O ciclista britânico Mark Cavendish (Quick-Step Alpha Vinyl) distingue o ciclismo de outros desportos, porque “se perde muito mais do que se vence”, estimando que a sua maior vitória é continuar ao mais alto nível após 15 anos.
Numa conversa com jornalistas sobre a sua nomeação para o prémio de “Regresso do Ano” dos Laureus, o 'míssil da ilha de Man' analisou o ciclismo enquanto modalidade que 'penaliza' o indivíduo, 'afogado' em variáveis que, num milissegundo, podem levar ao insucesso.
“O que distingue realmente o ciclismo é que se perde muito mais do que se ganha. Em muitos desportos, é um contra um, ou então um campeonato com 20 competidores. Quando há menos atletas, quando há menos eventos, há uma percentagem mais alta de ganhar”, começa por explicar.
O raciocínio prossegue por contornos matemáticos, até porque não falamos de ténis, em que “alguém vai ganhar daqueles dois”, ou da Fórmula 1, de que é um grande adepto, em que a possibilidade de vencer é ‘sempre’ de 1 em 20 pilotos.
“São muito menos variáveis, porque há menos pessoas. No ciclismo, há 200 pessoas, então as variáveis tornam-se… se pensarmos nos ‘triliões’ de vezes que é preciso para baralhar um baralho de 52 cartas [e atingir todas as combinações possíveis]. Uma corrida com 200 ciclistas, com mais de 200 quilómetros, de metro a metro...”, explana.
Para Cavendish, esta característica do ciclismo torna qualquer praticante “habituado a lutar, a levantar-se após uma derrota, e a voltar a tentar, e tentar, e tentar”.
Um desses exemplos é outro dos nomeados na sua categoria, a neerlandesa Annemiek van Vleuten, nomeada por um 2021 marcante, cinco anos depois de, nos Jogos Olímpcios Rio2016, ter sofrido múltiplas fraturas e uma concussão grave numa queda, quando ia na frente da corrida de fundo.
Em Tóquio2020, adiados devido à pandemia de covid-19, celebrou na prova de fundo, sem se aperceber que festejava ‘apenas’ a prata, dado que a austríaca Anna Kiesenhofer já tinha cortado a meta.
Como se não chegasse, completou o ‘renascimento’ três dias depois, com um ouro olímpico no contrarrelógio, o primeiro da carreira, conseguido aos 39 anos e com margem autoritária de quase um minuto.
“Eu conheço a Annemiek, e ao ver o que ela coloca no desporto e no trabalho, percebe-se porque é que pode recuperar de desaires, e porque é que ganha corridas, e porque é que vai continuar a ganhar. Porque ela deixa tudo, e isso é muito do que é o ciclismo”, comenta.
Diagnosticado com depressão em agosto de 2018, quando o vírus Epstein-Barr, que tinha enfrentado pela primeira vez no ano anterior, voltou a bater à porta, ultrapassou de tudo, mas os resultados não saíam, até que uma mudança para a Deceuninck-QuickStep, que já tinha representado, o transformou numa ‘fénix’ e o reencontrou com as vitórias.
Antes, até nas fugas andou, e chegou a deixar a Gent-Wevelgem em lágrimas, admitindo que podia encostar a bicicleta de vez, até que a fé de Patrick Lefevere, o ‘patrão’ da equipa belga, o resgatou.
Foram 10 os triunfos em 2021, numa época que trouxe um até ali improvável regresso à Volta a França, na qual venceu quatro etapas e a classificação dos pontos, a da regularidade que tanto lhe tinha faltado nos últimos anos.
Por alcançar, ou talvez à espera de um 2022 em que já conta com três vitórias, incluindo a Milão-Turim, ficou o recorde dos recordes, o das vitórias em etapa no Tour - tem 34, tantas quantas as da ‘lenda’ Eddy Merckx, e pode ainda isolar-se.
“Na Volta a França de 2021, o recorde não era um objetivo, só queria ganhar. Sei o quão difícil é ganhar uma etapa do Tour, acho que sou o mais qualificado para falar sobre isso. Se sou bom para ganhar apenas mais uma, é isso. Se conseguir mais 50, consegui mais 50”, avalia.
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