mas o Henrique Rocha e o Jaime Faria são bastante competitivos com o Nuno nos treinos. 'Querem saltar-lhe para cima' porque sabem que ele é o melhor, agarram-se a isso, e o nível vai subindo. Nas mulheres ainda falta um bocadinho isso. São seis 'miúdas' que estão a investir mais, mas ainda não são muitas raparigas a apostar", revela.
Aos 20 anos, Matilde Jorge já fez história ao assegurar os quartos de final do WTA 125 de Oeiras, garantindo desde já um lugar no top-400. A viagem no ténis começou cedo, com uma raquete na mão e uma bola, durante os primeiros torneios da irmã.
"Levava sempre uma raquete na mão e devo ter arranjado esse bichinho de alguma madeira. O meu treinador disse-me que eu tinha jeito, e para começar a competir. Fui evoluindo e agora aqui estamos", recorda.
Mais difícil é encarar a irmã como adversária num caminho que com o tempo vai-se tornando mais fácil. "Apesar de por vezes sermos adversárias somos irmãs e quero o melhor para ela. Tento ajudá-la como posso, mas depois às vezes quando compito também tenho que a ver como adversária o que às vezes não é fácil para mim. Com a experiência vai melhorando. No primeiro jogo ninguém estava preparada, mas agora já mais fácil", assegura.
Três anos mais velha, Francisca confessa que é estranho defrontar a irmã já que se apodera dela um duplo sentimento. "Eu quero ganhar, mas ao mesmo tempo não quero que ela perca. Temos uma relação muito boa, ela antes achava que eu era 'chata' porque era muito protetora', mas agora percebe melhor", relata.
A cidade berço continua a ser a casa para Francisca e Matilde, mas os objetivos falam mais alto e por isso a mudança para a capital não constituiu qualquer obstáculo. "Sempre fui uma rapariga independente, e quando vim para o CAR essa vontade de ter independência acabou por resultar num crescimento mais natural. Mas agora estarmos aqui as duas é um bónus. Apesar de não podermos ir tanto a casa, mas quando vamos aproveitamos ao máximo".
A organização da Billie Jean King Cup, o regresso dos torneios WTA a Portugal, com o Open de Oeiras, é um motivo de satisfação para as cores nacionais. Foi no Jamor que Francisca e Matilde se estrearam em torneios WTA, e com vitórias. A campeã nacional sabe o que são os grandes palcos, depois de ter integrado a qualificação para o primeiro Grand Slam da temporada, o Open da Austrália. É por isso uma voz acreditada para elogiar os torneios portugueses.
"Aqui no Jamor temos condições incríveis e a organização é excelente. Muitas vezes em conversas com outros tenistas confessam-me que preferem ir jogar torneios a Portugal independentemente da categoria, porque sabem que vão ser bem tratados. Aqui sentem-se em casa e é bom termos esse feedback", elogia.
Irmãs Jorge sonham alto
Já com uma experiência acumulada no Open da Austrália, Roland Garros é outro dos sonhos de 'Kika', ainda este ano. "Gostava de assegurar um lugar nas qualificações o mais rapidamente possível, mas o meu objetivo é tentar desfrutar do meu ténis e tenho que acreditar que posso chegar longe nestes torneios", refere.
Carregada de garra e ambição, Matilde somou a primeira vitória para Portugal em torneios WTA desde os tempos de Michelle Brito. Ainda assim, não quer ficar por aqui e sobe bem alto a fasquia. "Quero chegar a número 1 nacional e tornar-me na melhor jogadora de sempre do ténis português, passando pela minha irmã, se for necessário (risos). Preciso de subir no ranking para jogar melhores torneios e jogar Grand Slams", afirma.
Em Oeiras, Matilde Jorge fez história ao derrotar a número 88 do ranking mundial, a britânica Harriet Dart, num dos melhores resultados do ténis feminino português nos últimos anos. É assim, ao vivo e a cores, que se aprende e que se dá conta que os melhores jogadores também por vezes duvidam de si mesmos. "Eu falho, mas as melhores também falham, cometem erros, fazem duplas faltas em pontos importantes. Sinto que são humanas, simplesmente são mais consistentes", afiança, retendo esta frase importante das experiências recentes que bem poderá ser o mote de carreira: "Quem consegue ser constante é quem consegue estar no topo", sublinha.
Se o ténis, no masculino, nos últimos anos conheceu momentos de glória no nosso país, no feminino procura-se o regresso aos grandes resultados. Francisca reconhece "que já se sente uma referência" para algumas pessoas, mas considera que ainda tem espaço para progredir e abraçar novas conquistas. "É verdade que o ténis masculino em Portugal sempre teve mais referências, mas nós também tivemos as nossas. Sinto que ainda não estou no meu auge, mas se trabalhares bem, as coisas podem até não dar, mas vais aumentar a probabilidade para que as coisas te corram bem", afiança.
Vimaranenses de gema, Francisca e Matilde não esquecem o conterrâneo João Sousa. O melhor tenista português de sempre encostou definitivamente a raquete na última edição do Estoril Open, mas continua a ser a referência maior para as 'manas Jorge'.
"O João sempre foi a minha maior inspiração, para a Matilde também. Sinto-me triste, já estava a prever que [o final de carreira dele] pudesse acontecer. Fico com pena, e tem que se agradecer o que ele fez pelo ténis português. Tive a sorte de o conhecer pessoalmente e sempre foi impecável comigo. Sinto orgulho em poder dizer que sou da mesma cidade do que ele. Matilde também afina pelo mesmo diapasão. Fiquei triste, foi como a despedida do Roger [Federer]. Mas tenho a certeza que ainda irá ajudar e muito o ténis português", terminou.
*artigo atualizado com a informação sobre o triunfo de Francisca e Matilde Jorge em duplas no WTA 125 em Oeiras.
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