Nunca me vou esquecer daquela tarde. Nesse dia tinha ido visitar os meus avós. Domingo de junho, sol radiante em Lisboa. Na televisão, André Agassi defrontava o ucraniano Andrei Medvedev na final de Roland Garros. Já não era aquela versão do Agassi rebelde, de cabelo comprido com Mohawk, uma espécie de íman de holofotes quando foi casado com a atriz Brooke Shields.
Pode-se dizer que o norte-americano renasceu naquele verão de 1999. No final dos anos 90 chegou a ocupar a posição 140 do ranking mundial, isto depois de ter colecionado títulos em vários torneios do Grand Slam e, claro, ocupado a cadeira de sonho de qualquer tenista que sonha um dia ser o rei dos courts.
Aparentemente a forma que encontrou para lidar com o falhanço foi descobrir uma razão para regressar ao topo da modalidade. O desejo não passava simplesmente por ser número 1 do mundo, mas apenas ficar orgulhoso com o ténis que praticava.
Em Roland Garros em 1999, no único Grand Slam que lhe faltava conquistar, estava longe de ser um dos favoritos. A final, por alguma razão, ficou-me na memória como um dos melhores jogos de ténis que pude presenciar pela televisão. Agassi esteve a perder por dois sets a zero, mas conseguiu dar a volta ao encontro, vencendo pelos parciais de 1–6, 2–6, 6–4, 6–3, 6–4. Recordo-me de pontos eletrizantes, daqueles para quem se lembra de Agassi: sprints a salvar a bola em cima da linha, fabuloso nas trocas de bola, e magistral na forma como se defendia e respondia ao serviço.
À beira dos 30 anos, voltava a estar entre os melhores e viria a brilhar até ao encerramento de carreira. Este texto vai abordar a rivalidade épica entre Sampras e Agassi mas, invariavelmente, irei falar mais de Agassi. Porque naquela tarde o norte-americano tornou-se para sempre num ídolo.
O início de Agassi e Sampras
Durante os anos 90 pudemos presenciar uma das maiores rivalidades da história do ténis. André Agassi vs Pete Sampras. O mundo do ténis parava sempre que os dois mediam forças.
'The Kid', como mais tarde viria a ser chamado Agassi, nasceu em Las Vegas, Nevada. Filho de um antigo lutador de boxe do Irão, com origem arménia, e de uma norte-americana.
Com apenas 13 anos foi enviado para a Academia de Nick Bollettieri, na Flórida. Era para ficar apenas por três meses, pois o pai já não poderia suportar durante mais tempo a sua estadia. Contudo, Bollettieri, depois de ver Agassi jogar durante 30 minutos, ficou muito impressionado com o seu talento.
Bollettieri telefonou depois a 'Mike', o diminutivo pelo qual Emamanuel Agassi era tratado e disse-lhe: "Podes cancelar o cheque, ele vai estar aqui de graça".
O jovem prodígio deixava assim para trás os estudos para, com apenas 16 anos, abraçar a carreira de profissional. Cedo entusiasmou e foi acumulando fãs no court, pelo seu estilo, e pela forma rápida e despachada com que batia as bolas amarelas.
Mais tarde virou costas a Bollettieri, deixando para trás a namorada da adolescência. Em Wimbledon, Barbara Streisand chegou a deslocar-se de propósito a Londres para o ver jogar. Mas o romance nunca se confirmou.
Mais tarde, viria a casar-se com Brooke Shields, uma das meninas bonitas de Hollywood, o que colocou o seu nome na ribalta. Mas talvez a relação o tenha desfocado do mais importante. Com a vida sem rumo, a carreira ressentiu-se. Caiu para o lugar 141.º do ranking Mundial.
As drogas surgiram nessa fase, numa altura em que o declínio parecia inevitável e quando o casamento parecia estar por um fio. Uma lesão no pulso também não o ajudou desportivamente.
Mas, quando o cadafalso parecia inevitável, Agassi conseguiu dar a volta. Voltou ao topo e de lá não saiu mais até ao final da carreira. Mais tarde casou com a também super campeã de ténis, Steffi Graf, e conseguiu estabilizar-se.
Falar de Pete Sampras é falar de um ícone. A mãe de Sampras emigrou de Sparta da Grécia para os Estados Unidos, quando tinha apenas 19 anos de idade. O pai de Sampras nasceu nos Estados Unidos, era filho de pai grego e mãe polaca.
