São padres, gostam de jogar futsal... e são campeões europeus. A seleção de Portugal do clero conquistou no passado mês de fevereiro o seu quinto título europeu de futsal ao vencer a Bósnia por 3-0. Numa prova disputada em Montenegro, os sacerdotes portugueses chegaram à final com a Bósnia depois de eliminar a Hungria nos quartos de final e a Polónia nas meias-finais.

Com um ‘hat-trick’ do Padre André Meireles frente à Bósnia, Portugal conquistou o seu quinto título europeu de futsal e tornou-se no segundo país com mais títulos a seguir à Polónia. O feito dos sacerdotes portugueses mereceu uma menção honrosa na Assembleia da República depois dos títulos europeus em 2012, 2015, 2016 e 2017, e o SAPO Desporto foi falar com alguns dos protagonistas, que apesar de serem padres não gostam de perder nem a feijões.

Mens sana in corpore sano (Mente sã em corpo são)

O desporto faz parte da vida e ao contrário da ideia generalizada de muitos, os jovens sacerdotes portugueses gostam de praticar desporto, sendo que a partir do momento em que entram no seminário para estudar a via do sacerdócio a máxima 'mente sã em corpo são' está sempre presente como forma de disciplinar corpo e espírito.

"A vocação de futebolista, o gosto da bola e do futebol já veio dos tempos de infância. Em Portugal toda a gente quase que cresce com a bola nos pés. Depois com os amigos, com o ambiente propício do seminário, nas escolas, o futebol acompanhou-me sempre, esteve sempre presente", começa por dizer o Padre Marco Amaro, guarda-redes da Seleção Nacional do clero e um dos heróis do quinto título europeu para Portugal.

A equipa de futsal do clero durante um jogo
A equipa de futsal do clero durante um jogo créditos: D.R.

"Foram cerca de 12 anos, quase 13, no seminário e desde muito novos que nos reuníamos para jogar futebol, não era futsal, nem futebol salão, eram quantos houvesse para jogar. O futebol mostra a disciplina. Todos nós somos homens que nascem dessa disciplina, de um seminário, de deixar a casa, de regras todos os dias, porque ao fim ao cabo são elas que são orientadoras, e ao mesmo tempo que são orientadoras são também libertadoras", conta-nos o Padre Nuno Vilas Boas, outro dos heróis portugueses na conquista europeia em Montenegro.

É importante desfazer esta ideia 'cliché' do padre que usa a batina e que não pratica desporto - Padre Manuel Fernando

O Padre Nuno Vilas Boas joga na posição de pivot da Seleção nacional do clero e foi ordenado sacerdote há seis anos, mas o desporto nunca deixou de fazer parte da sua vida.

"Essa ideia de padres a jogar de batina é uma ideia já arcaica do que é ser padre. E estar nos dias de hoje como homem e cidadão não o deixamos de ser, mas com um estilo de vida diferente, com uma vocação diferente, como tantas outras pessoas a têm", refere o Padre Nuno Vilas Boas.

A seleção nacional do clero antes de um jogo
A seleção nacional do clero antes de um jogo. créditos: D.R.

"A maior parte dos que fazem parte da Seleção Nacional do clero são quase todos novos, e quando entraram para o Seminário o desporto era uma das vertentes que fazia parte da nossa formação humana e integral. Nós somos adeptos dessa máxima 'mente sã em corpo são' e o desporto que também é importante para o convívio, para criar partilha numa área que desperta paixões, serve também para nos ensinar que somos convidados a saber educar, a saber a ter uma perspectiva disciplinada e orientada do desporto, e daquilo que é ganhar e perder", conta-nos o Padre Manuel Fernando, ex-jogador e atual membro do corpo técnico da Seleção Nacional do clero.

"É importante desfazer esta ideia 'cliché' do padre que usa a batina e que não pratica desporto", acrescentou o Padre Manuel Fernando para reforçar que os sacerdotes não estão à margem da sociedade, antes pelo contrário.

Da derrota em Bréscia ao 'hat-trick' de Meireles em Montenegro

No ano passado, a Seleção Nacional do clero viajou até Itália com o estatuto de tricampeã europeia de futsal e esteve perto de revalidar o título depois de três anos consecutivos a vencer, mas acabou ser derrotada frente à Polónia, uma das seleções mais fortes. A final de Bréscia frente aos padres polacos deixou marcas, mas no bom sentido, uma vez que perante a adversidade da derrota os sacerdotes portugueses souberam reencontrar-se com o caminho das vitórias. A chegada do selecionador nacional Ricardo Costa contribuiu para o aprimoramento técnico e tático dos padres portugueses, e as ideias do jovem treinador foram bem acolhidas no seio dos jogadores.

