A guerra no Médio Oriente voltou a estar na ordem do dia, depois de o grupo islâmico palestiniano Hamas ter lançado, no último sábado, um ataque surpresa contra o território israelita, com o lançamento de milhares de foguetes e a incursão de milicianos armados por terra, mar e ar, causando mais de mil mortos. O grupo fez mais de uma centena de reféns, civis e militares, que levou para a Faixa de Gaza, de acordo com uma alta patente militar israelita.
Em resposta ao ataque surpresa, Israel bombardeou a partir do ar várias instalações do Hamas na Faixa de Gaza, que causou a morte de mais de 900 pessoas em Gaza, de acordo com os balanços mais recentes.
Este conflito, que se arrasta há mais de cem anos, tem tido repercussões no desporto, principalmente sobre equipas e atletas palestinianos, impedidos por Israel de se movimentarem no território palestiniano e para fora.
A 03 de julho de 2019, por exemplo, a final da Taça da Palestina foi adiada por falta de autorização das autoridades israelitas para que os jogadores da Faixa de Gaza pudessem deslocar-se para Nablus, na Cisjordânia ocupada. Na segunda-mão da prova, o vencedor da Taça de Gaza, o Khadamat Rafah, deveria defrontar o vencedor da Taça da Cisjordânia, o Balata FC, depois de na primeira, disputado na Faixa de Gaza, se ter registado um empate a um golo.
O pedido para que uma comitiva de 35 pessoas efetuassem a viagem foi negada por Israel, que apenas deu quatro autorizações, três delas para dirigentes do Khadamat Rafah.
A Taça da Palestina esteve 15 anos sem ser disputada pelo facto de as autoridades israelitas não concederem autorizações para os jogadores palestinianos se deslocarem e só foi retomada em 2015 na sequência de uma intervenção da FIFA.
As imposições de Israel impedem a Palestina de ter uma liga própria. Por isso, são realizadas torneios nos territórios palestinianos, em Gaza, West Bank e na Cisjordânia, e, no final, os vencedores de cada um jogam entre si para se encontrar o campeão.
Por questões de segurança, a FIFA não tem permitido à seleção da Palestina que jogue perante os seus adeptos. Os jogos da seleção palestiniana, na condição de visitante, têm sido realizados na Jordânia.
O primeiro jogo internacional de sempre da Palestina realizou-se em 2008, frente à Jordânia.
Seleção da Palestina: crescer no meio do cerco
Apesar das dificuldades impostas por Israel, o futebol na Palestina tem vindo a crescer, graças ao trabalho do selecionador Makram Daboub, tunisino que comanda a seleção palestiniana desde 2021. O técnico qualificou a seleção para a Taça da Ásia 2023, que se realiza em janeiro de 2024, algo que aconteceu pela terceira vez consecutiva. Com ele, a seleção palestiniana fez apenas nove jogos (quatro vitórias) desde 2021.
Filiada na FIFA desde 1998, só em 2021 a seleção recebeu o seu primeiro jogo de sempre de qualificação para um Mundial. Em setembro, o Estádio Faisal al Huseini, próximo de Jerusalém, foi palco do embate diante dos Emiratos Árabes Unidos, encontro do Grupo A da zona asiática de apuramento para o Mundial2018.
O primeiro grande feito da seleção foi conseguido em 2014, quando a Palestina venceu as Filipinas por 1-0, na final da AFC Challenge Cup e qualificou-se pela primeira vez na sua história para a Taça da Ásia de futebol.
O argelino Noureddine Ould Ali, atual diretor de futebol da Palestina e anterior selecionador do país, contou em julho de 2022 ao 'The Guardian' como era difícil fazer as convocatórias.
"Imagina que Gareth Southgate [selecionador inglês] tinha metade dos seus jogadores em outra cidade e eles não podiam juntar-se à outra metade. Ou que havia postos de controle entre Liverpool e Manchester e alguns jogadores convocados são impedidos de passar. Isto é o que se encontra quando se é selecionador da Palestina", começou por explicar.
