Provavelmente numa das melhores exibições que a nossa Seleção realizou nos últimos tempos, tendo em conta o calibre da França, Portugal não merecia um final tão dramático como o que aconteceu. No jogo mais duro que tivera na fase de preparação para este Europeu, contra a Croácia, Portugal não tinha conseguido dar uma resposta convincente. O mesmo não se pode dizer deste jogo contra a França. Roberto Martínez alterou algumas dinâmicas e criou nuances que trouxeram coisas positivas ao jogo de Portugal, e que provavelmente potenciou um pouco mais as características de maior parte dos jogadores.
O sistema e o onze inicial foram os mais habituais ao longo da competição. Contudo, o 1x4x3x3 apresentou nuances que deram conforto e maior solidez ao jogo de Portugal. A primeira nuance remete-nos para a 1ª fase de construção, na qual Nuno Mendes já não participava como terceiro defesa-central, mas encontrava-se aberto como defesa-esquerdo, fazendo com que João Palhinha, Vitinha e Bernardo Silva (a nuance do corredor direito, em que Bernardo Silva se encontrava mais baixo e interior, enquanto João Cancelo dava a largura e profundidade à equipa) se aproximassem dos centrais para uma construção apoiada. Esta ideia tático-estratégica de Roberto Martínez teve como base a organização defensiva da França. Os franceses alternavam a sua pressão alta em 1x4x4x2 losango, ou 1x4x1x4x1, e esta disposição dos médios atraírem os seus oponentes a zonas mais altas no campo, acabaria por criar espaços entre as linhas defensivas francesas. Estes espaços eram “atacados” por Bruno Fernandes e Cristiano Ronaldo e pelo médio que não estava totalmente ativo na 1ª fase de construção.
Outro processo totalmente novo foi o posicionamento híbrido de Rafael Leão. Defendia em zonas baixas quando necessário, mas na maior parte do tempo encontrava-se encostado à linha lateral pronto para ser uma referência em contra-ataque ou em ataques à profundidade. Um processo que resultou totalmente, porque para além de ter sido o melhor jogo de Rafael Leão no Euro-2024, foi o jogador que mais situações de perigo conseguiu criar com situações de um para um ou mesmo um para dois. Este posicionamento manteve o defesa-direito da França sempre em alerta e, a espaços, a ser menos um homem no processo ofensivo francês.
A estratégia portuguesa durante todo o jogo foi assumir a bola através de toques curtos, como forma de atração das linhas francesas, para que depois conseguisse aproveitar os espaços libertados desde aí. Caso essa atração não fosse feita, e a França mantivesse um bloco mais médio, a equipa portuguesa progredia em bloco por forma a não permitir muitos espaços aos contra-ataques rapidíssimos que França tanto gosta de explorar. Mais um momento tático-estratégico que acabou por resultar e em que Portugal conseguiu com isso ter controlo sobre o jogo.
No capítulo defensivo, Portugal foi alterando o seu posicionamento tático entre 1x4x5x1 ou 1x4x4x2 (com Bruno Fernandes a chegar mais perto de Cristiano Ronaldo) sempre num bloco médio/alto com o intuito de encaminhar o jogo adversário para os corredores laterais. Um processo que foi resultando em quase todo o jogo, excetuando em momentos em que a bola chegava a Ousmane Dembélé (extremo do PSG, que entrou na segunda parte e fixou-se no corredor direito) que conseguiu com ações individuais de drible ou de passe encontrar espaços ou colegas que acabavam por criar perigo para a baliza de Diogo Costa.
Outro mérito que ocorreu no jogo foi o acerto das substituições, principalmente as duas primeiras. Nélson Semedo entrou para o lugar de João Cancelo e Francisco Conceição para o lugar de Bruno Fernandes, fazendo com que Bernardo Silva passasse assim para médio-centro ao lado de Vitinha. Esta substituição veio devolver solidez defensiva a Portugal, porque a seleção francesa estava a começar a ter um ascendente pelos corredores laterais, e este refrescar do corredor direito trouxe não só vantagens ao processo defensivo, como deu nova irreverência e velocidade ao corredor direito.
Ambas as equipas poderiam ter fechado a eliminatória durante os 120 minutos, tiveram oportunidades claras para golo, mas parecia que o destino seria mesmo novamente as grandes penalidades. Desta feita o destino não esteve no lado de Portugal, e a França conseguiu marcar todas as suas conversões, Portugal acabou por falhar uma. Não se pode falar deste jogo sem uma referência a Pepe. O jogador de 41 anos teve mais uma vez uma exibição imaculada, apresentando um nível exibicional acima da média para qualquer defesa-central, ainda para mais tendo a idade que tem.
Fica um sentimento agridoce desta participação portuguesa no Euro-2024. A qualificação fez acreditar que algo histórico poder-se-ia estar a construir, mas com os jogos de preparação e na fase de grupos foi existindo maior cautela com as ambições. Portugal era pouco incisivo na hora de atacar a baliza adversária apesar de conseguir controlar os seus jogos com a bola em sua posse. O jogo com a Eslovénia criou uma sensação de desconfiança, algo que foi ultrapassado pelo momento mágico de Diogo Costa. E, no fim, com a França, Portugal teve a sua melhor exibição. Foi uma equipa madura, adulta, bem organizada e com uma ideia tático-estratégica muito bem definida, que os jogadores cumpriram de forma muito positiva. Apesar de ter terminado a competição, Portugal sai com uma boa base para o futuro, e faz acreditar que o futuro pode vir a ser risonho.
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