O selecionador Ricardo Costa dá indicações durante um jogo de futsal do clero
O selecionador Ricardo Costa dá indicações durante um jogo de futsal do clero. créditos: D.R.

O Padre Marco Gil é o capitão da Seleção Nacional do clero, e um dos jogadores mais experientes da equipa com 11 presenças em campeonatos europeus. Para o fixo de 42 anos, a derrota em Bréscia com a Polónia elevou o grau de exigência, e o sentido de querer fazer mais e melhor.

"No ano passado quando participámos no campeonato em Bréscia, Itália, ficámos em segundo lugar, e aquilo que ficou foi que faltou-nos um bocadinho mais, no sentido de podermos perceber o jogo, e por isso teria de haver mais esforço e mais trabalho. Este ano o que procuramos com a chegada do novo 'mister' Ricardo Costa foi que ele nos pudesse acrescentar aquilo que no ano passado nos faltou e que com a sua experiência, a sua vontade, nos pudesse ajudar a conquistar [o título], e foi isso que nós conseguimos este ano", começa por dizer o Padre Marco Gil em entrevista ao SAPO Desporto.

Há sempre aquela vontade de não vir com aquele sorriso amarelo - Padre Marco Gil

"No ano passado as coisas não tinham corrido bem pois perdemos na final e portanto este ano o desafio era único: tentar melhorar o que foi feito na época transata que era a conquista do título europeu. Foi o reunir de um grupo de atletas, um grupo de campeões. Tentar incutir-lhes aquilo que era um objetivo coletivo, tentar tirar deles o melhor do que eles podiam dar em prol do colectivo e o resultado foi extraordinário", referiu Ricardo Costa, selecionador nacional do clero, ao SAPO Desporto.

Ricardo Costa com o Padre André Meireles após a final com a Bósnia
Ricardo Costa com o Padre André Meireles após a final com a Bósnia créditos: D.R.

Com três golos na final do europeu, o Padre André Meireles foi um dos jogadores em destaque no regresso às conquistas da Seleção Nacional do clero. Para o ala português, o trabalho desenvolvido semanalmente em Riba de Ave tem dado frutos, uma vez que o esforço de plantar sementes do sucesso tem sido enorme por parte de todos os jogadores.

"Nós temos vindo a trabalhar todos esses aspectos de modo a que no nosso futsal, aquilo que nós fazemos, seja o mais técnico, o mais tático, o mais profissional possível, ou seja aperfeiçoar toda essa vertente, porque também é nesse modo que entendemos a nossa santidade", afirmou o Padre André Meireles.

"Há muito trabalho, há muito esforço da parte de cada um de nós enquanto jogadores, e quando vamos para participar há sempre aquela vontade de não vir com aquele sorriso amarelo", frisou o Padre Marco Gil.

Quase sempre querem roubar-nos o caneco - Padre Nuno Vilas Boas

"Não deixámos de ser padres, nós somos padres, a maior parte dos meus colegas nunca jogou futebol naquele sentido de treinar os aspectos técnicos e tácticos. E é um bocadinho da nossa ‘carolice’, é um bocadinho do jeito que nós vamos tendo, o gosto, a paixão, mas naturalmente que vamos cimentando ano após ano de forma a que nos possamos reajustar a esta modalidade e àqueles aspetos técnicos que fazem toda a diferença. E é isso que nós também esperamos do ‘mister’ Ricardo Costa, que nos trouxe algo de positivo", acrescentou o Padre Marco Gil ao SAPO Desporto.

Os jogadores da seleção nacional do clero durante um treino.
Os jogadores da seleção nacional do clero durante um treino. créditos: D.R.

"Tem de haver liberdade mas também tem de haver responsabilidade naquilo que é um possível modelo de jogo para podermos obter o sucesso. E o acreditar da parte dos atletas neste modelo de jogo, nesta crença, foi o que nos levou à conquista", sublinha o selecionador Ricardo Costa.

Adversários mais difíceis nos últimos anos levou a esforços redobrados

O nível de futsal apresentado pelas seleções do clero nas últimas edições do campeonato da Europa tem vindo a aumentar, e os padres portugueses destacam o crescimento de equipas como a Polónia e a Bósnia-Herzegovina.