"As pessoas da Palestina não tem liberdade de movimentos. Se quiseres sair, tens de passar por um grande número de postos de controle e, se passares por eles todos, tens ainda de passar pela fronteira. No pior dos cenários, nem passas nos postos de controle, no melhor cenário possível, passas mas isso demora cinco a oito horas até ao aeroporto. Depois tens de apanhar um voo até ao país onde vais jogar", completou.
Em 2017, 18 membros da seleção palestiniana não puderam viajar para Singapura para um jogo de qualificação para o Mundial2008, depois de serem impedidos de viajar por parte de Israel. A FIFA decretou derrota da Palestina por 3-0.
Crescer e evoluir como equipa perante tantos problemas é um desafio, tanto para os selecionadores como para os jogadores.
"Muitos futebolistas perderam a vida às mãos dos soldados israelitas. Dezenas foram presos ou feridos, algo que os impede de jogar futebol", declarou.
Foi o caso de Mahmoud Sarsak, futebolista preso sem direito a julgamento, acusado de fazer parte de grupos extremistas. Sarsak fez uma greve de fome de 80 dias na prisão.
Em 2009, os jogadores Ayman Alkurd, Shadi Sbakhe e Wajeh Moshtahe foram mortos depois de o estádio onde estavam a jogar ter sido bombardeado por Israel. Em 2022, Ahmed Daraghmeh, uma das promessas do futebol local, foi morto pelo exército israelita.
Todos os palcos são campos de batalha
A guerra entre Israel e Palestina também ocorre na cena internacional, com pressão de ambos os lados sobre os organismos que regem o desporto mundial.
Em 2018, por exemplo, a seleção Argentina de futebol foi obrigada a suspender um particular que tinha agendado contra Israel em Jerusalém, após várias pressões de organizações na Argentina e em Espanha, onde a seleção sul-americana tinha estado a treinar, manifestaram-se contra a realização da partida.
Antes, dezembro de 2017, a Liga norte-americana de basquetebol (NBA) foi obrigada por Israel, a corrigir uma notícia no seu site oficial, de uma menção a Território Ocupado da Palestina, na lista de países dos internautas de todo o mundo que elegem os jogadores para o 'All Star Game'. O site em inglês foi modificado para "Territórios palestinianos".
Na altura o ministro israelita dos desportos, Miri Regev referiu-se à Palestina como um "estado imaginário" e considerou que a palavra "ocupado" é suscetível de "causar dano e distorcer os factos e a realidade histórica".
O mesmo problema se tinha verificado um mês antes, quando a organização da Volta a Itália em bicicleta foi obrigado a ceder perante a exigência do governo de Israel, alterando, na sua página oficial em inglês, a designação de Jerusalém Ocidental por Jerusalém. No sítio oficial do Giro em inglês, apresentava Jerusalém Ocidental como ponto de partida da 101.ª edição da prova.
Jerusalém Oriental, a parte palestina da cidade, está ocupada desde 1967 e foi anexada em 1980 pelo Estado israelita, que proclamou a cidade como a sua capital indivisível. A anexação de Jerusalém Oriental não é reconhecida pela Organização das Nações Unidas (ONU).
O conflito israelo-pelestiniano arrasta-se para lá das fronteiras do Médio Oriente. Atletas de países que apoiam a Palestina, como são os casos do Irão, dos Países da Liga Árabe e da Organização para a Cooperação Islâmica, tem-se recusado enfrentar desportistas de Israel em provas individuais
Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, disputados em junho de 2021, o judoca sudanês Mohamed Abdalrasool abandonou a competição de -73kg antes do combate com o israelita Tohar Butbul, sem dar qualquer justificação, tornando-se no segundo atleta a evitar um confronto com o israelita.
