Tuchel deu-lhe liberdade e Neymar carregou o PSG até às meias

A estreia da final a 8 da Champions League em Lisboa trouxe um PSG-Atalanta onde pudemos observar uma super-exibição de Neymar. Num jogo que acabou por ditar a passagem do PSG às meias-finais da Champions, o sacrificado acabou por ser Gasperini e a sua equipa. A Atalanta mostrou alguns dos traços que marcam o seu futebol que apaixonou a Europa nesta peculiar época de 2020, mas acabou por realizar uma exibição aquém do esperado (ou pelo menos desejado por todos). Para isso em muito contribuiu a exibição espantosa de Neymar. Tuchel sabe que o brasileiro sente o jogo de uma maneira muito particular e que precisa de liberdade, tanto posicional como criativa, para expressar totalmente o seu futebol. E foi isso que o treinador alemão fez para o jogo frente à máquina goleadora de Bergamo, colocando Neymar no corredor central, com total liberdade para atuar na zona da bola.

Assim, a equipa parisiense apareceu no Estádio da Luz num 4x4x2 losango, atuando com 3 médios de características mais defensivas (Marquinhos, Herrera e Gueye) atrás do mago brasileiro. O PSG tentou jogar com as referências individuais características da Atalanta, com os médios interiores a abrir bastante e Marquinhos recuava para zonas próximas dos centrais e de Keylor Navas, criando assim espaço no corredor central onde aparecia Neymar. Os comandos de Tuchel tentavam, então, encontrar o brasileiro nesse espaço criado no corredor central através de bolas mais longas que, no entanto, dificultavam a recepção e perdiam algum do seu potencial.

Champions League na ELEVEN
créditos: Reprodução Imagem Eleven Sports

A Atalanta, no seu 3x5x2 com Pasalic no lugar habitualmente ocupado por Ilicic, ia apresentando os seus traços habituais, com a enorme mobilidade dos seus elementos e posicionamentos sempre agressivos, aparecendo, por exemplo, os laterais em zonas de finalização. E chega ao golo precisamente num lance onde o movimento de um dos centrais, neste caso Toloi, permite arrastar Bernat e criar espaço para Pasalic que finaliza, colocando a equipa italiana na frente da eliminatória.

Face à vantagem da Atalanta, os problemas do PSG ficaram (ainda) mais expostos: a utilização de 3 médios com características mais defensivas e o medo do PSG em perder a bola em zonas mais recuadas, trazia dificuldades para os parisienses terem bola e fazerem-na chegar a zonas mais adiantadas do terreno. Era frequente ver Neymar recuar em demasia para poder ter bola e conseguir ter impacto no jogo. Foi notória a ausência de Verratti neste capítulo. Também Icardi, encostado sobre o lado direito, participou muito pouco no jogo, quer com bola, quer sem ela. Porém, apesar de todas estas dificuldades, a Atalanta não voltou a incomodar e parecia estar mais interessada em defender a vantagem de um golo que em criar mais ocasiões.

Nesse sentido e aproveitando o recuo cada vez maior dos comandos de Gasperini, Tuchel acertou nas substituições, trocando os interiores e fazendo com que a bola chegasse com mais qualidade a Neymar em zonas mais adiantadas e colocou Mbappé, dando ao brasileiro finalmente alguém que realizasse movimentos em profundidade ou junto a um dos corredores. A sinergia entre o francês e o ex-Santos foi vital para a reviravolta ocorrida no marcador. Vital foi também Choupo-Moting, que substituiu o apagado e desajustado Icardi, oferecendo mais mobilidade e facilidade em cair num dos corredores. O alemão encontrou Neymar no primeiro golo e apareceu a finalizar a belíssima jogada do segundo, carimbando assim o passaporte para as meias-finais.

Em suma, um PSG com demasiado receio e praticamente reduzido ao génio de Neymar, que sofreu enquanto a Atalanta procurou o golo, mas que se soube transformar quando estes tentaram apenas segurar a vantagem. O segundo melhor do mundo carregou a sua equipa quanto pôde, mas foi a entrada de outros companheiros que permitiu dar o passo em diante.

O mais promissor treinador do mundo moldou o Leipzig até às meias-finais

No segundo dia da final a 8 da Champions League, o Leipzig derrotou o Atlético de Simeone no Estádio de Alvalade por 2-1. Num dos jogos à partida mais interessantes desta fase final, pelo confronto de estilos entre uma equipa mais ofensiva, fluída e de domínio da bola (Leipzig) contra um especialista em fases a eliminar, caracterizado por um bloco mais baixo, capaz de encurtar espaços e letal em transições.

