Seis utentes da delegação de Vila Real da Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal (ACAPO) estão inseridos num projeto destinado a pessoas com deficiência visual que lhes possibilita a prática de basquetebol através de treinos orientados.
Depois de um primeiro contacto com “conceitos básicos” da modalidade, em fevereiro, foi formada uma equipa que tem aperfeiçoado a execução de gestos técnicos no Pavilhão Desportivo Dr. Gomes da Costa, em Vila Pouca de Aguiar.
Foi ali que a Associação de Basquetebol de Vila Real (ABVR) e a ACAPO encontraram um espaço “perfeitamente adequado à atividade e às especificidades dos praticantes”, quer pelas “dimensões reduzidas”, quer pelo “ambiente acústico ideal”, que “facilita a aprendizagem”.
Entre deslocações com bola, diferentes tipos de passe, drible, receção e lançamento, a prática da modalidade apenas respeita o ritmo e as especificidades dos atletas, não havendo qualquer alteração das regras.
“No fundo, estamos a ensinar basquetebol, sendo que este ensino tem de ser mais verbalizado e não tão demonstrativo. Temos de transmitir muito mais ‘feedback’, muitos estímulos e dizer aquilo que deve ser feito”, explicou à Lusa Alfredo Brigas, técnico do Centro de Treino Municipal (CTM) de Vila Pouca de Aguiar.
A par disto, ainda que possa existir o recurso a certos elementos que estimulam o sentido da audição, o material usado “é o mesmo para qualquer pessoa que venha praticar” a modalidade.
“Não podemos dizer que é um basquetebol adaptado porque não o é. Trata-se de ensino de basquetebol, ainda numa fase embrionária”, vincou o treinador.
Ainda assim, “o balanço é francamente positivo”, com “desafios” superados, sobretudo, “nos exercícios com deslocamentos”, os quais, a par da “gratidão” dos utentes, motivam Alfredo Brigas.
“Transcende muito o basquetebol. O que nos satisfaz é sentir a alegria com que eles vêm para aqui. É este o grande fator que nos motiva a ter cada vez mais aulas com eles, porque sentimos que estamos a dar algo de útil para uma população especial”, vincou.
José Vilela, presidente da ABVR, que também orienta os treinos, partilha da mesma “satisfação pessoal”, num projeto em que diz existir uma “aprendizagem mútua”.
“Estou surpreendido pela positiva. Há uma evolução rápida, bastante acentuada, não só no próprio interesse na prática da modalidade, como na vontade em aprender coisas novas”, revelou.
João Oliveira, de 42 anos, destacou, precisamente, a importância do projeto como um todo, quer a nível desportivo, quer a nível social.
“Esta prática ajuda-nos a sair do sedentarismo e a mudar a nossa rotina porque, para uma pessoa cega, não é fácil conseguir ter meios para fazer exercício físico. É, também, um momento de convívio com os colegas, o que também é muito importante”, frisou.
O colega Nuno Oliveira, de 43 anos, não podia concordar mais. “Sempre” bem-disposto, afirma que “o bonito” do projeto “é o convívio”, mesmo quando a pontaria ao cesto “tira folga”.
“Até experimentar aqui, nunca tinha jogado basquetebol. Gostei, faz-me bem à saúde e espero bem levar o projeto até ao fim”, avançou.
Também a vila-realense Catarina Peixoto diz sentir-se “confiante” para continuar a aprender a modalidade após denotar melhorias na forma como consegue controlar a bola.
“É uma excelente oportunidade para podermos ter uma prática desportiva coletiva, até porque é importante sabermos que é possível adaptar qualquer exercício às nossas necessidades”, reiterou a utente.
Carina Ferreira, diretora técnica da delegação de Vila Real da ACAPO, explicou à Lusa que o projeto surgiu após a ABVR ter tomado conhecimento da vontade desta instituição em apostar na prática desportiva.
“Após uma reunião com a associação, decidimos avançar com esta aventura. Não sabíamos como seria a reação dos nossos utentes mas, até agora, o balanço é muito positivo”, frisou.
A par de “uma vertente de empoderamento, de superação e de capacitação muito grande”, também “na vertente mais terapêutica” o projeto permite trabalhar a noção de esquema corporal e de posicionamento no espaço.
Ao mesmo tempo, os utentes dos 16 aos 18 anos podem “ter uma experiência normalizada de uma prática” o que, até então, não era possível pela "dificuldade" em conseguir enquadrá-los "em desportos coletivos”, incluindo “a nível escolar”.
Até ao final do mês de março está prevista a assinatura de um protocolo que irá formalizar a iniciativa para que esta “ganhe outra dimensão”, sendo certo que será respeitado o ‘feedback’ dos utentes.
“Só eles é que podem dizer o que melhor resulta. Em vez de seguirmos algo previamente pensado, estamos a partir da experiência real das pessoas com deficiência visual, tal como deveria acontecer em todos os projetos”, concluiu Carina Ferreira.
- Reportagem de Mariana Ribeiro (texto) e Pedro Sarmento Costa (fotos).
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