Com apenas três anos descobriu uma raquete no sótão e começou a passar horas a bater bolas contra uma parede. Em 1978, a família de Sampras mudou-se de Washington DC para a Califórnia. O clima mais ameno permitia que pudesse praticar durante quase todo o ano.
Com a inscrição no Jack Kramer Club, o talento de Sampras começou a dar nas vistas. Ainda adolescente, começou a ser treinado por Robert Lansdorp. Foi com ele que aprimorou a fabulosa direita que o iria acompanhar ao longo da carreira.
Com apenas 16 anos, em 1988, iniciou a carreira de tenista profissional. Logo ali, no ano de estreia, conseguiu alcançar a sua primeira meia-final, no torneio de Schenectady, em Nova Iorque.
O ano de 1990 foi memorável para o jovem natural de Washington DC. Naquele temporada venceu quatro títulos ATP, com destaque para a vitória no US Open, onde bateu alguns dos seus ídolos como Ivan Lendl, Jonh McEnroe, e André Agassi na final. Começava a assim a rivalidade história com o compatriota.
Início da rivalidade
Foi durante os anos 90 que se pôde assistir a uma das maiores rivalidades da história do ténis. André Agassi vs Pete Sampras. Sempre que jogavam, o mundo do ténis parava para os ver.
Ao longo da sua carreira, Sampras foi número 1 do mundo durante 286 semanas, ao passo que Agassi segurou o primeiro lugar no ranking durante 101 semanas.
Sampras e Agassi sempre foram dois jogadores de contrastes ao nível de estilo e temperamento. Agassi sempre mais explosivo, com vontade em colocar a bola rapidamente em court. Sampras era uma 'pedra de gelo' em court: racional, calculista, parcimonioso na forma com batia cada bola, mas com uma eficiência letal.
Os dois oponentes defrontaram-se em 34 ocasiões, de 1989 até 2002. No histórico de confrontos, Sampras levou a melhor com 20 vitórias contra 14 de Agassi.
Ao ver os jogos da altura, ficava a ideia que Agassi acusava um pouco a pressão de jogar contra o seu arquirrival. Agassi reconheceu mais tarde como a sua carreira poderia ter sido melhor, caso Sampras, que venceu 14 Grand Slam, não estivesse em competição na mesma altura que ele.
"Agassi: A minha carreira teria sido melhor sem o Pete Sampras, sem dúvida"
E isso é notório nas finais do Grand Slam em que se encontraram, e em que Sampras se superiorizou por 4-1. O primeiro embate em finais desse calibre teve lugar na final do US Open em 1990. Agassi era favorito, quarto cabeça de série, Pete era apenas 12.º.
Era o reencontro, um ano depois de Agassi ter 'esmagado' o oponente em terra batida em Roma. Sampras conseguiu levar a melhor na final, com um triunfo por 6-4, 6-3 e 6-2, vencendo aquele que seria o seu primeiro Grand Slam da carreira, dos 14 que haveria de levar para casa.
Quem diria...Isto um ano depois de Agassi ter gozado, em privado com a sua equipa, quando o viu treinar em Roma: "Terá sorte se conseguir qualificar-se para os torneios". O que é certo é que Sampras viria a ser sempre o maior obstáculo na carreira do 'The Kid'.
Anos mais tarde, Agassi haveria de se vingar ao derrotar o compatriota na final do Open da Austrália em 1995 pelos parciais de 4–6, 6–1, 7–6(8–6), 6–4. Foi o seu primeiro Open da Austrália, torneio que haveria de conquistar em mais três ocasiões em 2000, 2001 e 2003.
No mesmo ano, mas no verão, os dois tenistas mediram forças na final do US Open, vitória para Sampras em quatro sets. Agassi viria a reconhecer mais tarde que essa derrota acabou por ser um golpe profundo na sua auto-estima e que levou anos para recuperar. O desaire adensou os seus problemas psicológicos que deram origem à sua queda abrupta no ranking mundial.
Nas personalidades eram como água e azeite
Sempre foi a batalha do 'azeite e da 'água'. Dois tenistas diferentes, em estilo e personalidade. Sampras introvertido, reservado. Agassi, mais carismático, extrovertido.
