O Santiago Bernabéu, casa do Real Madrid, é um dos estádios mais famosos e emblemáticos do mundo do futebol, um lugar imponente onde muito adversários sofreram o famoso "medo de palco" (miedo escénico, em espanhol) ao longo das décadas. Mas, é claro que não se pode esquecer do Camp Nou (FC Barcelona) e do Wanda Metropolitano (Atlético de Madrid), que são, sem dúvidas, lugares complicados de se jogar como adversário - assim como outros estádios históricos da LaLiga, como o Mestalla (Valência) e o Ramón Sánchez-Pizjuán (Sevilla).
Só que nada se compara, na visão dos jogadores e adeptos dos blancos, ao que acontece num Bernabéu lotado, em dias de jogo. E ninguém melhor para explicar esse sentimento especial do que um homem que conhece bem o estádio: o ex-jogador, técnico e diretor de Madrid, Jorge Valdano.
Em 1986, Valdano escreveu um artigo para a Revista de Occidente intitulado 'Miedo Escénico', que por sua vez foi inspirado num artigo do escritor colombiano Gabriel García Márquez, sobre o medo de falar em público. O artigo de Valdano explicava como o Real Madrid se especializou em reviravoltas espetaculares, especialmente em competições europeias, no Bernabéu.
Esta história remonta ao duelo com o então campeão inglês, Derby County, nos oitavos de final da Taça da Europa (antiga Liga Europa) de 1975/76. Onde os blancos haviam perdido a primeira mão, fora de casa, por 4-1, e quase sem ninguém acreditar, conseguiram a reviravolta em casa, vencendo por 5-1 e avançando para a fase seguinte. Nos anos seguintes, Celtic, Anderlecht, Borussia Mönchengladbach e Estrela Vermelha também chegaram ao Bernabéu com uma boa vantagem, mas viram o Real Madrid recuperar a desvantagem e vencer os jogos.
A lenda cresceu após a derrota por 2-0 na primeira partida contra o Inter de Milão, na Taça da UEFA (antiga Liga Europa) de 1985/86, quando Juanito, avançado do Real e companheiro de Valdano, disse à televisão italiana que “noventa minutos no Bernabéu são muito tempo”. Sendo justamente isso que aconteceu, com o duelo a durar o tempo suficiente para o Real Madrid reverter o resultado e derrotar o Inter por 3-0 naquela noite.
A explicação, de acordo com o artigo de Valdano, era que uma equipa era um "estado de espírito" e, em ocasiões especiais, poderia desafiar a lógica tática, técnica e física. Essas ocasiões especiais ocorreram mais no Bernabéu do que em qualquer outro lugar, argumentou. E é indubitavelmente verdade de que o barulho no estádio está sempre a aumentar quanto mais próximo o final do jogo.
Os últimos anos também trouxeram algumas reviravoltas muito especiais ao estádio. O atual treinador Zinedine Zidane estava a jogar quando o Bayern Munique foi derrotado em 2001/2002, no caminho para a conquista da Liga dos Campeões. Zidane ainda comandou, agora como treinador, o título de 2015/2016, quando o Wolfsburg chegou a abrir 2-0 no duelo da primeira mão dos quartas de final, mas o hat-trick de Cristiano Ronaldo - num Bernabéu movimentado - mudou a situação. O clube seria o grande campeão da Liga dos Campeões naquele ano.
Em teoria, os rivais espanhóis devem ser menos propensos ao "medo do palco" no Bernabéu, pois devem visitá-lo pelo menos uma vez a cada temporada. Mas a equipa de Zidane ainda não perdeu em casa na LaLiga 2019/2020, e tanto no clássico contra o Atlético de Madrid quanto no clássico contra o Barcelona, a equipa aproveitou a energia dos seus adeptos fervorosos para vencer as difíceis batalhas - sempre com golos marcados na segunda parte dos jogo.
A forma poética das palavras de Valdano ajudou a que a ideia do "medo do palco" fosse gravada nas mentes dos adeptos e jogadores do Real Madrid, que se alimentam disso nas situações mais difíceis. Mas os resultados e a realidade mostram que o Santiago Bernabéu pode assustar até os adversários mais experientes.
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