Com o olhar fixado no chão e os movimentos milimetricamente ajustados, Edson Bindilatti e os seus companheiros da equipa brasileira de bobsleigh aperfeiçoam a partida há três semanas. Tudo estava pronto para os Jogos Olímpicos de inverno em PyeongChang, só faltava o gelo sob o forte sol do verão paulista.

Num trilho montado numa pista de atletismo, o quarteto que competirá em PyeongChang na prova de bobsleigh, empurrava a estrutura metálica que substitui o trenó com o qual se lançará a partir deste domingo na prova olímpica, quando os termómetros deverão apontar 40 graus a menos na longínqua Coreia do Sul.

Equipa brasileira de bobsleigh num treino em São Paulo
Equipa brasileira de bobsleigh num treino em São Paulo créditos: AFP

Esta será a quarta edição de Jogos Olímpicos de Inverno para Bindilatti, que até entrar para a equipa do Brasil há quase duas décadas, só conhecia o gelo do congelador.

Campeão brasileiro de decatlo, este corpulento baiano acabava de comemorar o seu 20º aniversário quando um ex-presidente da Confederação Brasileira, atraído pela sua explosão muscular, convidou-o a integrar a seleção de bobsleigh que estava a ser formada.

Para que entendesse em que consistia esse desporto de nome estranho, o dirigente recomendou a Bindilatti que assistisse ao filme "Jamaica Abaixo de Zero", famoso no Brasil pelas frequentes exibições na sessão da tarde da TV aberta.

Depois de ver o filme, Edson não precisou de muito tempo para dar a sua resposta. Cativado pelas aventuras da equipa jamaicana de bobsleigh do filme, Bindilatti disse 'sim', apesar dos apelos da sua mãe adotiva, que tinha medo de ver o filho a lançar-se num trenó.

Edson Bindilatti, atleta da equipa brasileira de bobsleigh, num treino físico em São Paulo, Brasil
Edson Bindilatti, atleta da equipa brasileira de bobsleigh, num treino físico em São Paulo, Brasil créditos: AFP or licensors

"Se me convidar para andar de balão ou montanha russa, não vou porque tenho medo, só de ver a altura... não dá. Mas as pessoas perguntam-me: 'Então porque escolheu uma modalidade em que vai a 150 km/h, sem cinto e sem motor?'. Não sei, foi amor à primeira vista", conta o sorridente piloto de 38 anos.

Poucos meses depois, Bindilatti encontrava-se numa situação parecida ao dos jamaicanos no filme, quando voou pela primeira vez para Lake Placid, a estação de esqui onde o Brasil treina nos Estados Unidos da América.

"Até então, nunca tinha tido contado com a neve. Quando chegamos lá estava 10 graus negativos e a primeira coisa que fizemos foi entrar novamente no aeroporto para vestir toda a roupa que tínhamos, o que também não adiantou muito", lembra, entre gargalhadas Bindilatti, escolhido para ser o porta-bandeira da delegação brasileira na cerimónia de abertura em PyeongChang.

Começava assim a sua vida entre o trópico e o gelo, culminando na dupla classificação para os Jogos na Coreia do Sul, no trenó de dois e quatro lugares.

-Morte às 'Bananas Congeladas' , viva os ‘Pássaros Azuis’

O bobsleigh daria a Bindilatti o seu primeiro presente em 2002, quando cumpriu em Salt Lake City o sonho de toda a vida e que não conseguiu atingir pelo atletismo: disputar os Jogos Olímpicos.

Batizados de 'Frozen Bananas' (Bananas Congeladas), os brasileiros foram a sensação do torneio, apesar de terminarem em último lugar. Decidido a melhorar para Turim-2006, Bindilatti dividia as suas temporadas entre as competições sob sol no decatlo e a turné de bobsleigh no inverno, até que em 2009 o gelo acabou por vencer a luta.

Mesmo abalado pelo escândalo de corrupção que afastou a direção anterior da Confederação Brasileira e que deixou o Brasil fora dos Jogos de Vancouver2010, Bindilatti já tinha decidido a dedicar-se integralmente ao trenó, além de trabalhar como 'personal trainer' e técnico de atletismo.

Com Bindilatti a liderar a reconstrução da equipa de bobsleigh, e denunciando as irregularidades anteriores, o processo de maturação das 'Bananas Congeladas' começou pouco antes de Sochi2014, quando decidiram romper com a sua origem folclórica para se tornarem em 'Pássaros Azuis', o novo apelido da equipa.

"Achamos que a ideia a ser passada tinha que ser diferente e hoje temos um respeito muito grande de todas as equipas do mundo do bobsleigh. Hoje, o Brasil não é uma equipa que vem para brincar, é uma equipa que vem para fazer resultados e que incomoda", diz orgulhoso.

Nova era: melhores equipamentos, mais experiência

Mas apenas uma mudança de apelido não basta e, após terminar no penúltimo lugar em Sochi em 2014, a revolução aconteceu no atual ciclo olímpico, com o Brasil a alcançar o 21º lugar no ranking mundial, apoiado por uma nova direção que trouxe patrocinadores e otimizou a preparação em casa.

Equipa brasileira de bobsleigh
Equipa brasileira de bobsleigh créditos: AFP

A instalação em São Paulo de uma pista de 'push', construída no ano passado por um dos membros da equipa, também ajudou, o que permitiu à equipa treinar a estratégia de largada fora da temporada.

Ficaram no passado os treinos em que os membros da equipa empurravam um carrinho de supermercado, uma moto ou até um carro adaptado.

"A nossa expetativa é muito grande porque é a melhor preparação que tivemos em todos os anos. Nos últimos quatro anos aprendemos muito sobre a modalidade", conclui Bindilatti, que tem como objetivo ver os 'Pássaros Azuis' terminar entre os 15 melhores nos Jogos Olímpicos de PyeongChang.