O Feirense terá violado a lei sobre a transparência da titularidade do capital social das sociedades desportivas, pela ligação do presidente da SAD a uma plataforma de apostas desportivas, defende o advogado Gonçalo Almeida, especialista em Direito do Desporto.
Em causa está o empresário nigeriano Kunle Soname, detentor desde 2015 de 70% do capital da SAD do Feirense, da II Liga de futebol, que, segundo uma investigação do jornal Público divulgada em agosto, é também dono da Bet9ja, uma plataforma africana de apostas desportivas. O caso levou a Liga a pedir ao Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) a abertura de um processo de inquérito, formalizado em 04 de agosto.
“Atendendo a que a SAD em questão foi licenciada para efeitos de participação nas competições profissionais organizadas sob a égide da Liga, só posso colocar a possibilidade de tal informação ter sido omitida ou terem sido prestadas falsas declarações à Liga ou à sua comissão de auditoria”, afirma o jurista à Lusa.
Com o resultado do processo de inquérito ainda por conhecer, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, considerou, em entrevista ao Público na terça-feira, ser “inacreditável” uma ocorrência desta natureza face ao ordenamento jurídico atual.
Para Gonçalo Almeida, “a legislação é muito clara”, mas o caso de Kunle Soname e da SAD do Feirense vem reforçar a necessidade de “implementar critérios mais exigentes, do ponto de vista legislativo, quanto ao escrutínio de investidores e capitais” das SAD, em defesa da transparência e da “integridade das competições” desportivas.
“O artigo 16.º da lei 101/2017 estabelece o regime de incompatibilidades, ou seja, veda a administração ou gerência das sociedades desportivas a pessoas com ligação a empresas ou organizações que promovam, negoceiem, organizem, conduzam eventos ou transações relacionadas com apostas desportivas. Nesse contexto, terá havido, efetivamente, uma violação da legislação em vigor”, explica.
De acordo com Gonçalo Almeida, a argumentação da SAD do clube de Santa Maria da Feira – que justificou em comunicado que o milionário nigeriano “nunca foi administrador de facto e nunca exerceu a gestão da Feirense SAD, nem nunca foi designado como administrador executivo da Feirense SAD” – “não tem acolhimento” a nível jurídico.
“A questão de ser administrador de facto, executivo, presidente do conselho de administração ou estar ou não ausente do país torna-se irrelevante. Não tem acolhimento do ponto de vista legal; se a lei estabelece um regime de incompatibilidade em que proíbe que estas pessoas estejam relacionadas com apostas desportivas e exerçam cargos de administração ou gerência nas SAD, é indiferente se é administrador executivo ou não”, sustenta.
O advogado, que trabalhou para a FIFA entre 2001 e 2006, aponta como explicação para os sucessivos licenciamentos da SAD do Feirense para as competições profissionais dos últimos anos a ausência de uma “fiscalização suficientemente aprofundada” por parte da Liga “para confirmar a informação providenciada”, embora reconheça que o organismo presidido por Pedro Proença tem limitações a esse nível.
“No âmbito da fiscalização, creio que a Liga tem envidado todos os esforços no sentido de melhor escrutinar capitais e pessoas, mas, eventualmente, faltar-lhe-ão os meios essenciais e necessários para o efeito”, nota Gonçalo Almeida, sublinhando que “tem havido um esforço notório com vista a escrutinar melhor estas situações” nas derradeiras épocas: “A falta de meios fala em abono da Liga. É uma questão que a Liga não pode controlar a 100 por cento”.
Independentemente deste imbróglio, a equipa do Feirense tem estreia marcada na nova temporada da II Liga de futebol já para esta sexta-feira, ao receber em Santa Maria da Feira o Desportivo de Chaves, às 20:00.
Kunle Soname, de 54 anos, comprou a maioria do capital social da SAD do Feirense em 2015 e tornou-se responsável pelo futebol profissional do clube. O nigeriano foi o primeiro africano a adquirir a maioria do capital de um clube europeu.
Comentários