O novo coronavírus tem afetado a sociedade em geral, mas os atletas têm sido dos mais fustigados neste período de confinamento.
O SAPO Desporto esteve à conversa com Inês Henriques, uma das referências da marcha portuguesas para perceber como está a lidar com o isolamento.
A atleta, natural de Rio Maior, conta que tem conseguido fazer os seus treinos na rua, revelando que se sentiu aliviada depois de ter sido oficializado o adiamento dos Jogos Olímpicos de Tóquio.
De resto não lhe falta o que fazer, seja a lida da casa ou os treinos de reforço muscular.
Em relação à falta de objetivos competitivos, confessa que demorou algum tempo a processar e diz-se preocupada em relação à questão à continuidade ou não dos apoios para os atletas olímpicos.
Inês Henriques revela ainda que tem sido difícil estar isolada ainda assim tenta ver a família quando é possível, com as devidas precauções.
Licenciada em enfermagem, a atleta mostra-se solidária com os colegas de formação que estão na linha da frente e acredita que esta situação vai ter implicações na sua saúde mental de muitos portugueses.
SAPO Desporto: Como tem vivido este período de isolamento?
Inês Henriques: Tenho conseguido marchar e correr na rua. Marchar, marcho sozinha no circuito normal que costumava fazer. Corro, corro aqui perto da minha casa na mata. Tenho sempre cuidado para não me prejudicar a mim e não prejudicar os outros.
SD: Tem treinado em casa?
I.H: O complemento, o reforço muscular, faço cá em casa. Tenho bastante material e algum que pedi ao centro de estágio e faço cá.
SD: Conte-nos um pouco do seu dia e do que é que se vê privada agora?
"O meu treino alterou um pouco porque não temos provas. As provas de qualificação para os Jogos Olímpicos, para o atletismo, só vão iniciar no dia 1 de dezembro. Neste momento só treino uma vez por dia, e estou a fazer mais corrida do que de marcha. Marcho duas a três vezes por semana e no resto faço complemento de corrida. Normalmente treino de manhã e normalmente estou cá por casa, eu vivo numa vivenda então aproveito para tratar do meu jardim. Há sempre muitas coisas para fazer.
SD: A nível de alimentação, como tem sido?
I.H: Eu normalmente tenho sempre algum cuidado com a alimentação e tenho mantido esses cuidados na mesma.
SD: Do que tem visto, sente que as pessoas estão a cumprir as regras de confinamento?
I.H: Eu como vivo numa aldeia e só vou uma vez por semana às compras, não vejo tanto o que é que se passa. Mas na parte do exercício físico, vejo que as pessoas têm alguns cuidados. No local onde eu treino, vejo várias pessoas a correr, a caminharem. No máximo duas pessoas. Nessa parte, vejo que as pessoas estão a seguir as recomendações. De resto, como estou retirada na aldeia, não tenho tanta sensibilidade. Aqui ainda vejo que as pessoas passam de carro, de mota, há outras que estão mais recolhidas em casa. Há uns que seguem tudo à risca, mas para os mais velhos é mais complicado.
SD: Como será o regresso à competição?
I. H: O regresso à competição vai demorar, todas as competições foram canceladas nacionais e internacionais. Os Jogos Olímpicos foram adiados, o que foi acabou por ser uma boa decisão que nos deixou mais tranquilos, porque estava a ser um stressante. Eu normalmente estava a fazer os quilómetros que normalmente fazia. Havendo a decisão, ficámos mais tranquilos. Agora temos que esperar para ver...Vamos ver como o corpo reage. Claro que treinar sem objetivos competitivos é mais difícil. Sabemos o caminho que temos que percorrer e depois temos sempre um objetivo competitivo, sem esse objetivo... Vamos precisar de algum tempo para nos readaptar-mos a toda a esta situação.
SD: Continuam a ter apoio por parte do Comité Olímpico?
I.H: A maioria tinham um apoio até aos Jogos Olímpicos, eu tinha até junho, por isso não sei como é que posteriormente o Comité Olímpico vai fazer como as nossas bolsas, se se vão prolongar, se não vão prolongar. Ainda não sabemos nada disso.
SD: Para um atleta, esta situação de confinamento acaba por ser mais stressante?
I.H: Eu mantinha o meu treino normal, quando soube que só iria ter provas que contassem para a qualificação para os jogos em dezembro. Isto demora um bocadinho mais tempo a processar, e durante alguns dias foi mais complicado. Há dias mais difíceis que outros. Eu costumo dizer que quando está sol posso ir para a rua, o tempo passa mais rápido. Outras vezes é mais difícil, estarmos assim isolados e eu vivo sozinha. Às vezes passo pelos meus pais. É complicado de alguma forma estarmos assim tanto tempo isolados.
SD: Tem tido contacto com a sua família?
I.H: Sim, com os meus pais. Eles moram aqui perto, com as devidos cuidados, mas sim têm estado próximos.
SD: Para além de treinar, como é que passa o tempo?
I.H: Leio, oiço música, vejo filmes. Ando no meu jardim, faço a lida da casa.
SD: Tem formação em enfermagem, como é que tem visto o combate à pandemia na linha da frente?
I. H: A situação nos hospitais...normalmente já é complicada. Agora com este problema, acredito que esteja muito complicado e os profissionais de saúde são uns heróis, porque se muitas vezes nas urgências é muito complicado trabalhar, agora com esta situação...espero que as pessoas acatem o que nos é pedido pela DGS, porque se nós não cumprirmos, fica mais difícil para os enfermeiros, médicos, auxiliares, conseguirem manter a força para cuidar de todos os que necessitam.
SD: Pensa que este vírus vai deixar marcas psicológicas na sociedade?
I. H: Eu acho que sim, porque nós somos pessoas para estarmos uns com os outros. Para nós estarmos tanto tempo sozinhos, é óbvio que temos as redes sociais, temos forma de comunicar através de imensos meios. É óbvio que falta a partilha, o abraço. Por exemplo os meus sobrinhos dizem à minha mãe que têm imensas saudades de dar um abraço à avó e ao início foi difícil. Eles diziam. 'Porque é que não posso dar um abraço à minha avó.'Eu tenho uma avó de 87 anos e ela no outro dia já não se estava a sentir muito bem e nós provavelmente no domingo vamos fazer com que ela vá almoçar connosco, porque já são muitas semanas sempre sozinha. É óbvio que a minha mãe e a minha tia vão estar um bocadinho com ela. Já são muitas semanas sozinha e isso também não lhe faz bem. E isso vai-se refletir muito na sociedade. Costumo dizer que a profissão que vai que fazer após esta situação vão ser os psicólogos.
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