12 de agosto de 1984 - Ainda bem antes das conquistas dos Mundiais de Juniores em futebol em 1989 e 1991, e a muito anos da glória no Euro 2016, este é o primeiro grande feito de um atleta português numa grande prova internacional.
É uma madrugada que poucos irão esquecer, nesse dia de verão de agosto de 1984. Quem escreve este artigo tinha apenas quatro meses aquando deste feito, por isso memórias desse dia glorioso, só contada por pais, avós, primos e amigos. Muitos foram os portugueses, que colados à RTP, assistiram à prova de madrugada, com os Jogos Olímpicos a terem lugar na cidade de Los Angeles, nos Estados Unidos.
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Como sempre e como em todas as Olimpíadas, a Maratona é a prova que fecha com chave de ouro o evento criado na Antiga Grécia. 37 anos era a idade de Carlos Lopes e a idade de quem vos escreve. O atleta do Sporting tinha preparado a prova com todo o afinco, utilizando métodos inovadores para a altura. Treinar na hora do calor, para assim se habituar à temperatura que iria ter lugar em Los Angeles. Face à humidade, o atleta português sabia que estava forçado a perder peso. Apresentou-se por isso na prova com 53 kg de peso. Chegou 10 dias antes à grande metrópole californiana e recusou ir para a Aldeia Olímpica. A preparação foi estoica e acabou por dar frutos. Lopes fazia 36 km por dia durante a sua preparação, com percursos pela Segunda Circular em Lisboa. O atleta português já tinha saboreado o gosto da prata olímpica em 1976, mas estava decidido a oferecer aos portugueses o primeiro ouro.
"Sabia que era a última oportunidade que eu tinha para ser campeão olímpico. Porque com 37 anos e meio dificilmente estaria noutros Jogos com a mesma capacidade e com a mesma resistência... Foi uma luta tremenda", começou por contar Carlos Lopes ao SAPO Desporto.
"Consegui gerir bem a pressão A minha mulher foi comigo para Los Angeles e disse que eu dormia com uma tranquilidade que parecia que não se ia passar nada no dia seguinte" - Carlos Lopes
Ainda assim, o antigo atleta revela que nunca acusou a pressão: "Era muito frio, muito calculista, portanto conseguia gerir bem [a pressão]. A minha mulher foi comigo para Los Angeles e disse que eu dormia com uma tranquilidade que parecia que não se ia passar nada no dia seguinte."
Durante a prova, Carlos Lopes precisou de duas horas, nove minutos e 21 segundos para conseguir bater o recorde olímpico dos 42,195 quilómetros da maratona - uma marca que subsistiria até aos Jogos Olímpicos de Pequim em 2008. Tudo fora preparado "ao pormenor", como tal, o ex-atleta do Sporting sabia que a vitória estava ao alcance.
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A duas semanas da Maratona, um acontecimento poderia ter colocado tudo ao perder. Carlos Lopes foi atropelado enquanto corria na Segunda Circular pelo então candidato à presidência do Sporting, Lobato Faria. Foi maior o susto que o dano e o fundista estava no ponto de rebuçado para participar nos Jogos Olímpicos.
"Nem isso me tirou o ânimo. Quando me levantei, vi que não estava nada partido. Felizmente, os ferimentos também passaram rápido e eu estava bom para correr", recorda.
Eram 17h00 quando o tiro de partida soou em Los Angeles. Os primeiros quilómetros foram os mais custosos - foi a partir do quilómetro 37 que tudo se decidiu. "Sabia que ele estava em grande forma e quando atacou sabia que ele ganhava, quando deu vantagem, os outros nunca recuperaram, muito pelo contrário", afirmou numa entrevista à RTP o já falecido "Senhor Atletismo". Moniz Pereira, enquanto treinador, acabou por ser um dos grandes responsáveis pelo primeiro ouro português nas Olimpíadas.
"Nem o atropelamento me tirou o ânimo. Quando me levantei, vi que não estava nada partido. Estava bom para correr"
"Quando cheguei ao quilómetro 37, olhei para o lado e percebi que já ia com cerca de 30 metros [de avanço]... Na altura pensei: 'Afinal foi mais fácil do que aquilo que eu previa'... Mas ainda faltavam cinco quilómetros até à meta, sabia que era importante gerir bem aquele momento. Não entrar em euforias e manter-me concentrado. E depois quando entrei no estádio, com o avanço que eu levava, as coisas tornaram-se mais fáceis", explica Carlos Lopes.
Quando entrou no estádio, o português já estava completamente isolado e a vitória garantida por larga margem. Foi a partir de um ecrã gigante e para gaudio dos jornalistas e de altas figuras do Estado presentes as bancadas, que se percebeu que o atleta de 37 anos se afastava cada vez mais dos mais temíveis adversários: o irlandês John Treacy e o britânico Charles Spedding.
O feito de Carlos Lopes foi alvo de referência num episódio dos Simpsons.
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Assim que pisou a pista, no interior do recinto, já se antevia o final. O ouro já não fugia, apesar da angústia da esposa e de alguns que só gritariam vitória quando o português cortou a meta. O primeiro pensamento de Carlos Lopes naquele momento? "Que tinha cumprido o meu dever. E quando cheguei à meta, o gesto que eu fiz com o meu braço foi como que a dizer: 'Esta é minha, ninguém ma tira'", confidencia.
Assegurada a glória, o momento solene do pódio. Medalha de ouro ao peito e pela primeira vez "A Portuguesa" a ecoar nos Jogos Olímpicos e com a bandeira da nação a ser içada lá no alto. Passaram quase 37 anos. 37 anos tinha Carlos Lopes.
Foram duas horas e sete minutos, para percorrer essa distância, para muitos impossível. No ano 490 a.C, diz a lenda que Pheidippides correu aproximadamente 40 km fazendo o percurso da Planície de Maratona até Atenas, isto para dar uma notícia. A boa nova anunciava que os gregos tinham vencido os persas, Pheidippides percorreu essa distância enorme e depois de dizer a palavra "Vencemos", caiu morto.
"Quando cheguei à meta, o gesto que eu fiz com o meu braço foi como que a dizer: 'Esta é minha, ninguém ma tira'"
Carlos Lopes não esquece a importância do primeiro ouro olímpico. "Naquela altura, o país ainda não tinha condições para ter um campeão olímpico. Só muito querer e muita teimosia do atleta podiam levar avante esse objetivo. A partir do momento em que eu ganhei, as dúvidas dissiparam-se e as pessoas começaram a acreditar mais. E hoje temos o desporto que temos e jovens que acreditam cada vez mais nas suas capacidades", nota.
Alguns dias depois da prova, o homem da Maratona foi recebido com toda a pompa e circunstância pelo então primeiro-ministro, Mário Soares e condecorado em 1984 com a Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Volvidos quase 37 anos, são muitos os portugueses que fazem questão de contar a Carlos Lopes onde estavam durante a madrugada do dia 12 de agosto de 1984: "Ainda hoje agradecem-me por aquele feito. São acontecimentos que marcam as pessoas. Não é para me gabar, mas acho que foi das provas mais perfeitas e mais bem conseguidas da história da maratona em Jogos Olímpicos. E saber que muita gente parou para assistir àquele momento, é porque também acreditava no que iria acontecer."
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