No Sambizanga, um bairro de Luanda com milhares de famílias, por entre buracos e lixo, qualquer rua serve para jogar à bola, como Mantorras quando começou a dar os primeiros chutos e que agora tem um sucessor no estrelato local: o campeão europeu William Carvalho, ou simplesmente "bé".
"A festa aqui no bairro começou quando eles foram campeões [da Europa]. Abrimos, que me recorde, umas cinco garrafas de champanhe. Foram três dias de festa", contou à agência Lusa Maria da Silva, de 42 anos, a tia que criou o ainda "bebé" William Carvalho, no Sambizanga.
Nascido naquele popular bairro da capital angolana em 1992, o hoje médio da seleção portuguesa desde cedo fez "carreira" pelo Sambizanga, ao meter-se nas partidas de futebol das crianças mais velhos, sempre atrás da bola.
"Como era pequeno, a vida dele era atirar primeiro as bolas para a parede e depois começou a jogar com os pés. Quando o ia buscar dizia-me: ‘Estou a jogar com o menino, mas o menino ‘tá a receber-me [levar] a bola'. Eu dizia-lhe que ele ainda ia ser mais craque. E hoje é mesmo mais craque que os meninos", recorda Maria da Silva, emocionada e com a camisola da seleção portuguesa vestida.
Com pouco mais de dois anos, William deixou Luanda e acompanhou a mãe, que foi trabalhar para Portugal, onde já estava o pai, mas no bairro do Sambizanga recorda-se o ‘gordinho' menino "bé".
"'Bé' de bebucho [de gordo], porque ele quando nasceu era muito grande. Para nós, acabou por ficar como ‘bé'. Só de saber que ele está na seleção é uma alegria enorme", contou à Lusa Joana da Silva, 60 anos, outra das tias de William Carvalho no Sambizanga.
O jogador luso-angolano, que joga pelo Sporting Clube de Portugal, nasceu a poucos metros da casa de Pedro Mantorras, antiga estrela da seleção de Angola e do Sport Lisboa e Benfica, mas por estes dias é a maior estrela e tema de conversa do bairro do Sambizanga.
"Jogava muito no quintal, dormia e acordava com a bola. E chorava tanto, só para ir jogar", recorda ainda a tia Joana, admitindo que apesar do talento que o sobrinho sempre demonstrou para o futebol, acabou por ser uma surpresa a sua progressão, cujo ponto alto foi o título de campeão europeu por Portugal.
A vitória sobre a França na final de Paris do Euro2016 valeu a festa naquele enorme bairro central de Luanda. Que o diga a avó de William, Catarina Lopes Teixeira, que mesmo doente não se deixou influenciar pelos seus 78 anos.
"No domingo festejei. Estava doente, com dores, mas levantei da cama e fui girar [dançar] no quintal", contou, recordando o "choro" do pequeno ‘bebucho' quando os rapazes mais velhos lhe levavam a bola, pelas ruas do bairro.
Um desses era Valter Silva, 26 anos, dois anos mais velho, que agora recorda as brincadeiras com o "menino" William: "Ele acordava cedo para ir jogar à bola no quintal. Eu recebia a bola e ele ficava a chorar. Chamava as mais velhas, que me vinham dar com a chinela e eu fugia, com a bicicleta da minha prima".
Brincadeiras de então à parte, Valter, como quase todos pelo Sambizanga, assumem "emoção" e orgulho" no que se transformou o amigo de infância, mas que o não vê há vários anos.
"Sinto-me tão feliz por ter uma família na seleção portuguesa, é um primo, um irmão. Só rezo para que vá ainda mais longe", remata o amigo, emocionado, espelhando o orgulho do Sambizanga pela nova estrela do bairro.
Comentários