Aos 49 anos e depois de sete Jogos e 16 medalhas paralímpicas, Xavi Torres, nadador espanhol que usou um prémio conquistado por Cristiano Ronaldo para brincar com a sua deficiência, escolheu a Madeira para se despedir da competição.
“Vivo em Maiorca, uma ilha muito bonita como a Madeira. É aqui que me vou despedir da competição”, contou à agência Lusa um dos mais medalhados paralímpicos espanhóis, que nasceu sem braços e sem pernas (síndrome de tetra-amelia), e que pratica natação desde os 10 anos.
Em 2016, quando Cristiano Ronaldo recebeu o segundo dos seus três prémios de melhor jogador do ano da UEFA - uma estatueta sem braços, nem pernas -, o espanhol publicou no Twitter uma foto do futebolista com a frase: “Vejo que nada mudou, aqui estou eu nas mãos de Cristiano Ronaldo”.
Um ano antes, Xavi Torres, que usa próteses nas pernas e não tem as extremidades dos braços, tinha feito um comentário semelhante, quando o prémio foi entregue ao argentino Lionel Messi: “Um momento! Sou só eu que acho que o troféu que o Messi tem na mão é muito parecido comigo? Exijo uma explicação”.
“O otimismo e o bom humor são essenciais na vida de toda a gente. Alguém com deficiência, que tem de procurar soluções a cada momento para as dificuldades que encontra, precisa ainda mais dessas características”, assume Xavi Torres, mostrando-se feliz com a evolução que tem visto no desporto de alta competição para pessoas com deficiência.
“Ando por aqui há muitos anos, e a evolução tem sido muita. Gosto de ver como os jovens têm cada vez oportunidades de crescerem como desportistas”, refere, mostrando-se honrado “por todas as experiências vividas no mundo da natação” e agradecendo aos pais que sempre o obrigaram “mais a procurar soluções do que a ver problemas”.
O adeus à competição, na qual também conseguiu medalhas e recordes continentais e mundiais, não vai afastar Xavi Torres, politólogo de formação e com um mestrado em direitos humanos, da natação, área na qual trabalha com atletas sem deficiência.
“Gostava de poder ajudar na preparação para os Jogos Paralímpicos Paris2024, e quero continuar a trabalhar com o grupo de natação pura, com o qual colaboro”, admite o nadador, que se estreou em Jogos Paralímpicos em Barcelona1992, o evento que elege como “o grande motor da mudança do desporto adaptado em Espanha”.
Vicente Javier Torres Jamis, que compete na categoria S5, publicou em 2019 uma biografia com o título "Sem medo de cair", na qual conta muitas aventuras de uma vida, entre as quais o desafio de bater o recorde mundial de nadar 24 horas seguidas, que concretizou em março de 2002.
O conterrâneo do tenista Rafael Nadal, de quem é amigo, refere que em 2012 decidiu deixar a competição, mas lembra que nessa altura nunca disse que seria uma despedida. Regressou sete anos depois, precisamente na Madeira, nos Europeus de 2021, adiados por um ano devido à pandemia de covid-19.
“Depois de tantos anos sem competir, consegui qualificar-me para Tóquio2020. Fui com uma postura muito realista, queria apenas estar, cheguei a finais”, conta, confessando que só há três dias, já na Madeira, informou os seus colegas de equipa da decisão de terminar a carreira.
Xavi Torres, que recemente começou a jogar padel, já perdeu a conta às palestras motivacionais que fez para muitas e diferentes plateias, mas conta que, “de há uns tempos para cá”, só as faz com fins beneficentes: “Faço-as para os outros, mas também para mim”.
O espanhol está também envolvido no projeto Espai Xavi Torres, da Fundação Maiorca Integra, que, através de uma exposição de objetos pessoais e ateliers para crianças, pretende “familiarizar todos para o desporto para pessoas com deficiência e fomentar a inclusão”.
“A vida trata-me bem, não posso pedir mais para mim”, assume Xavi Torres, manifestando um desejo: “Oxalá tudo fosse àgua. Lá, a mobilidade reduzida não existe para muitos de nós”.
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