A organização de direitos humanos Freedom House considera que o uso do desporto para 'polir' a imagem de regimes autoritários "é um desafio e provavelmente veio para ficar", disse à Lusa a analista de investigação Cathryn Grothe.

Ao analisar este fenómeno de "branqueamento de imagem" através do desporto, Cathryn Grothe frisou que o Qatar "não é o primeiro regime repressivo" a organizar um grande evento desportivo ou cultural internacional, "e não será o último".

De acordo com a organização sem fins lucrativos Human Rights Foundation, especializada em regimes autoritários, a prática de Estados repressivos de sediar eventos desportivos de prestígio, adquirir clubes desportivos ou atrair celebridades e atletas para melhorar a sua imagem pública voltou em força após a pandemia da covid-19, avaliando que "a maioria das instituições desportivas e atletas escolhem o ganho financeiro em vez da defesa dos valores morais".

Entre exemplos de países que enveredam por essa prática, a Human Rights Foundation destacou, entre outros, os Emirados Árabes Unidos - cuja família real é dona do clube de futebol Manchester City -, que, durante anos, usaram a sua parceria com o 'Ultimate Fighting Championship' (UFC) para acolher lutas de artes marciais mistas (MMA) "para ocultar a repressão doméstica", a Bielorrússia, coanfitriã do Campeonato Mundial de Hóquei no Gelo de 2021, ou a China, que acolheu os Jogos Olímpicos de inverno em 2022.

Questionada sobre a presença de vários líderes mundiais defensores de direitos humanos no Mundial de Futebol da FIFA no Qatar, Cathryn Grothe, analista de investigação para o Médio Oriente e Norte da África da Freedom House, organização fundada nos Estados Unidos em 1941, defendeu que "cabe aos participantes não ignorar as injustiças e violações esmagadoras que ocorrem nos bastidores".

Segundo a Freedom House, os direitos humanos básicos, como liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de associação, são severamente restringidos no Qatar, Estado classificado como "não livre" num estudo anual de direitos políticos e liberdades civis feito por esta organização sem fins lucrativos com sede em Washington.

Enquanto os cidadãos do Qatar estão entre os mais ricos do mundo, 90 por cento da população do país é composta por não-cidadãos, incluindo expatriados e trabalhadores migrantes, bem como alguns residentes apátridas, que não têm direitos políticos ou oportunidades eleitorais, e têm acesso limitado a oportunidades económicas, segundo a organização.

Leis discriminatórias corroem ainda mais as liberdades civis de mulheres, trabalhadores migrantes e pessoas LGBT (sigla para Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero), enquanto aqueles que criticam o Governo, incluindo ativistas e jornalistas, receberam duras sentenças de prisão, "muitas vezes após julgamentos injustos".

"Embora o Mundial de Futebol tenha atraído a atenção internacional para o péssimo histórico de direitos humanos do Qatar, essa repressão sistémica das liberdades fundamentais não é nova, infelizmente", frisou Grothe.

A análise da Freedom House mostra que a situação dos direitos humanos não só não melhorou, como regrediu desde que o Qatar conquistou o direito de sediar o Mundial, em 2010.

"Recentemente, um tribunal criminal no Qatar condenou à prisão perpétua vários ativistas de direitos humanos simplesmente pelo seu envolvimento em protestos pacíficos. Certas práticas, como a exploração do trabalho migrante, também permaneceram incrivelmente preocupantes, principalmente na preparação para os jogos", indicou à Lusa Cathryn Grothe.

Como exemplo, a analista apontou os milhares de trabalhadores migrantes que morreram no Catar desde que o país ganhou a organização do campeonato mundial do futebol, o que levou os defensores dos direitos humanos a pedirem à FIFA que providencie recursos financeiros para as famílias das vítimas.

"Enquanto os olhos do mundo estiverem voltados para o Qatar, a Freedom House e organizações semelhantes aproveitarão esta oportunidade para destacar os abusos que acontecem no país – contra mulheres, indivíduos LGBTQ, trabalhadores migrantes e outras populações marginalizadas", concluiu.

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