A grande surpresa desta fase da Liga dos Campeões não foi a Atalanta nem o Leipzig: o PSG de ontem superou por muito as expectativas que tinha sobre eles. Thomas Tuchel conseguiu convencer os seus jogadores da necessidade de se comprometerem defensivamente com o jogo, e depois deixou-os jogar. Não há, do ponto de vista ofensivo, nenhum padrão que se possa identificar de forma clara neste PSG que não o caos que Neymar, Mbappé e Di Maria provocam nas defesas contrárias. Por outro lado, do ponto de vista defensivo a equipa esteve sempre muito arrumada, e a estratégia de pressão superou durante toda a primeira parte a construção do Leipzig.
A forma como se distribuía em campo, e as indicações que os jogadores cumpriram à risca, foram a chave que anulou o jogo interior do Leipzig e a progressão em apoios frontais como tanto gostam.
Neymar tem como objectivo desincentivar a entrada da bola em Upamecano, central em evidência na construção da equipa alemã. Se a bola entrar nele, pressiona de forma a garantir que a bola é jogada para o lado esquerdo (onde o PSG está em igualdade numérica, e tem todas as referências adversárias controladas).
Di Maria e Ander Herrera têm como missão controlar 3 jogadores. Os dois colocam-se entre Klostermann, Angelino e Sabitzer ou Kampl – dependendo de qual dos dois médios do Leipzig ocupa o lado direito na saída de bola. Inicialmente, Di Maria divide entre central e lateral, e Herrera controla o médio. Mas se Di Maria salta na pressão de fora para dentro, orientando o guarda-redes (Gulasci) a jogar para o lado direito, Herrera divide entre o médio e o lateral.
Mbappé só tem de controlar Mukiele, partindo de dentro para o obrigar a jogar fora, onde Bernat controla o médio ala, e Marquinhos é o homem que sobra, e que controla os espaços nas costas dos médios. Dessa forma, o brasileiro não tem nenhuma referência individual, e consegue ajustar em caso de bola longa para uma segunda bola, ou sair em cobertura a qualquer um dos elementos do meio campo que pressiona.
Com os dois médios e os três avançados, o PSG foi capaz de dominar seis jogadores do Leipzig que se posicionavam para sair, e dessa forma conseguiu recuperar várias vezes a bola, e criar muita dificuldade na saída de bola que Nagelsmann preparou.
Com bola, só havia um critério: dois homens a prender a linha defensiva alemã (Di Maria e Mbappé), e Neymar com liberdade para aparecer como médio ofensivo, longe da referência dos centrais e a partir daí soltar a criatividade e liderar todos os ataques da turma de Páris.
As posições dos dois extremos da equipa de Tuchel podiam ser interiores, ou em largura, mas o fundamental era a profundidade, que iria permitir libertar espaço para que os centrais não tivessem Neymar como referência. O serviço que os avançados receberam foi extraordinário, e importa falar do jogo fabuloso de Herrera, Marquinhos, e sobretudo Paredes. A forma como conseguia esconder as suas intenções de passe e encontrar várias vezes Neymar entre linhas foi absolutamente fabulosa. O meio campo dos franceses dominou o jogo e não deu hipóteses com bola ou sem ela, ao Leipzig. Costuma-se dizer que os ataques ganham jogos e as defesas ganham campeonatos, sendo essa visão redutora, eu diria que o segredo de tudo é a forma como o meio campo liga os momentos ofensivos e defensivos, e é aí que se decidem a maior parte dos jogos. Ontem, o meio campo do PSG foi monstruoso.
Menção honrosa para Kimpembe que também fez um jogo extraordinário do ponto de vista defensivo, mas sobretudo com bola.
Houve ainda espaço para o génio do Neymar:
A dificuldade de execução (bola rápida e no ar), a velocidade a que ele intui que quer colocar a bola ali (se não a colocar de primeira fica apertado e provavelmente também Di Maria), a forma como consegue criar o que lhe vai no cérebro é ímpar. Está ao nível dos melhores dos melhores de sempre. Os comportamentos fora do campo, e o ter escolhido uma equipa que está sempre mais longe dos momentos de decisão da Liga do Campeões, têm-lhe tirado a notoriedade que deveria ter, tendo em conta toda a sua capacidade. Ainda assim, é o jogador mais decisivo da sua equipa, é que mais nos diverte, é o que faz mais miúdos quererem jogar futebol.
O PSG divertiu-se com bola e preparou-se bem sem ela. Thomas Tuchel gostou do que viu, e retardou ao máximo as substituições para que a equipa pudesse prolongar o estado emocional que vivia. Há um Bayern favorito na Champions, mas com esta mentalidade colectiva do PSG e com Neymar em campo, a final será sempre um jogo espetacular.
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