Se em 2015 alguém dissesse a Édouard Mendy que iria vencer a Taça das Nações Africanas, a Champions, a Supertaça Europeia e um 'The Best' da FIFA, o próprio pensaria que seria coisa de malucos, longe dos seus sonhos. Por essa altura, o guarda-redes senegalês, agora com 29 anos, pensava seriamente em deixar o futebol, face à dificuldade em encontrar clube.
Com 22 anos e após ser dispensado do AS Cherbourg, equipa dos escalões inferiores de França, Édouard Mendy pensava que, se calhar, o seu futuro não estaria no futebol.
Senegal é campeão africano pela 1.ª vez
Foi até ao Centro de Empregos francês inscrever e quando disse que era futebolista e que procurava trabalho, recebeu a resposta que não esperava: "'Ah, se és futebolista, então não podemos ajudar-te'". Então pensei: 'já está, o que queria conseguir no futebol, é melhor esquecer isso tudo'".
Mas não desistiu. Lutou e só aos 24 anos conseguiu o seu primeiro contrato como profissional no Marselha B. Mudou-se depois para o Reims, em 2016/17, onde deu o ‘salto’ para a Liga francesa, mantendo-se três épocas no clube, antes de assinar na última pelo Rennes. Aí seria descoberto Petr Cech, antigo guardião do Chelsea que agora trabalha no scouting do emblema londrino. No emblema londrino, começou a fazer história pelas próprias mãos.
Édouard Mendy: uma história de superação
Édouard Mendy começou no futebol pela mão do pai, natural da Guiné-Bissau, que aos 7 anos o levou a um treino do Caucriauville, um clube de bairro em Le Havre. Seis anos depois, aos 13, foi chamado para os escalões de formação do clube. Aí, Mendy teve como concorrência Zacharie Boucher e ficou 'a aquecer o banco'.
O estatuto de suplente não agradou ao jovem guarda-redes que deixou o clube ao fim de um ano para ingressar no CS Municipaux Le Havre. Quando subiu ao escalão de sénior, Mendy mudou-se para o AS Cherbourg. No entanto, a vida acabaria por não se mostrar mais fácil no novo clube.
Como suplente, Mendy fez duas épocas pelo AS Cherbourg na terceira divisão do futebol francês. O clube desceu à quarta divisão e o guarda-redes passou a ser titular, mas não conseguiu evitar uma nova descida no final da época. Depois disto ficou desempregado.
Do desemprego à baliza do Chelsea
Com o AS Cherbourg na quinta divisão do futebol francês, Edouard Mendy foi aliciado por um empresário que lhe prometeu levá-lo para a terceira divisão do futebol inglês. Assim, o guarda-redes saiu do AS Cherbourg e recusou propostas de outros clubes gauleses. No entanto, a mudança para Inglaterra não chegou.
"Um agente deixou-me na mão. Eu tinha total confiança nele. Garantiu que eu iria assinar por um clube de Inglaterra. Eu só precisava ter paciência enquanto guarda-redes do clube da terceira divisão onde pela qual assinaria. Mas julho passou, depois agosto, tentei entrar em contato com ele e ele não respondeu", contou o próprio Mendy ao Le Parisien, em 2019.
Depois disso, o guarda-redes ficou desempregado. Mendy passou assim das balizas para a fila do centro de emprego, numa altura em que a namorada estava grávida do primeiro filho dos dois. Um amigo ofereceu-lhe trabalho na Normândia, onde Mendy nasceu, mas o jogador acabou por encontrar outro caminho.
Em 2014/2015, o guarda-redes regressou assim ao primeiro clube, o Le Havre, onde pediu para trabalhar com as reservas. Trabalhava no clube da parte da manhã e à tarde treinava no ginásio. Mas pouco depois tudo mudou. Mendy cruzou-se com Ted Lavie, um antigo treinador, e este decidiu ajudá-lo.
