Ibrahim Al Hussein perdeu parte da perna direita após uma explosão, na guerra da Síria, e em 2016 tornou-se o primeiro a competir em Jogos Paralímpicos numa equipa de refugiados, assumindo nadar em representação de 80 milhões de pessoas.

“Quando nado, penso sempre que estou a fazê-lo em representação dos 80 milhões de refugiados e deslocados que existem em todo o mundo”, conta Ibrahim, que tenta o apuramento para os Jogos Paralímpicos Tóquio2020, nos Europeus de natação adaptada, que decorrem até sábado no Funchal,

Entre esses 80 milhões, estarão 11 dos seus 14 irmãos, que também deixaram a Síria, durante a guerra. Em Deir ez-Zor, que foi um bastião do autodenominado Estado Islâmico, vivem os pais, que, faz questão de frisar à agência Lusa, “não têm uma vida nada fácil”.

Ainda sem certezas sobre a presença em Tóquio, Ibrahim Al Hussein, que também pratica basquetebol em cadeira de rodas, assume sentir “orgulho” no que tem conseguido, e espera que a participação de refugiados aumente nos Jogos Paris2024. Nos paralímpicos de Tóquio2020 deverão ser seis.

“Acho que alguns nem sabem bem que podem participar nesta grande competição”, afirma, explicando que muitos dos refugiados envolvidos na alta competição estão ligados “através das redes sociais”. É também através da internet que vai comunicando com a família que ficou na Síria.

Aos 33 anos, Al Hussein, que tem uma prótese na perna direita e várias placas de metal no nariz e na perna esquerda, garante que renasceu em 27 de fevereiro de 2014, o dia em que chegou a Samos, na Grécia.

Para trás ficaram dois anos que não gosta de lembrar. Depois do acidente, e “sem entender bem o que estava a acontecer”, foi, ainda numa cadeira de rodas, de barco para a Turquia, onde “deambulou” durante um ano e meio de cidade em cidade, tentando sobreviver e encontrar ajuda para a recuperação física.

Os tempos na Turquia foram difíceis, ao contrário daqueles em que ainda criança o pai o ensinou a nadar no rio Eufrates, que banha Deir ez-Zor, a sua cidade natal. Aí nasceu a paixão pela natação.

Decidiu tentar a sorte na Grécia, e acabou por chegar a Atenas depois de umas semanas num acampamento de refugiados. O objetivo era conseguir depois seguir para o norte da Europa, algo que nunca chegou a acontecer.

Na capital grega, viveu nas ruas até encontrar um compatriota que o ajudou e o levou a um médico especialista em próteses, que acabou por lhe oferecer a “perna nova de que precisava”.

Para sobreviver, “limpava casas de banho”. Assume, com um sorriso, que era “feliz” e “acordava alegre todos os dias”. Atualmente, quando não está a treinar, trabalha num café.

Com a vida recomposta, decidiu voltar a nadar. Ao princípio não foi fácil “encontrar um local para começar”, mas meses depois já dava nas vistas, e acabou por chamar a atenção do Comité Olímpico da Grécia, que propôs a sua participação na cerimónia de passagem da chama olímpica dos Jogos Rio2016, pelo campo de refugiados de Eleonas.

“Fui o primeiro refugiado a carregar a tocha olímpica. Foi uma honra para mim”, conta com orgulho, durante uma conversa, na qual Alexander Tsoltos, o treinador, assume o papel de tradutor.

Quatro anos depois da explosão, que o atingiu quando tentava ajudar um amigo, estava a competir nos Jogos Paralímpicos Rio2016, nos quais integrou, juntamente com o iraniano Shahrad Nasajpour, lançador do disco, a equipa de refugiados.

Assume viver com uma parte do coração “partida” por saber que a sua cidade “não é mesma”, mas garante estar “orgulhoso por representar os refugiados” e esperançado em que o seu exemplo ajude pessoas que vivem situações semelhantes a perceber que é "possível mudar o que parece muito mau".