Chris Froome, o 'queniano branco', sobreviveu às investidas de Nairo Quintana, às suspeitas sobre o seu rendimento e a gestos agressivos do público para hoje subir ao pódio para festejar a segunda vitória na Volta a França em bicicleta.
A história do contestado vencedor da 102.ª edição da ‘Grande Boucle’ começa a contar-se ainda no Quénia, onde nasceu a 20 de abril de 1985 e onde viveu parte da sua vida.
O ar rarefeito, a altitude de Nairobi e os campos de treino do seu mentor, David Kinjah, parecem ter ajudado na sua evolução como atleta, embora os seus resultados nessa altura fossem modestos.
A mudança para a África do Sul, aos 14 anos, apresentou-lhe outros desportos, que o fizeram perceber que o ciclismo de estrada era a sua paixão, um encanto que assumiu ao tornar-se profissional aos 22 anos.
Debaixo do seu temperamento tranquilo, escondia-se o desejo de correr mais e melhor, de testar os seus limites e as suas qualidades, uma ânsia que o levou a chocar com um comissário no início do contrarrelógio Mundiais sub-23 de 2006.
A queda naquele que era o seu primeiro grande momento na Europa, a verdadeira terra prometida do ciclismo, revelou as suas falhas técnicas, mas garantiu-lhe uma oportunidade na equipa de desenvolvimento da União Ciclista Internacional (UCI) e um contrato com a equipa sul-africana Konica Minolta.
Uma vitória na Volta ao Japão, as raízes africanas e uma palavra amiga do sul-africano Robert Hunter valeram-lhe, um ano depois, um contrato com a Barloworld, que tinha o orgulho de reunir várias nacionalidades no seu ‘pelotão’ particular, incluindo a portuguesa, na pele de Hugo Sabido.
Embora o salário fosse baixo e a competição exigente, Froome tinha, finalmente, conseguido o seu passaporte para o ciclismo europeu, reforçado com uma licença britânica, concedida pelas origens do seu pai e avós, depois de um aceso processo com a Federação Queniana, e com um lugar nos nove escolhidos para disputar o Tour.
Na estreia na prova francesa foi 84.º, no Giro do ano seguinte terminou em 36.ª, sendo o sétimo na classificação da juventude. Os resultados impressionaram a Sky, que o contratou em setembro de 2009.
O seu primeiro ano na equipa britânica foi bastante discreto e incluiu uma desclassificação na Volta a Itália, por ter feito parte da 19.ª etapa agarrado a uma mota. Mas, em 2011, o seu progresso foi evidente: depois de ser ‘top 20’ em provas como a Volta à Romandia ou a Volta a Castela e Leão, foi escolhido para ser o gregário de Bradley Wiggins nas montanhas da Vuelta.
Rapidamente o trabalhador passou a algo mais, quando, no contrarrelógio, vestiu a camisola de líder e, nas montanhas, mostrou estar melhor do que o seu chefe de fila, terminando no segundo lugar da prova espanhola, naquele que era então o melhor resultado de um britânico numa grande Volta desde 1985.
Depois da Vuelta, mereceu novo contrato de três anos com a Sky, que o apoiou no anúncio de que sofria de bilhárzia, uma doença tropical parasitária que destrói os glóbulos vermelhos, que lhe foi diagnosticada em 2010, mas que não tem cura.
A doença afetou a primeira parte da época de 2012, mas na primavera o britânico de Nairobi estava preparado para escoltar Wiggins no Tour. Na primeira etapa, perdeu tempo numa queda, mas nas montanhas revelou-se superior ao seu chefe de fila, criando uma polémica que alimentou a imprensa e que envolveu as mulheres dos dois corredores.
Mais do que as capacidades reais na estrada, prevaleceu a vontade da Sky, que ordenou a Froome que esperasse por Wiggins quando este desfaleceu na 17.ª etapa, escolhendo aquele que viria a ser campeão olímpico em Londres2012 para vestir a amarela. Desde esse dia, a relação entre os dois não voltou a ser a mesma, com Froome a ambicionar mais do que o segundo lugar de 2012, um resultado que chegaria um ano depois, na 100.ª edição.
A equipa britânica percebeu que era ‘Froomey’ o seu futuro e elegeu-o para ser o seu homem ‘Tour’. O ano de 2014 adivinhava-se risonho para o britânico, mas uma queda atirou para fora da corrida e roubou-lhe a hipótese de defender o seu título.
A tentativa de redenção chegou na Vuelta, no entanto, o adiado duelo com Alberto Contador foi favorável ao espanhol. Pragmático, estabeleceu que este seria o seu ano, o do regresso ao lugar mais alto dos Campos Elísios e nada o demoveu.
Planeou a temporada a ‘régua e esquadro’, esteve bem quando teve de estar, e, neste Tour, limitou-se a lançar um ataque demolidor, à 10.ª etapa, para segurar definitivamente a amarela, contra os ataques do seu vice Nairo Quintana e contra os ataques do público francês – foi atingido por urina, cuspidelas, foi repetidamente apupado na subida ao Alpe D’Huez.
Único ciclista que fala abertamente de doping, condenando-o, Froome acaba este Tour desgastado e acossado pelas permanentes dúvidas quanto à sua limpeza, mas sem perder o sorriso tímido de quem está a viver o seu sonho de criança.
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