Perante o crescimento dos adversários, os padres portugueses souberam adaptar-se de forma a precaverem-se das dificuldades. O facto de a seleção nacional do clero ter no seu palmarés vários títulos europeus tornam Portugal "um alvo a abater", uma situação que os sacerdotes portugueses encaram com naturalidade.

A seleção nacional do clero antes de um jogo
A seleção nacional do clero antes de um jogo créditos: D.R.

"Temos visto ao longo dos anos as equipas a crescer no sentido competitivo. Em primeiro lugar porque os jogadores adversários são muito altos, e muito possantes, mas além disso nós somos mais pequenos e somos dos mais distantes, somos de Portugal, estamos naquele cantinho que é sempre um alvo a abater", começa por explicar o Padre Nuno Vilas Boas.

"Quase sempre querem roubar-nos o caneco. Portanto, todas as equipas são exigentes porque estão a melhorar, na tática, na qualidade, na preparação física, na apresentação, claro que pode haver uma barriguita mais saliente e tudo mais, mas mais do que isso todas as equipas são exigentes", acrescentou o pivot da Seleção Nacional do clero.

Isto já não é aquela carolice, aquele tempo livre, já é algo mais e nós também já queremos mais - Padre Marco Gil

O Padre André Meireles partilha desta opinião: os adversários estão cada vez mais fortes e a aumentar a fasquia da competitividade dos torneios.

"As seleções adversárias têm vindo a fazer um grande trabalho de casa durante o ano de treinos para que possam elevar muito a fasquia da competitividade do torneio", afirmou.

A equipa de Portugal de futsal do clero
A equipa de Portugal de futsal do clero créditos: D.R.

Um dos adversários mais complicados de Portugal tem sido a Polónia. Para o capitão Padre Marco Gil, o grau de exigência apresentado pelos padres polacos é um sinal de que o nível da competição já ultrapassou há muito o grau da simples 'carolice'.

"A equipa da Polónia, por exemplo, treina duas ou três horas durante a semana com alguns jogadores que vão jogando no campeonato a nível de sacerdócios. Eles também treinam duas ou três horas por semana. Isto já não é aquela ‘carolice’, aquele tempo livre, já é algo mais, e nós também já queremos mais", referiu o Padre Marco Gil.

O futsal "rasgadinho" no caminho da fé

Muito se passou desde a primeira participação de Portugal em 2006 num torneio eclesiástico. A seleção nacional de futsal do clero conquistou um total de cinco títulos europeus e o objetivo para o próximo ano é a revalidação do título na República Checa.

Gostamos do futebol assim à inglesa, rasgadinho - Padre André Meireles

A conquista deste ano dá naturalmente motivação aos padres portugueses para mais um percurso de glória, e os treinos aos domingos prometem ser mais intensos apesar de todos os sacrifícios dos atletas.

A equipa de Portugal de futsal do clero
A equipa de Portugal de futsal do clero. créditos: D.R.

"Naturalmente que para o próximo ano o facto de irmos à República Checa já nos vai trazer isso mesmo, um ano de preparação, mas sempre com este sentido de aprendizagem ao máximo para podermos no fundo não só participar mas já com este intuito: se vamos, vamos para ganhar! Se não, então mais vale ficarmos em casa atendendo a todo o esforço que sai de cada um nós", afirma o Padre Marco Gil.

O selecionador nacional Ricardo Costa também não esconde a sua ambição de revalidar o título na República Checa em 2020 e reforçou a importância de Portugal continuar a vencer títulos para igualar a Polónia.

"Portugal é o segundo país com mais títulos europeus. A Polónia tem seis, Portugal tem cinco. Em treze possíveis. Só mais duas seleções tiveram o privilégio de lá chegar. E o objetivo da seleção é para o ano igualar a Polónia [em títulos], atirou o selecionador nacional do clero ao SAPO Desporto.

Já o Padre André Meireles assume que os três golos que marcou à Bósnia foi um momento marcante na sua vida, mas frisou a importância do coletivo para os próximos objetivos da equipa.

A equipa de Portugal de futsal do clero
A seleção portuguesa do clero sagrou-se campeã da Europa de futsal ao derrotar a Bósnia por 3-0 numa final disputada em Montenegro, a 28 de fevereiro; este foi o quinto título nacional, somando-se às conquistas de 2012, 2015, 2016 e 2017. créditos: D.R.

"Três golos numa final é sempre algo marcante, mas a mim pessoalmente fica a coletividade, especialmente quando tínhamos um festejo próprio para os golos dado uma história. Mesmo até antes da final, os meus colegas provocavam-me e diziam: 'tu supostamente jogas bem, mas vê lá se vens ao campeonato e fazes aquilo que fazes nos treinos'. E de facto correu bem", começa por recordar o herói da final frente à Bósnia.

