A qualidade futebolística exposta na edição 2021/22 da I Liga foi influenciada pela estabilidade técnica dos 18 clubes, examina o treinador João Henriques, reparando num “fosso ainda maior” entre o ‘top 4’ e a restante concorrência.

“A menor qualidade é muito explicada pela classificação, que ajuda a dar tranquilidade a atletas e equipas técnicas, e pela instabilidade a nível de despedimentos de treinadores. Não digo que estes tenham receio de ser despedidos. Agora, quando uma equipa altera duas ou três vezes, a qualidade de jogo nunca pode ser consistente. Os clubes que não trocaram de treinador tiveram sucesso esta época”, expressou à agência Lusa o técnico.

Depois da ausência de ‘chicotadas’ ao longo das oito primeiras jornadas do campeonato, cenário que já não sucedia há quase 20 anos, desde 2002/03, metade dos 18 emblemas foram contribuindo para 12 trocas técnicas, uma das quais efetuada já na segunda volta.

“O Sérgio Conceição é o treinador que está há mais tempo numa equipa da I Liga e foi campeão nacional [pelo FC Porto]. O Rúben Amorim vem da continuidade de um projeto [no Sporting]. Quem ficou de fora da luta pelo título foi o Benfica, que trocou de treinador. A tendência estende-se aos restantes clubes que lutaram pelo acesso às competições europeias. Sporting de Braga, Gil Vicente e Vitória de Guimarães não mudaram”, notou.

Descontando interinos, Santa Clara e o despromovido Belenenses SAD recorreram a três treinadores em 2021/22, tal como o Moreirense, que ainda terá de disputar o ‘play-off’ de manutenção a duas mãos e foi orientado por João Henriques da primeira à 12.ª jornadas.

“As três equipas que ficaram nos últimos lugares também trocaram de treinador. Não é possível apresentar grande qualidade de jogo, pois há muitas trocas e ideias diferentes e não se dá continuidade a nenhum projeto. Não há projetos, mas tentativas avulsas de se procurar resolver a situação no imediato. Não se pensa a médio e longo prazo”, alertou.

O treinador natural de Tomar admite que é “responsabilidade de jogadores, treinadores, árbitros e Liga de clubes” cooperarem “em prol de soluções” que elevem os padrões de qualidade de um dos campeonatos europeus com menor tempo útil de jogo, cuja média é e 57 minutos e nove segundos, segundo um estudo do Observatório do Futebol (CIES).

“Esta época senti na pele um encontro [à terceira ronda] em que perdíamos 0-2 face ao Sporting de Braga e fizemos o 2-2. Naquele momento, seria muito fácil deixar de haver jogo para o resultado ficar assim, mas quisemos ganhar e acabámos por perder 2-3 aos 90+5 minutos. Isso tem vantagens e desvantagens, mas precisamos que seja valorizado. Há jogadores, treinadores e árbitros com qualidade. A Liga de clubes tem de continuar a fomentar isso, exigindo esse tipo de jogo que venda e promova a competição”, sugeriu.

Instando a traçar os destaques da 88.ª edição da I Liga, João Henriques enalteceu que o campeão FC Porto e o Sporting, anterior detentor do cetro, estiveram “muito bem” na luta pelo título, sublinhando ainda o quinto lugar “muito meritório” do Gil Vicente, coroado com a primeira presença dos minhotos nas provas continentais, via Liga Conferência Europa.

Já o Benfica virou “desilusão”, ao repetir o terceiro lugar de 2020/21 e falhar novamente a entrada direta na fase de grupos da Liga dos Campeões, sendo seguido por Tondela e Belenenses SAD, “os menos competentes ao longo da época”, que desceram à II Liga.

“O fosso é semelhante a muitos outros campeonatos. Há sempre a sensação de que isso apenas existe em Portugal, mas não é facto. Diz-se que a Liga alemã é muito equilibrada e tem grande qualidade, mas o Bayern Munique foi campeão 10 vezes seguidas. Já na Liga inglesa, provavelmente a melhor do mundo, a diferença entre os clubes que lutam pelo título e alguns que seguem na zona europeia já vai em 30 e tal pontos”, comparou.

O antigo técnico de Paços de Ferreira, Santa Clara e Vitória de Guimarães, de 49 anos, assume que o FC Porto “foi a melhor equipa e um justo vencedor” da I Liga, beneficiando de “diferentes estratégias e jogadores” para aportar “várias formas de estar em campo”.

“Sou muito apologista do que o FC Porto fez, porque as minhas equipas trabalham dessa forma. Os jogadores estão bem identificados com o modelo e a filosofia. Depois, existem nuances táticas que se vão colocando de jogo para jogo, de acordo com aquilo que se quer e os atletas à disposição. Quando não temos um jogador, há que arranjar soluções para continuar a ser competitivos e a vencer os jogos. Por vezes, as características não são as mesmas e podemos potenciá-las de uma forma estratégica melhor”, constatou.

Além de destacar o espanhol Pablo Sarabia, do Sporting, “avançado de outro nível e com golo, que veio acrescentar muita qualidade ao campeonato”, João Henriques destrinçou nomes sonantes de um campeão nacional “muito valorizado individual e coletivamente”.

“Luis Díaz foi a afirmação da época do FC Porto e era claramente o melhor jogador da I Liga até sair. Mehdi Taremi e Otávio também foram importantíssimos. Já o surgimento de Vítor Ferreira e Fábio Vieira deu novas soluções à equipa para suplantar os adversários. Depois, existem aqueles que sabemos que são vitais num campeão. O Pepe traz aquilo que se pretende de um ‘capitão’ e parece que os anos não passam por ele”, finalizou.