Portugal tem encontro marcado com a seleção da Arábia Saudita numa partida particular onde, para além do desporto, há uma componente solidária para com as vítimas dos incêndios em Portugal. Frente à formação saudita, o conjunto de Fernando Santos vai enfrentar uma equipa que assegurou a presença no Campeonato do Mundo, mas cujo futebol é praticamente desconhecido em Portugal.
Afinal de contas como é que o futebol é vivido na Arábia Saudita? Como é que o encontro contra a seleção portuguesa está a ser recebido? O SAPO Desporto esteve à conversa com Gonçalo Cruz, um treinador que, há quatro meses, se aventurou e deixou o futebol português para aceitar um trabalho na formação saudita do Al Batin F.C, um dos emblemas que milita na Primeira Liga Saudita.
Em entrevista ao SAPO Desporto, o técnico português revela que a Arábia Saudita é um país apaixonado por futebol que vive o momento em detrimento do planeamento. Há, no entanto, semelhanças com tantas outras culturas de desporto.
“O futebol aqui é o Desporto número 1. Os sauditas são malucos por futebol. Os cafés estão cheios quando joga o Barcelona ou o Real Madrid. São fanáticos pelos dois. A nível interno, vivem o momento e não pensam a longo prazo. Aqui se ganhas três jogos seguidos és o maior, e é para ser campeão claramente, se perdes dois jogos não vales nada e já devias ter ido embora”.
Apesar de estar há apenas quatro meses na Arábia Saudita, Gonçalo Cruz admite já ter visto situações que pensava ser inimagináveis no mundo do futebol. Já todos vimos adeptos deixarem o estádio antes do apito final, mas na Arábia Saudita há adeptos que abandonam o reduto a meia hora do fim do jogo.
“Vi um jogo onde uma equipa estava a ganhar 1-0 aos 15 minutos e aos 60 minutos estava a perder 2-1…. o estádio ficou vazio com 30 minutos ainda por se jogar… Quando ganhas é uma festa enorme: vão em cima dos carros e festejam, apitam, dançam. Quando perdes o ambiente torna-se super pesado em volta da equipa".
Sobre o encontro entre Portugal e a Arábia Saudita, Gonçalo Cruz revela que é visto com bastante antecipação por parte dos habitantes sauditas em Hafar Al Batin, cidade onde habita desde que deixou território luso. As ausências de Cristiano Ronaldo e Ricardo Quaresma tiraram algum entusiasmo, mas a fé num triunfo da Arábia Saudita sobre a seleção campeã da Europa continua a pairar pela cidade saudita.
“Há duas semanas que todos vão ‘picando’ a dizer que a Arábia Saudita vai ganhar a Portugal. Eu respondo-lhes a dizer que até podem marcar um golo, mas que não vão ganhar. Eles têm muita pena não poderem ver o Ronaldo e o Quaresma porque queriam jogar contra o melhor Portugal. Querem muito que Portugal e Arábia Saudita fiquem no mesmo grupo no Mundial”.
Sauditas com fé numa Arábia Saudita...campeã do Mundo
A Arábia Saudita é uma das seleções que assegurou a presença no Campeonato do Mundo da Rússia 2018. O apuramento da seleção saudita ficou consumado sem necessidade de play-off e estão seguros na fase de grupos do Mundial. O apuramento direto para a prova foi vivido de forma intensa e relatado na primeira pessoa.
“O apuramento aqui foi quase feriado nacional. No dia do jogo decisivo tínhamos treino, mas quase não apareceram jogadores como é óbvio. Estavamo todos ligados à televisão. Então, como se diz em Portugal, 'fechámos a loja' e fomos ver o jogo que poderia dar o apuramento. O resultado caiu a favor e houve muitos festejos na rua. Por eles, a Arábia Saudita é candidata a vencer o Campeonato do Mundo. É como lhe digo, gerir expectativas aqui não é fácil…”.
A Arábia à atenção de Fernando Santos
O futebol saudita não traz muitas referências históricas e é uma incógnita para muitos que vão estar em Viseu a ver o encontro entre Portugal e a formação Saudita. Gonçalo Cruz dá uma pequena explicação sobre o que Fernando Santos pode encontrar perante os sauditas.
“Podem esperar uma equipa que nos duelos individuais é muito forte. Eles são muito intensos nesse aspeto, uma equipa que devido aos jogadores terem passado em clubes com treinadores estrangeiros, que colocam organização nas suas equipas, já tem outra cultura e conhecimento tático”, começa por explicar.
Em termos de forma de jogar, o técnico português aposta num modelo de transições rápidas para tentar explorar a velocidade e a incapacidade de ter um jogo ofensivo organizado. Há menos pressão por não terem de assumir o jogo e isso pode ser um fator positivo que Portugal terá de ter em conta.
“O selecionador é estrangeiro, mas não acredito que vão arriscar muito. Vão optar por baixar as linhas e, esporadicamente, tentar jogar em transições. A Arábia Saudita não consegue jogar em organização ofensiva. Eles jogam muito melhor contra equipas onde não têm de assumir o jogo. É nisso que Portugal e Fernando Santos tem de estar alerta”.
A vida de um português na Arábia Saudita
Mudar de Portugal para a Arábia Saudita não é uma decisão fácil de ser tomada. O caso de Gonçalo Cruz envolveu um desafio pessoal e uma ideia pré-definida de que o sucesso num país como a Arábia Saudita é sinal de que há qualidade para ser bem-sucedido em qualquer país.
“Sempre quis desafiar-me a mim mesmo como treinador noutros países e esta pareceu-me a oportunidade indicada, porque é um país com muitas especificidades. A Arábia Saudita é um país que ama o futebol, mas que apenas vive o momento. É difícil ser treinador pelo que sei que vou crescer como técnico e como pessoa. Se consigo trabalhar na Arábia Saudita, consigo trabalhar em qualquer lado do Mundo”.
Apesar das diferenças culturais, Gonçalo Cruz admite que foi bem-recebido e que o facto de ser de outro país não resulta num tratamento diferente. Em confidência, o treinador português diz que até lhe pergunta sobre FC Porto, Benfica e Sporting.
“Fui extremamente bem-recebido. Não tenho razões de queixa nenhuma do povo saudita. Então quando sabem que és treinador de futebol pedem para tirar fotos. Querem saber de Portugal, da nossa vida lá e perguntam pelo Benfica, Sporting e FC Porto”.
Portugal enfrenta esta sexta-feira a Arábia Saudita num encontro de preparação para o Campeonato do Mundo que se vai disputar na Rússia. Tanto a seleção nacional como a seleção saudita já garantiram presença na prova.
O encontro tem um cariz solidário para com as vitimas dos incêndios que afetaram a região de Viseu. Antes do arranque da partida, já estão garantidos 100 mil euros para ajudar na reconstrução da região.
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