"Claro que há equipas com as quais encaixamos melhor o nosso futsal. Por exemplo, a Polónia era um tipo de jogo muito mais físico, ora nós gostamos de um futebol com espaço, com a capacidade de poder driblar o adversário, e a Bósnia permitia-nos isso porque gostamos do futebol assim à inglesa, rasgadinho. E quando assim é, nós também podemos colocamos em campo aquilo que nós somos e valemos", acrescentou o Padre André Meireles, antes de frisar a importância do coletivo.

A comitiva da Seleção Nacional do clero em Montenegro para o Europeu de futsal
A comitiva da Seleção Nacional do clero em Montenegro para o Europeu de futsal créditos: D.R.

"E foi assim que registámos estes 3-0 na final que é fruto da eficácia de finalização, mas também do sucesso defensivo, porque não podemos esquecer nem o fixo nem os alas, nem o próprio guarda-redes, se não olharmos para aquilo que eles souberam concretizar", sentenciou o autor de três golos na final sobre a Bósnia.

Não deixamos de ser homens de fé por às vezes o sangue estar um bocadinho mais quente pelas situações do jogo - Padre Marco Amaro

Apesar da dimensão da competição estar sempre presente nos jogos de futsal do clero, os sacerdotes portugueses não esquecem a importância da fé no caminho que escolheram tanto ao nível do desporto como na própria vida.

"A dimensão da competição está sempre presente. Se recorrermos um pouco aos escritos de São Paulo, ele próprio diz que todos corremos mas um só é que ganha o cetro da vitória, mas no fundo todos somos convidados a participar, isto é, se só um é que ganha não podemos só correr quando temos a certeza que ganhamos", começa por dizer o Padre Manuel Fernando.

"Há sempre uma incerteza, há sempre esta emotividade, que de alguma forma nos ajuda a trabalhar, a ser organizados, a ser disciplinados, porque no fundo a competitividade acaba por fazer parte daquilo que é a nossa vida. Todos nós gostamos de fazer mais, gostamos de fazer melhor, gostamos de nos empenhar, e isso acho que é uma componente que está integrada e que está imanente naquilo que é o nosso quotidiano", acrescentou o antigo jogador e atual membro da equipa técnica da seleção nacional do clero.

"Somos padres, somos homens de fé e essa parte também está presente. Mas não colocamos o jogo dentro da missa, da fé, mas trazemos, sim, a nossa fé para dentro desta área do desporto", diz também o Padre Marco Amaro.

"Concilia-se tudo, não deixamos de ser homens de fé por às vezes o sangue estar um bocadinho mais quente pelas situações do jogo. Aquilo que acontece dentro de campo, fica dentro de campo, e mantemos aquilo que é normal no jogo, um jogo disputado entre homens, às vezes disputado de forma viril, é verdade, mas sem fazer daquilo uma batalha campal", refere ainda o guarda-redes da seleção nacional do clero.

A seleção portuguesa do clero antes de um jogo
A seleção portuguesa do clero sagrou-se campeã da Europa de futsal ao derrotar a Bósnia por 3-0 numa final disputada em Montenegro, a 28 de fevereiro; este foi o quinto título nacional, somando-se às conquistas de 2012, 2015, 2016 e 2017. créditos: D.R.

Questionado sobre a importância da fé na forma como os sacerdotes portugueses encaram os jogos, o Padre Marco Amaro considera que o desporto, sendo uma metáfora da vida, também traz mensagens de aprendizagem.

"Quando começamos a perder é preciso ter confiança para saber que as coisas vão correr bem, que vamos conseguir dar a volta ao resultado, porque às vezes um percalço, já custa mais, mas esta reação para quem olha de uma forma positiva para a vida depois até no futebol também consegue olhar de uma forma positiva para as situações", afirmou o guarda-redes da seleção nacional do clero.

"Ou realmente acreditamos em nós próprios, ou não vamos a lado nenhum. E o acreditar em nós próprios mais nos leva a todo um contexto daquilo que vivemos, a questão da nossa fé, a questão da nossa esperança, e nós sentimos que se cada um de nós acreditar no seu trabalho, se cada um de nós acreditar que em tudo aquilo que faz que vai alcançar os seus objetivos, naturalmente faz toda a diferença", sentenciou o capitão Padre Marco Gil.