Entre eles somam 124 títulos ATP e 22 títulos do Grand Slam. São, sem sombra de dúvidas, dois nomes incontornáveis da modalidade e a rivalidade que protagonizaram uma das maiores da história do ténis.
No seu jeito pachorrento dentro de court, mas tremendamente eficaz, Pete reconheceu que o adversário fazia com que elevasse o seu nível e jogasse o seu melhor ténis.
"Era um jogo com grandes condimentos. Diferente estilo de jogo, contrastes e todos os ingredientes de uma rivalidade. Era diferente quando jogava com ele. Tinha que elevar o nível para jogar contra ele", disse.
Agassi sobre Pete Sampras: "Tirou-me demasiados títulos e, por causa dele, estive bastantes noites sem dormir"
Já Agassi tinha a sensação que nem sempre o seu melhor ténis chegava para bater o seu rival: "Sentia que se jogasse o meu melhor ténis poderia vencer qualquer um. Mas mesmo que eu jogasse o melhor ténis contra o Pete isso não queria dizer que iria vencer. Tirou-me demasiados títulos e, por causa dele, estive bastantes noites sem dormir. Ainda assim, fico feliz por tê-lo tido presente ao longo da minha carreira."
Batalha de estilos
Pete Sampras era um prodigioso jogador e que foi abençoado com o talento para jogar ténis. Era muito completo, com destaque para seu magnífico serviço e para o vólei. Tenista de recorte fino, conseguia manter a calma em court, mesmo perante os encontros mais tensos.
Agassi destacava-se pelo seu poder de resposta, tanto de direita, como através da sua esquerda a duas mãos. Era uma presença carismática dentro de campo.
Sampras era mais forte nos pisos mais rápidos, e na relva, Agassi conseguia adaptar-se a todo o tipo de condições, fosse um terreno rápido, relva ou terra batida.
Pete tinha dificuldade em disputar partidas no pó de tijolo, e nunca conseguiu conquistar o torneio de Roland Garros, o único Grand Slam em que não triunfou. Talvez a única peça que ficou a faltar no puzzle da admirável carreira do norte-americano.
Agassi: "Quase que invejo a passividade do Pete. Gostaria de poder imitar a sua espetacular falta de inspiração, e o facto de não precisar de estar inspirado. Não podíamos ser mais diferentes. Pete e eu"
Relação nem sempre pacífica entre Agassi e Sampras
Sampras e Agassi sempre tiveram uma relação complexa dentro e fora de court, talvez porque as suas personalidades eram e são tão diferentes.
"Cheguei à conclusão que nunca conheci o Pete verdadeiramente. Éramos dois homens que víamos o mundo de forma diferente", referiu Agassi sobre Sampras na sua autobiografia.
Questionado sobre a relação entre ambos, Sampras disse: "É boa, competitivamente demo-nos sempre bem. Tivemos alguns momentos bons e menos bons", atirou.
Já depois de ambos os tenistas terem pendurado as raquetes, os dois protagonizaram um episódio menos simpático, no mínimo, num jogo de caráter solidário. Pete Samptas e André Agassi desentenderam-se numa partida em que faziam dupla com Roger Federer e Rafael Nadal, respetivamente.
Durante o jogo, Sampras decidiu brincar e imitar os gestos do colega em court. O compatriota não conseguiu evitar o sorriso amarelo, e atacou-o fazendo referência ao facto de Sampras ser alegadamente forreta e dar poucas gorjetas. Para piorar toda a situação, no momento em que servia, Pete disparou uma bola em direção a Agassi. O tenista conseguiu desviar-se no momento certo.
Anos mais tarde, em 2014, os dois voltaram a defrontar-se num jogo de exibição em Londres. Agassi venceu em dois sets: 6/3 e 7/6(1). "Eu trocaria essa vitória por outros jogos em que perdi para ele", referiu Agassi no final da partida.
Os números da rivalidade
Analisemos pois os números de dois dos maiores tenistas de todos os tempos. Ao nível dos Grand Slam, Sampras alcançou os 14 títulos, contra 8 conquistados por André Agassi. Os dois somaram mais de 74 milhões de euros em prémios.
O norte-americano nascido em Las Vegas conquistou o seu primeiro ATP, ao vencer no Brasil, o brasileiro Luiz Mattar, em 1987. Sampras só se estreou no circuito profissional em 1988.
