Uma confiança inabalável em cada momento no ‘tatami’, com a certeza de uma vitória antecipada, foi durante muito tempo a vida de Telma Monteiro, a judoca fenómeno sem o querer ser.
Em pequena, o gosto estava no futebol, com uma bola nos pés, num bairro social de Almada, até experimentar, aos 14 anos e quase de forma tardia, o judo, por influência da irmã Ana, e aí se percebeu que nascia uma fora de série.
Telma, que sonhava em viajar, encontrou na modalidade, com as suas muitas provas internacionais, o pretexto perfeito, mas mais do que isso, acumulou competições e medalhas, tornando-se uma judoca de excelência, a melhor de várias gerações.
Os primeiros anos de carreira traziam confiança e a certeza da vitória, com um percurso iniciado nos -52 kg, uma categoria em que se manteve até aos Jogos Olímpicos Pequim2008, transitando depois para os -57 kg.
Em ambas acumulou medalhas e títulos, alguns dos quais para perdurar no tempo, como as inéditas 15 medalhas em edições distintas de Europeus (seis de ouro, duas de prata e sete de bronze), que a tornam um caso ímpar na competição.
A judoca, de cabelos aloirados e carrapito preso na parte lateral, uma imagem de marca, cavalgou a glória, ano após ano, desde as primeiras conquistas com 16 anos, num percurso com Taças do Mundo, Masters, Europeus, Mundiais e Jogos Olímpicos.
Telma Monteiro experimentou quase tudo, com um percurso em que teve várias vezes de se reinventar, fosse pelas mudanças de regras, quando o seu judo era menos clássico e permitia outro tipo de pegas (baixas), ou por ter de superar inúmeras lesões.
Nas duas categorias em que competiu, à judoca faltou o título mundial, depois de ter estado por quatro vezes numa final, uma em -52 kg (2007) e três em -57 kg (2009, 2010 e 2014), e ter sido uma vez medalha de bronze (2005).
Um feito que viria a ser alcançado pelo judoca Jorge Fonseca (-100 kg), que em 2019 e 2021, conquistou os primeiros títulos mundiais de um português na modalidade.
Também nos Jogos Olímpicos, Telma perseguiu durante largo tempo uma medalha, desde a estreia em Atenas2004, até Pequim2008 ou Londres2012, nestas edições como uma das favoritas, mas a pressão teve sempre enorme peso.
Telma Monteiro teve de esperar até 2016, nos Jogos do Rio de Janeiro, onde a expectativa seria menor e foi aí, já na repescagem e a dois combates da ambicionada medalha, que a judoca gritou “eu vim para ficar!”.
Um autêntico grito de guerra depois de vencer a francesa Automne Pavia, uma das favoritas, e ainda antes do combate pelo bronze diante da romena Corina Caprioriu, a quem venceria, mesmo debilitada num ombro.
As lesões foram, aliás, uma sina para a judoca almadense, que teve a primeira grande lesão em 2008, num joelho, antes dos Europeus de Lisboa, e num ano que tinha começado com a morte súbita do amigo e selecionador António Matias.
Foi o primeiro embate psicológico e físico para a judoca, que na segunda metade da carreira foi várias vezes obrigada a parar, com lesões graves no ombro, cotovelo ou joelhos, a última das quais já em 2023.
De quase todas, Telma regressou e após algumas ainda com força para chegar aos títulos, mas na última tornou-se evidente, aos 37 anos, que a judoca já não lutava apenas com as adversárias, mas também com o seu corpo.
“Infelizmente, lesionei-me na primeira luta e tive de desistir. Tem sido muito difícil lutar contra o meu corpo, sinto-me frustrada com isso”, comentou a judoca em novembro de 2023, após nova rotura de ligamentos num joelho.
O objetivo era chegar aos sextos Jogos Olímpicos da carreira, em Paris2024, o que a tornaria a desportista portuguesa com mais presenças olímpicas, quando tem as mesmas cinco de Susana Feitor e Fernanda Ribeiro, e no judo mundial seria caso único.
A lesão nos Europeus de Montpellier2023 ‘travou’ o ranking de Telma Monteiro, que acabaria sem pontos suficientes, por falta de resultados em competição, e mesmo quando tentou regressar em abril deste ano.
Na história ficam cinco Jogos Olímpicos e uma medalha no maior palco, cinco medalhas mundiais (quatro prata e uma de bronze), 15 em europeus, 24 entre Masters, Grand Slam e Grand Prix, e 20 entre Taças do Mundo e Opens.
Nos Masters, competição que reúne a elite da modalidade, conheceu todos os lugares do pódio, e em Paris, no Grand Slam – encarado como o torneio mais importante do circuito -, foi por duas vezes campeã, contando também com o bronze.
A judoca, que se notabilizou na equipa almadense das Construções Norte/sul e que se mudou em 2007 para o Benfica, fechou a carreira no clube da Luz, o 'matê' [paragem no combate] definitivo da judoca, formada em Educação Física e com pós-graduação em gestão, que já vislumbra o futuro como coordenadora da modalidade no Benfica.
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