A equipa de Nagelsmann entrou fiel a si mesma. Com uma enorme maleabilidade vimos Laimer ser lateral em organização ofensiva e médio centro em organização defensiva. Vimos Klostermann ser central durante a construção e lateral na hora de defender. Vimos Sabitzer actuar como médio ofensivo e médio centro. E um Kampl capaz de dominar o meio-campo defensivo sozinho. O Leipzig entrou então com um 4x2x3x1 para pressionar a saída de bola do Atlético. Este esquema permitia a Sabitzer e Nkunku posicionarem-se entre os laterais e o duplo-pivot espanhóis, exercendo assim pressão sobre ambos. Olmo ajudava a pressionar o médio do lado oposto quando a bola circulasse para um dos laterais, orientando a pressão. O Atlético demonstrava dificuldades em ter bola e a equipa alemã acabou por dominar a posse.

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Já com bola víamos o Leipzig organizar-se em 3x1x5x2. Angeliño projetava-se no corredor esquerdo, Laimer abria sobre a direita e Nkunku, Olmo e Sabitzer colocavam-se entre a linha média e a linha defensiva do Atlético. O Leipzig construía então com 3 elementos e apenas com Kampl à sua frente, criando uma espécie de losango. A intenção parecia ser clara: concentrar elementos sobre um dos lados para atrair o maior número de elementos do Atlético. Kampl aproximava-se dessa metade do campo, onde participava nas rotações sobre o corredor, com o lateral e o extremo desse lado e tinha um papel importante em garantir uma reação intensa à perda da bola. O objectivo passava agora por explorar o lado oposto, mais desprotegido, rodando rapidamente o centro de jogo. Neste capítulo foi importante o trabalho de Upamecano que adoptava posicionamentos mais adiantados e agressivos, permitindo circular rapidamente e manter o bloco muito subido. Quando a bola chegava ao corredor, destaque para a forma como procuravam realizar cruzamentos atrasados (principalmente Angeliño) como forma de evitar os confrontos aéreos com os centrais do Atlético. Os golos do conjunto alemão apareceram precisamente em lances em que podemos observar o que acabo de dizer. No primeiro, progressão de Halstenberg e grande concentração de elementos do Atlético sobre a direita, rapidamente conseguem girar para o lado contrário onde aparece Sabitzer a cruzar para uma posição ligeiramente mais atrasada e Olmo a finalizar. No segundo golo, um grande passe de Sabitzer encontra Angeliño na esquerda, o espanhol após imensas tentativas, volta a realizar um cruzamento atrasado para Tyler Adams concretizar o 2-1.

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Do lado do Atlético, viu-se uma equipa com problemas em ter o protagonismo do jogo e a ser controlada pelo adversário. Os madrilenos só pareceram acordar verdadeiramente para o jogo após se encontrarem em desvantagem, o que obrigou Simeone a procurar inverter o resultado. Para tal fez entrar João Félix para o lugar de Herrera, passando a apresentar quase um 4x2x3x1 com bola, com Koke e Saúl como médios centro e Félix a atuar na posição de nº 10, com bastante liberdade. O português caía maioritariamente sobre o corredor direito, onde A dupla largura de Lodi e Carrasco na direita foi importante para criar espaços para Félix, esticando a linha defensiva e libertando Llorente para atacar a profundidade no corredor oposto.. O português aproveitou e entrou muito bem, mostrando todo o seu talento, com jogadas de bom recorte técnico e na forma como conseguia combinar com os colegas. Inclusive o rendimento de Diego Costa, que vinha passando ao lado da partida, começou a subir, funcionando como pivot para combinar com o ex-Benfica. Foi assim o lance do penalty que resultou no empate da turma de Simeone.

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Porém, o treinador argentino após o golo do empate, pareceu ficar com mais medo de sofrer um golo do que procurar marcar outro. Tirou Diego Costa (que estava em crescendo), a equipa deixou de pressionar tão alto como vinha fazendo, permitiu ao Leipzig ter bola. Os alemães, por sua vez, voltaram a ir à procura do golo, mudaram mais uma vez o esquema tática, introduziu Schick para a frente de ataque e passou a actuar num 3x5x2, com Adams sobre a direita. A carga sobre a linha defensiva do Atlético resultou, com os dois avançados a “afundarem” a linha defensiva madrilena, e aparecendo Adams para finalizar o já referido cruzamento atrasado de Angeliño.