1995 foi particularmente eletrizante na rivalidade, com os dois tenistas a defrontarem-se em cinco ocasiões. Sampras nesse ano venceu em Indian Wells e no US Open. Agassi sagrou-se campeão em Miami e no Canadá. Em 1999, Pete Sampras também se superiorizou na final do Wimbledon, vencendo em três sets (6/3, 6/4 e 7/5). O último embate dar-se-ia na final US Open em 2002.
Nos 34 embates entre os tenistas, 9 foram em torneios do Grand Slam, 16 deles ocorreram em finais de torneios. A vantagem essa é novamente de Sampras, com o tenista a vencer nove troféus.
A última dança
O fecho da carreira não poderia ter sido mais épico. Antes de Federer, de Nadal, e Djokovic, houve uma altura em que Pete Sampras dominou a seu belo prazer o ranking de Grand Slam conquistados.
Foi com chave de ouro que o tenista de Washington se retirou do circuito profissional, com uma vitória sobre o grande rival na final do US Open em 2002.
Nesse ano Sampras já não ocupava o trono do ranking mundial, era Lleyton Hewitt o número 1 do mundo. Há já algum tempo que o norte-americano estava afastado dos bons resultados. A época não estava a correr propriamente de feição. Tinha conseguido chegar às meias-finais em Indian Wells, mas caiu na segunda ronda de Wimbledon frente ao desconhecido Georg Bästl. A última derrota na carreira aconteceu precisamente na primeira ronda em Long Island, frente a Paul-Henri Mathieu.
No US Open, as expetativas não eram grandes, mas foi derrubando os adversários que lhe atravessavam ao caminho: Casos de Tommy Haas, Andy Roddick e o neerlandês Sjeng Schalken nas meias-finais.
No Arthur Ashe Court, cumpria-se o sonho da organização do torneio. Final épica que opunha os dois norte-americanos. Sampras impôs-se frente a Agassi em quatro sets. Despedia-se assim um dos gentleman dos courts frente a um dos tenistas mais controversos da história do ténis.
Agassi só se viria a despedir dos courts em 2006, num misto de lágrimas e dor, também no US Open. 'The Kid' fechava assim 20 anos de carreira repetindo o palco do colega, no Arthur Ashe Stadium Court. A derrota frente ao alemão Benjamin Becker precipitou o final de carreira do tenista de 36 anos, que nessa partida jogou condicionado devido à crónica lesão nas costas.
Era um fim de uma era, de dois génios que os amantes do ténis nunca irão esquecer.
História de bastidores
Há, invariavelmente, alguns episódios inusitados que marcam a carreira dos dois tenistas, mas foi Agassi que protagonizou os mais polémicos. Na sua autobiografia, Agassi revelou um segredo bem guardado: o ódio a certa altura à modalidade. Ele que acabou por inspirar várias gerações de tenistas à semelhança do seu compatriota.
Se Pete era visto como o filho perfeito, e um dos meninos bonitos do ténis, Agassi sempre foi o filho mal comportado e rebelde.
A história da peruca
Houve uma época em que Agassi se popularizou pelos seus longos cabelos compridos oxigenados, ao contrário do visual posterior, com o cabelo rapado, sem receio em assumir a calvície. Na sua autobiografia, o tenista confessou que num duelo em Roland Garros, em 1990, frente ao equatoriano Andres Gomez, acabou por perder a partida com receio que as extensões que utilizava para esconder a falta de cabelo lhe pudessem cair durante o jogo.
O uso de drogas e as desculpas
Antes de alcançar a estabilidade com a ex-tenista Steffi Graf, Agassi foi casado com a atriz Brooke Shields. Com a relação a ruir, foi nessa altura que Agassi experimentou metanfetamina. A droga acabou por ser detetada num teste antidoping da ATP. Para não correr o risco de ser suspenso, Agassi contou uma versão falsa dos acontecimentos e foi absolvido.
O legado
Olhando para a rivalidade entre Sampras e Agassi, é difícil medir o impacto que os dois tenistas tiveram no ténis. São dois ícones incontornáveis, enfrentaram-se em duelos inesquecíveis, e o seu legado vai certamente inspirar as próximas gerações.
Embora a última partida entre ambos tenho sido jogada há mais de 20 anos, o impacto destes dois dois ícones não irá ser esquecida e será eternamente recordada pelos fãs da modalidade.
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