Antes, o argelino Fethi Nourine foi obrigado a entregar a sua credencial e deixar os Jogos Olímpicos Tóquio2020, depois de ter renunciado à competição, perante a possibilidade de defrontar o mesmo judoca israelita, em "apoio à causa palestina".
Também nos Mundiais de 2019, Nourine tinha-se retirado da competição quando deveria defrontar Butbul.
Estes casos repetem-se com atletas do Irão, por exemplo, que se recusam enfrentar desportistas de Israel.
Fogo cruzado entre Israel e Palestina, com FIFA pelo meio
Os dois países tem esgrimido argumentos na FIFA, organismo máximo do futebol mundial, com queixas de parte a parte. Em maio de 2017, a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) criticou a FIFA pela decisão do organismo de adiar a votação do relatório que pedia a suspensão das equipas israelitas e acusou o organismo de ceder a pressões políticas.
Na base do pedido da Palestina estava o facto de cinco equipas de Israel (Beitar Ironi Maale Adumim, FC Ironi Ariel, Hapoel Oranit, Bikat Hayarden e Beitar Givat Zeev Shabi) sediadas em território palestiniano competirem na liga israelita, algo que viola o artigo 72 dos estatutos da FIFA, que estabelece que "as associações membro e os seus clubes não podem jogar no território de outra associação membro sem a sua aprovação".
Na altura foi elaborado um relatório por Tokyo Sexwale, chefe da Comissão de observação estabelecida pela FIFA para analisar as petições palestinianas contra Israel. Após analisar as reivindicações palestinianas, Tokyo Sexwale propôs um prazo de seis meses à Associação Israelita de futebol para retirar as seis equipas da liga israelita sediadas em território palestiniano.
O jornal israelita Haaretz deu conta nessa data de um telefonema de Netanyahu, à a data primeiro-ministro israelita, a Infantino, pedindo-lhe que afastasse de votação o pedido de sanções e suspensão DAS equipas israelitas oriundas de colonatos no território palestiniano da Cisjordânia.
Para o Observatório de Direitos Humanos (HRW), a FIFA estava a caucionar aquilo a que chamou "roubo" de terras palestinianas, ao aceitar que jogos organizados pela Federação israelita de futebol se disputem nas colónias estabelecidas na Cisjordânia.
"A FIFA está a patrocinar jogos em colonatos israelitas na Cisjordânia, em territórios ilegalmente retirados aos palestinianos", concluiu a ONG. Para a HRW, os colonatos judeus "são ilegais à luz da lei humanitária internacional, porque a transferência da população civil do poder ocupador no território ocupado viola a quarta Convenção de Genebra e é um crime de guerra", acrescentando que os colonatos são construídos em terras retiradas aos palestinianos, o representam uma violação dos direitos humanos.
A mais recente guerra entre Israel e o Hamas provocou mais de 1.200 mortos do lado israelita e 950 em Gaza desde sábado, segundo dados atualizados hoje pelas duas partes.
O atual conflito também originou mais de 260 mil deslocados na Faixa de Gaza, um pequeno território de 2,3 milhões de habitantes controlado pelo Hamas desde 2007.
Esta quarta-feira, a seleção de futebol da Palestina retirou-se da Taça Merdeka 2023, um torneio amigável organizado pela Malásia, que começa na sexta-feira, devido à guerra entre Israel e o grupo islamita Hamas. A seleção palestiniana, uma das três equipas convidadas para a prova, foi forçada a retirar-se "por não poder voar para Kuala Lumpur devido à situação tensa no país".
Em novembro, a Palestina tem agendados dois jogos de qualificação para o Campeonato do Mundo de 2026 com o Líbano (fora, a 16) e com a Austrália (em casa, a 21).
A Palestina, cuja federação foi criada em 1928, jogou e falhou a qualificação para o Mundial de 1934, tendo depois estado 60 anos fora da FIFA. Em 1998, voltou a integrar o organismo máximo do futebol mundial.
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