Em suma, uma vitória merecida de uma equipa alemã que se foi adaptando sempre muito bem ao que o jogo foi pedindo, com uma fluidez incrível com os jogadores a desempenharem inúmeras funções ao longo do jogo e que procurou sempre mais o golo. Uma equipa que parecia feita de plasticina, tal a forma como se foi moldando face às exigências do jogo (mas sem perder aquilo que a caracteriza, a cor e a textura), frente a um Atlético que só reagiu após estar em desvantagem, com a introdução de Félix, mas que voltou a uma postura mais conservadora após o empate, acabando por merecer serem eliminados.

Bayern atropela mais um adversário

O Bayern de Munique atropelou um pálido Barcelona em claro fim de ciclo e a necessitar de mudanças urgentes, transversais a todo o clube. Os bávaros apresentaram-se muito superiores em todos os aspectos: na forma como ocupavam os espaços dentro do bloco do Barcelona, na velocidade que impunham nos seus ataques, na agressividade em transição e na pressão exercida que asfixiava por completo os catalães.

No seu 4x2x3x1 habitual, a equipa de Hansi Flick mostrou-se fiel aos seus princípios e cedo mostrou ao que vinha. Pressão intensa sobre o portador, com Muller em destaque a coordenar os timings de pressão, com todo o bloco do Bayern a acompanhar, reduzindo os espaços para o Barcelona. Assim, foi comum vermos a linha defensiva do Bayern muito subida, algo ainda mais potenciado pela ausência no conjunto blaugrana de alguém capaz de ameaçar a profundidade. Face ao 4x3x3 muito estreito (ou 4x3x2x1) do Barcelona, em que os interiores recuavam muito para junto dos centrais e por fora do bloco do Bayern, estes eram facilmente pressionados pelos extremos alemães ou pelo duplo-pivot constituído por Goretzka e Thiago. Raramente o Barcelona conseguia encontrar forma de progredir até zonas mais adiantadas do terreno. De resto, várias foram as recuperações de bola da equipa de Munique em zonas altas do terreno e que originaram lances perigosos e inclusive golos. Ainda assim, a equipa da Baviera demonstrou algumas dificuldades em controlar a profundidade e as poucas vezes que o Barcelona conseguiu criar perigo foram precisamente dessa forma. A linha tão subida e a forma como os médios pressionavam os interiores do Barcelona quase até à sua área pode ser um ponto a explorar por outras equipas.

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Com bola, os bávaros demonstraram novamente que têm uma das melhores construções do mundo, com Thiago Alcântara a recuar para junto dos centrais Alaba e Boateng. Estes 3 elementos emprestaram imensa qualidade técnica a este momento do jogo, sendo capazes de queimar linhas adversárias com passes verticais para os elementos com que o Bayern povoava o espaço entrelinhas. Como já tive oportunidade de referir no artigo anterior, Hansi Flick procura sempre povoar o espaço entre a linha defensiva e a linha média adversárias com 3 dos seus 4 elementos mais adiantados, ficando o 4º jogador responsável por realizar movimentos para atacar as costas da defesa. A colocação de 3 elementos próximos entre si nestas zonas permite resolver os problemas de forma coletiva, escapando da pressão combinando com os colegas e facilitando a forma como podem receber, visto terem por perto companheiros e não serem obrigados a receber sozinhos e virar sobre o adversário. Importante foi também a capacidade para, uma vez chegado à zona entrelinhas, acelerarem o jogo e procurarem rapidamente a baliza, dando pouquíssimo tempo ao Barcelona para reagir. Combinação quase ideal entre paciência em construção e aceleração e velocidade no momento certo.

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Do lado do Barcelona, a mudança é urgente. Longe vão os tempos em que o Barcelona tinha no meio-campo o losango Busquets, Iniesta, Xavi e Messi que marcou uma era e explorava o corredor central como ninguém. Que se incrustavam no bloco adversário e jogavam dentro dele. A descaracterização do Barcelona começou há muito tempo, quando se escolheu transitar desse meio-campo dominador para um meio-campo composto por Rakitic, Vidal ou André Gomes. Quando não se olhou para Thiago e Rafinha como verdadeiros herdeiros daquele meio-campo. Quando se começou a querer chegar a zonas adiantadas com mais pressa em detrimento do rendilhado que caracterizava o jogo culé. Setién parecia ser um revisitar desse passado, mas também ele desiludiu. A colocação dos médios interiores por fora do bloco junto aos defesas centrais, tirando-lhes inclusive protagonismo com bola é uma decisão incompreensível. A falta de opções dentro do bloco adversário resulta numa incapacidade gritante para progredir, obrigando Messi a descer no terreno e afastar-se das zonas onde pode ameaçar a baliza. A mobilidade na frente é reduzida e a largura apenas era mantida pelos laterais, sem estes estarem suficientemente projectados para abrirem a linha defensiva e criarem espaço para Messi e Vidal receberem, nem para ameaçarem eles próprios a profundidade. Exige-se uma mudança transversal no clube.