Ted Lavie falou com um amigo que treinava os guarda-redes do Marselha, que por acaso, estava à procura de um guardião para as reservas. Assim, Mendy viajou até Marselha onde fez uma semana de treino à experiência. Depois disso, ficou na equipa de reservas.
A chegada de Mendy ao Marselha coincidiu com a do treinador Michel, que chamou o jovem guarda-redes várias vezes aos treinos da equipa principal. De volta ao futebol, Mendy deu nas vistas na equipa de reservas e acabou por rumar ao Reims.
Depois de três anos no Reims, onde se tornou titular e ajudou o clube a subir à primeira divisão do futebol francês, foi contratado pelo Rennes. Aqui, um ano foi o suficiente para dar o tão esperado salto para a Premier League.
No Chelsea, Mendy era para ser o terceiro guardião, como explicou Petr Cech à BT Sports: "Tínhamos Kepa e Willy Caballero. Mas decidimos que, como o Kepa estava a passar por um momento difícil em que as coisas não estavam a dar certo para ele no campo, acrescentar outro guarda-redes ao nosso grupo e acordámos trazer o Edouard. E até agora tem-se saído muito bem. Vi trinta ou quarenta guarda-redes nos últimos meses e ele foi o que sempre esteve na minha cabeça", admitiu o antigo guarda-redes do Chelsea.
Entre duas seleções
Filho de pai guineense e mãe senegalesa, Édouard Mendy foi chamado à seleção da Guiné-Bissau para dois amigáveis em Portugal frente a Estoril Praia e Belenenses. Nesta altura, o guarda-redes aceitou o convite mas, mais tarde, quando foi novamente chamado, desta vez para o apuramento para o Taça das Nações Africanas, acabou por recusar.
"Quando a Guiné-Bissau me chamou para os dois particulares em Portugal o meu pai estava muito doente, quase a morrer, e eu quis dar-lhe essa alegria de jogar pelo país dele. Mas o meu sonho sempre foi representar a seleção do Senegal, de onde a minha mãe é natural", revelou, mais tarde, Mendy, citado pela imprensa nacional.
Um ano de sonho
Os 24 milhões de euros pagos pelo Chelsea parecia ser muito dinheiro para um guarda-redes que poucos conheciam. Em Stamford Bridge, o senegalês tinha a missão de estabilizar um posto muito criticado nos últimos anos, principalmente com Kepa Arrizabalaga, por quem o Chelsea pagou 80 milhões de euros em 2018 (guarda-redes mais caro da história).
No Chelsea, mostrou segurança e ajudou o clube a vencer a Liga dos Campeões em 2020/21, tornando-se assim no primeiro guarda-redes africano a prova. Titular em 12 jogos pelos londrinos na liga milionária, só sofreu golos em dois deles, ou seja, manteve a sua baliza a zeros em dez ocasiões.
Já em janeiro, foi eleito Melhor Guarda-redes do Mundo pela FIFA, à frente de Neuer e Donnarumma, tornando-se também no primeiro guardião africano a receber o galardão.
O prémio da FIFA chegou quando já estava nos Camarões, onde ajudou o seu Senegal a sagrar-se campeão africano pela primeira vez. Brilhou nos penáltis ao travar o remate de Mohanad Lasheen no desempate por penáltis, antes de Sadio Mane confirmar o triunfo. No final, foi eleito Melhor Guarda-redes da prova, onde manteve a baliza a zeros em três dos cinco jogos que disputou.
Além da Liga dos Campeões, da Supertaça Europeia e da Taça das Nações Africanas, o guardião senegalês de 28 anos poderá juntar mais um título à coleção em apenas um ano: o Mundial de Clubes, onde o Chelsea é o principal favorito a conquistar o troféu. Ainda tem a Taça da Liga, onde o titular tem sido Kepa mas é bem provável que Mendy possa somar minutos ainda na prova e somar mais um troféu.
Comentários