O ex-candidato à presidência do Sporting de Braga António Pedro Peixoto mostrou-se hoje “preocupado” que, com a entrada do fundo Qatar Sports Investment na sociedade anónima desportiva (SAD), os bracarenses possam perder os seus princípios.
“Tendo em conta que é um fundo do Qatar, mas podia ser de outro país qualquer, e tendo em conta que somos todos contra qualquer violação dos direitos humanos, temos de estar atentos ao que este fundo quer, quais são as suas intenções, como vai ser o futuro e saber se quer ter a maioria. Eu, como muitos associados, não quero ser campeão a todo o custo. Se for para este fundo tomar conta do nosso clube e, com isso, perdermos os princípios de igualdade que, desde sempre, estiveram na base deste clube, prefiro lutar na segunda divisão do que ser campeão”, afirmou à agência Lusa o também antigo atleta do clube.
Em 10 de outubro foi tornada pública a entrada da Qatar Sports Investments (QSI), que detém o Paris Saint-Germain (PSG), subsidiária do Qatar Investment Authority, o fundo soberano estatal do Qatar, na SAD bracarense através da compra das ações da Olivedesportos, do empresário Joaquim Oliveira, num total de 21,67% do capital social da sociedade anónima minhota.
Três dias depois, os adeptos do Sporting de Braga presentes no jogo com o Union Saint Gilloise, na Bélgica, referente à quarta jornada do Grupo D da Liga Europa, deixaram bem explícito serem contra a entrada do fundo do Qatar ao exibirem uma tarja com uma mensagem escrita em inglês – ‘Qataris slavers are not welcome’, que pode ser traduzida como ‘traficantes de escravos do Qatar não são bem-vindos'.
António Pedro Peixoto, último sócio do Sporting de Braga que se opôs a António Salvador num ato eleitoral, em 2017, tendo obtido cerca de um terço dos votos (32,5 %), apontou a venda das ações da autarquia local, processo concluído em 2017, como ponto fulcral em todo o processo e que pode ditar, a qualquer momento, a ascensão a acionista maioritário do fundo.
“Isto começa mal, vou repeti-lo sempre, com o maior erro da história do Sporting de Braga que foi esta administração não ter comprado as ações da câmara [municipal de Braga, 17 % do capital social] e neste momento tínhamos a maioria. 200 mil euros foi o que custou ao Braga não ter a maioria, resta saber por que não quis. Veio um fundo [Sundown Investments Limited] que também ninguém sabe de quem é, e comprou essas ações”, lembra.
António Pedro Peixoto considera que o clube deve tomar posição pública em relação ao tema “afastando-se de qualquer entidade que viole os direitos humanos: se não for a SAD, pelo menos o clube, porque ainda é nosso”.
Notando ser esta a sua área do Direito, o advogado lembra que a QSI até já pode ter a maioria “porque, em vez de comprar as ações, pode comprar os fundos que têm essas ações”.
“Claro que estou preocupado. Há muitas pessoas entusiasmadas, porque pode haver uma injeção de capital, e com certeza que vai haver, mas isso a mim não chega: se isso trouxer atrás a violação dos princípios que sempre tiveram na base desta instituição, não quero ser campeão assim”, reforçou.
Já Miguel Pedro Guimarães, antigo presidente da mesa da assembleia-geral da SAD do Sporting de Braga, frisa à Lusa que, como adepto não o incomoda “minimamente” a entrada do fundo proveniente do Qatar.
“É um sinal de pujança da SAD na sua dimensão competitiva, da sua sustentabilidade financeira e, principalmente, da sua capacidade na formação, que penso que foi o principal chamariz do fundo”, disse.
O conhecido adepto do Sporting de Braga mostra, contudo, preocupação, como “cidadão do mundo”, que “existam países como o Qatar, Arábia Saudita, Irão, Polónia, Hungria, ou como partes do Brasil e dos Estados Unidos”, locais em que “os direitos não são respeitados, sejam os das minorias, os de expressão ou os da comunicação social”.
O antigo dirigente disse não ver que a associação do Sporting de Braga ao QSI possa prejudicar a imagem dos ‘arsenalistas’.
“Como não prejudicou a do PSG, a do Manchester City e outros que são detidos por fundos semelhantes. Como adepto de futebol, a existência de fundos de investimento também me preocupa porque é a financeirização do futebol, mas isso é o mundo em que vivemos em que o setor financeiro tomou conta da economia”, disse.
Considerando que a administração liderada por António Salvador não deve tomar uma posição pública sobre o tema, nomeadamente a favor dos direitos humanos - “a administração deve administrar” -, para Miguel Pedro Guimarães “esta questão só é colocada porque existe um Mundial no Qatar, porque esses fundos já existiam e já tinham comprado clubes. O que está mal foi terem escolhido um país como o Qatar como uma montra do futebol, sem isso estas questões nem existiam”, concluiu.
A Lusa contactou o Sporting de Braga, mas até ao momento o clube não respondeu.
A escolha do Qatar como sede da Campeonato do Mundo suscitou duras críticas devido às suas políticas internas restritivas em relação aos direitos humanos, às liberdades individuais, aos direitos dos trabalhadores e ao respeito às minorias.
Diferentes organizações não-governamentais (ONG) internacionais, como a Amnistia Internacional (AI) ou a Human Rights Watch (HRW), denunciaram a situação dos direitos humanos no país árabe, com base em exaustivas investigações e numerosas fontes.
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