O português João Garcia, um dos 15 escaladores que subiram às 14 montanhas com mais de 8.000 metros, considera que o alpinismo está a “morrer”, muito por culpa de um dos “males” da sociedade moderna: a falta de tempo.
“Infelizmente, o alpinismo está a morrer, porque cada vez mais a sociedade preza mais a segurança e o conforto e quer atingir os objetivos com mais rapidez. O alpinismo é tudo menos isso, é tudo menos confortável, é tudo menos seguro”, disse, em entrevista à agência Lusa.
João Garcia refere que “o alpinismo está, a pouco e pouco, a perder ‘ranking’, por exemplo para o sky alpinismo, em que se sobe à mesma velocidade, mas se desce mais rápido” e entende que, “atualmente, as pessoas vivem de forma apressada.
O alpinista considera que “as pessoas têm falta de um luxo chamado tempo livre” e diz que “nos dias de hoje, o grande luxo não é ter dinheiro, mas sim tempo para si próprio”
Aos 51 anos, diz nunca ter prescindido desse luxo: “Essa foi uma das coisas das quais nunca prescindi. Os 21 [dias] de férias nunca foram suficientes”.
Segundo João Garcia, atualmente o alpinismo também está a ser afetado pelo recurso a oxigénio artificial e orgulha-se de fazer parte do “1% de tontinhos” que acredita que as ascensões com este apoio “são uma batota”.
“É com tristeza que eu vejo que neste momento 99% das ascensões ao Evereste são com recurso a oxigénio artificial, o que faz disto uma grandessíssima batota. Claro que vivemos numa sociedade democrática e que 99% é muito mais que a maioria, logo os outros 1% são tontinhos”, disse.
O português, que entre 1993 e 2010 subiu às 14 montanhas com mais de 8.000 metros, entende que “o oxigénio é mais do que doping, é um ‘apport’ instantâneo. É o espinafre do Popeye”, e acrescenta: “Com oxigénio até a minha mãezinha sobe o Evereste”.
Em maio de 1999, chegou ao topo do Evereste, numa aventura que correu mal: perdeu um amigo e ficou com marcas físicas evidentes. Nunca mais voltou aos 8.848 metros e assume já se ter reformado das “montanhas grandes”, mas, se porventura, voltasse a escalá-las seria sempre sem oxigénio artificial.
“Sinto-me forte para subir até aos 7.000 sem recurso a oxigénio. Os 8.000 para mim são um capítulo fechado, mas, se houvesse oportunidade ou interesse de voltar a subir, não faria nenhum cabimento fazê-lo com oxigénio, seria aldrabice, faz parte das regras que impus a mim próprio”, disse.
João Garcia exemplifica o que defende “ser uma batota” recorrendo a um antigo atleta português, campeão olímpico da maratona nos Jogos Los Angeles 1984.
“Se o Carlos Lopes dissesse que ia correr a meia maratona e que fazia a outra metade de lambreta e, tentando enganar-nos, nos dissesse que 21 quilómetros mais 21 são 42 e fez a maratona, tínhamos de lhe dizer que isso é uma aldrabice”, ilustrou.
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