Guardiola inventou e o City caiu (novamente)

E se achavam que o Atlético ter sido eliminado por um estreante nestas andanças ou o Barcelona ter sido humilhado por 8-2 eram surpresas suficientes para uns quartos de final da Champions, no último confronto desta fase vimos o Manchester City de Guardiola ser eliminado pelo Lyon.

Sabia-se de antemão que Guardiola tem um particular pavor a fases a eliminar na Champions League, apresentando uma tendência para ajustar a sua equipa ao adversário. E no embate frente aos franceses do Olympique não podia ser diferente. O treinador catalão fez alinhar um 3x5x2, com Sterling e Jesus na frente de ataque, com os corredores laterais entregues unicamente a Walker e Cancelo. Guardiola alterou assim as estruturas montadas quer na primeira fase de construção, quer em zonas mais adiantadas e não conseguiu que a equipa se ambientasse às novas disposições e impusesse o seu jogo. Ao longo de todo o encontro vimos um City incapaz de aceder aos espaços onde se encontravam Kevin de Bruyne e Gundogan, com uma circulação maioritariamente por fora e com demasiada pressa em procurar a profundidade principalmente sobre os corredores laterais. Foi um City muito distante do que já apresentou com Guardiola. Nos corredores laterais, onde habitualmente vemos extremos com enorme capacidade para desequilibrar no 1x1 vimos dois laterais incapazes de oferecer profundidade e desequilíbrio. Uma equipa que se mostra habitualmente paciente durante a construção para encontrar forma de chegar ao espaço entrelinhas, apresentou sempre demasiada pressa em chegar a zonas de decisão sem criar condições para tal. Uma equipa que habitualmente se mostra capaz de jogar por dentro do bloco adversário a ter uma circulação maioritariamente exterior. A opção pelos dois avançados, quase sempre em cunha junto à linha defensiva, sendo um deles Sterling também foi ininteligível. Foi um City irreconhecível, principalmente na primeira parte.

Do outro lado esteve um Lyon que, sabendo das suas limitações e do poderio do adversário, montou uma equipa focada especialmente no momento defensivo e explorando momentos de transição. Destaque especial para a forma como montaram uma “jaula” para De Bruyne, impedindo o belga de receber em condições nos espaços onde pode ser mais letal. Organizados num 5x3x2, o interior esquerdo Aouar procurava cortar as linhas de passe dos centrais para o ex-Chelsea, que era ainda era ainda pressionado pelas costas por Marçal, impedindo-o de receber nas melhores condições. Depay tratava de controlar a ação de Rodri com uma marcação cerrada e Bruno Guimarães aproveitava o facto de não ter ninguém na sua zona de ação para restringir ainda mais o espaço disponível. Assim, foi habitual vermos na primeira parte de Bruyn a ter de recuar para junto dos centrais ou posicionar-se sobre o corredor direito, sem ter com quem combinar dentro da estrutura adversária. No lado contrário, Caqueret conseguiu anular Gundogan com uma marcação mais próxima e individual.

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Na segunda parte foi possível ver um City a tentar corrigir as dificuldades da primeira metade. Primeiro passando para um 3x4x3, recuando Gundogan para um duplo-pivot e passando de Bruyne para a esquerda com Sterling sobre a direita. Depois com a entrada de Mahrez que transformou a equipa num 4x2x3x1. E foi assim que a equipa inglesa conseguiu subir de produção, obrigando a linha defensiva e alinha média a esticarem mais, abrindo espaços por dentro. A bola começou a chegar com maior frequência ao espaço entrelinhas e o golo acaba por surgir fruto da criatividade de Mahrez que encontra Sterling para este assistir de Bruyne num cruzamento atrasado. No entanto Dembelé irá aproveitar um erro em construção para repor a vantagem francesa e ainda ampliá-la já perto do fim.

Em jeito de conclusão, um Guardiola que, talvez por receio, se ajustou demasiado, colocando os jogadores desconfortáveis e que abdicou de alguma criatividade, deixando Mahrez, Bernardo, David Silva ou Foden no banco. Acabou por cair na teia montada por Rudi Garcia na primeira parte e a reação surgiu demasiado tarde. É eliminado de forma absolutamente justa, numa partida em que os ajustes em função do adversário se provaram mais nocivos que benéficos, deixando de parte as estruturas habituais da equipa ou preterindo jogadores com um perfil técnico e criativo superior aos que jogaram.

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