O Ministério Público acusa Nuno Ribeiro, Adriano Quintanilha e o diretor geral Hugo Veloso de terem elaborado “um esquema” de dopagem na W52-FC Porto, para “aumentarem a rentabilidade” dos ciclistas, segundo a acusação a que a Lusa teve acesso.
De acordo com o Ministério Público (MP), que acusa 26 arguidos de tráfico de substâncias e métodos proibidos, e desses 14 de administração de substância e métodos proibidos, no âmbito da operação ‘Prova Limpa’, Adriano Sousa, comummente conhecido como Adriano Quintanilha e ‘patrão’ da W52-FC Porto, o seu antigo diretor desportivo Nuno Ribeiro e Hugo Veloso, o contabilista e diretor geral da equipa, terão formulado, “pelo menos desde o ano de 2020”, o propósito “de aumentarem a rentabilidade dos seus ciclistas […] com o intuito de obterem melhores resultados”.
Assim, “na prossecução do seu desígnio”, os três arguidos “elaboraram um esquema mediante o qual os ciclistas por si dirigidos”, 10 deles também arguidos neste processo, “passariam a utilizar práticas dopantes, designadamente o recurso persistente à manipulação sanguínea, o que constitui um método proibido, bem como a administração e consumo de substâncias proibidas”.
O MP considera que Nuno Ribeiro, “fazendo uso da ascendência profissional que detinha sobre os ciclistas da sua equipa, […] promoveu entre estes o consumo de substâncias proibidas”, nomeadamente betametasona, hormonas de crescimento, testosterona e insulina, entre outras, bem “como a extração e reintrodução de sangue”, prática comummente denominada transfusão sanguínea.
“Mais os instruiu sobre os métodos para as introduzirem no organismo sem que fossem posteriormente detetadas nos controlos antidoping, […] bem como lhes fornecia instruções para as administrarem”, instruindo-os “sobre os dias, horas e forma de administrar as referidas substâncias, tendo em consideração, nomeadamente, as datas das provas”, lê-se na acusação, que enumera diversas ocasiões em que tal aconteceu, como nas edições de 2021 da Volta a Portugal, Volta ao Alentejo ou Troféu Joaquim Agostinho, ou na Volta ao Algarve e no Grande Prémio O Jogo, já em 2022.
Segundo o despacho, a que a agência Lusa teve hoje acesso, Nuno Ribeiro e o seu adjunto, José Rodrigues, “com o conhecimento e anuência” de Adriano Quintanilha e Hugo Veloso, “adquiririam, entregaram e decidiram que os seus ciclistas teriam que administrar” substâncias “que constam na lista de substâncias e métodos proibidos em vigor”.
O antigo diretor desportivo dos ‘azuis e brancos’ é particularmente visado na acusação, que indica que Ribeiro adquiria as substâncias “para depois as entregar aos ciclistas, guardava-as em casa e nos hotéis, quando em competição”, “preparava as substâncias e deixava-as já nas seringas nos quartos dos ciclistas ou chamava-os ao seu quarto e entregava-lhas para que as consumissem”, e “questionava-os sobre o que tinham tomado e quando”.
O antigo ciclista de 45 anos, que enquanto corredor perdeu a vitória na Volta2009 por doping, também comprava o material necessário para as transfusões sanguíneas e, inclusive, “diligenciava para que houvesse sempre sacos de sangue disponíveis para os ciclistas no autocarro e no automóvel de transporte […] e pela recolha nos quartos e hotel de sacos contendo sangue dos ciclistas e pela sua reentrega no momento em que deveria ser feita a reintrodução”.
O Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) do Porto detalha as substâncias apreendidas no âmbito da operação ‘Prova Limpa’, desencadeada em 24 de abril de 2022, nomeadamente as que estavam na posse dos 10 ex-ciclistas da W52-FC Porto acusados de tráfico de substâncias e métodos proibidos, e que “os arguidos, durante as conversações telefónicas que mantinham entre si, evitavam falar dos nomes das substâncias ilícitas” e das práticas, utilizando “palavras/expressões codificadas com o propósito de dificultarem que a sua atividade fosse detetada pelas autoridades desportivas e policiais”.
João Rodrigues, Rui Vinhas, Ricardo Mestre, Samuel Caldeira, Daniel Mestre, José Nevese Ricardo Vilela – já suspensos pela Autoridade Antidopagem de Portugal -, e Joni Brandão, José Gonçalves e Jorge Magalhães, cujos processos continuam a decorrer na instância desportiva, são os antigos corredores da W52-FC Porto constituídos arguidos pelo despacho, com Daniel Freitas, que representou os ‘dragões’ entre 2016 e 2018 a ser o outro ciclista acusado de tráfico de substâncias e métodos proibidos, enquanto o processo de Amaro Antunes, tricampeão da Volta, foi arquivado.
“Para obter tais substâncias, o arguido Nuno Ribeiro e os ciclistas arguidos recorriam a pessoas da sua confiança ou trocavam entre si tais substâncias”, acrescenta o despacho.
Para o DIAP do Porto, “Adriano Sousa, Hugo Veloso e Nuno Ribeiro agiram sempre em conjugação de esforços e de intentos mediante um plano por eles elaborado, de dependência hierárquica profissional que os ciclistas que compunham a […] W52-FC Porto tinham de si, os determinarem a consumirem substâncias ilícitas e a utilizarem métodos que sabiam ser proibidos”, o que fizeram com o propósito de “obterem vantagens patrimoniais e não patrimoniais para a equipa”.
Os três, assim como José Rodrigues, “abusaram da sua profissão de modo grave, violando os deveres de atuarem em prol do desenvolvimento desportivo da modalidade e dos ciclistas e da verdade desportiva, incentivando e promovendo a dopagem de praticantes desportivos”.
O despacho nota, no entanto, que os 11 ciclistas implicados “praticaram os factos […] sempre de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito único e concretizado de através do consumo de substâncias proibidas e da manipulação de sangue ou utilização de outros métodos proibidos obterem ganhos patrimoniais e não patrimoniais, pessoais ou para a equipa”.
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