Futebol e política. Dizem os entendidos que nunca se devem misturar mas é quase impossível separar estes dois mundos.
O problema maior surge quando estes mundos cruzam-se entre si. E esta semana está a ser rica neste aspeto, com as saudações militares dos jogadores da Turquia em apoio às decisões do seu presidente, com os clubes catalães a manifestarem-se contra a prisão de membros políticos da Catalunha por parte do governo espanhol. Na Bulgária, o Ministro do Desporto pediu a demissão do líder federativo após os insultos racistas de adeptos búlgaros a jogadores ingleses em Sofia. Mas nem tudo foi mau: depois de vários anos quase sem contacto, as duas Coreias finalmente encontraram-se sem ser em terreno neutro.
Jogadores turcos apoiam plano militar de Erdogan. UEFA promete tomar medidas
A proximidade entre a política e o futebol é bem visível na Turquia. O presidente do país, Recep Tayyip Erdogan, ordenou uma ofensiva militar contra as posições das milícias curdas no nordeste da Síria, após a saída das tropas norte-americanas da região. Esta ação é apoiada pelos jogadores da seleção turca, como se viu depois do jogo com a Albânia, em que festejaram a vitória, primeiro no relvado e depois no balneário, com uma saudação militar.
Aproveitando a onda de solidariedade para com as tropas turcas na Síria, Cenk Sahin, jogador turco do St. Pauli, da II Liga alemã de futebol, resolveu também encorajar as tropas do seu país na ofensiva contra os curdos. Uma posição que terminou da pior maneira para jogador.
Depois de conversas entre os dirigentes do clube e o jogador, Cenk Sahin foi dispensado de treinar e jogar com efeito imediato. Os principais fatores para a tomada de decisão foram o desrespeito repetido pelos valores do clube e a necessidade de proteger o jogador”, pode ler-se na nota.
Em comunicado publicado no sítio oficial da internet, St. Pauli, da II Liga alemã de futebol, refere que "o contrato existente mantém-se válido em primeira instância”, mas que, para a “proteção de todas as partes envolvidas, o St. Pauli dá permissão a Cenk Sahin para treinar e jogar por outros clubes”.
Os ‘ultras’ do St. Pauli exigiram a rescisão do contrato de Cenk Sahin, referindo que esta não era a primeira "gafe verbal ou mediática de Sahin sobre o assunto, que já se manifestou de forma pró-nacionalista, fiel ao regime e com desprezo sobre a morte da população curda no passado".
Quem também se viu em 'maus lençóis' pelo apoio à invasão turca foram Ilkay Gundogan e Emre Can, dois internacionais alemães. Gundogan e Can, que têm raízes turcas, envolveram-se em polémica, depois de colocarem ‘gosto’ numa publicação de Cenk Tosun, o marcador do tento da vitória frente a Albânia. O avançado do Everton publicou a fotografia dos jogadores turcos a celebrarem o golo frente à Albânia na passada sexta-feira, com uma saudação militar e escreveu: “Pela nossa nação e principalmente por aqueles que arriscam a vida pelo nosso país”.
A publicação foi vista como uma declaração de apoio à ofensiva militar turca na Síria, mas os jogadores alemães retiraram rapidamente o ‘gosto’ e emitiram um pedido de desculpas. Bierhoff, diretor da federação, disse ao site da Federação Alemã de Futebol que ele e o selecionador Joachin Loew falaram com ambos os jogadores que “sabem que foi um erro”.
Este apoio declarado dos jogadores turcos à guerra contra o curdos não caiu bem na UEFA, que já ordenou uma investigação: "[O festejo] pode parecer uma provocação. Posso garantir que examinaremos essa situação, deixe-me verificar", disse o porta-voz da UEFA, Philip Townsend, em declarações à agência italiana Ansa, em declarações reproduzidas pela BBC.
O jogo seguinte, frente a França em Paris, que terminou 1-1, esta segunda-feira, levou as autoridades francesas a tomarem medidas excepcionais de segurança por temerem confrontos entre adeptos na capital francesa, depois de o presidente francês, Emmanuel Macron, ter condenado a ofensiva turca na Síria, sublinhando que a mesma podia "criar uma situação humanitária insuportável" na região. Eram esperados quase 40 mil adeptos turcos nas ruas de Paris e mais de 10 mil no Stade de France, para o jogo. Os dois treinadores apelaram à paz no relvado e nas bancadas e foi isso que se viu, num jogo que correu sem incidentes de maior. As duas seleções dependem de si para estarem na fase final do Euro2020.
Prisão de políticos catalães aquece 'el classico'. Jogadores, treinadores e clubes catalães contra governo de Madrid
O dia de segunda-feira começou com a polémica decisão do Tribunal Supremo espanhol de condenar os principais dirigentes políticos envolvidos na tentativa de independência da Catalunha a penas que vão até um máximo de 13 anos de prisão, no caso do ex-vice-presidente do governo catalão. Assim que foi conhecida a sentença, uma série de grupos de independentistas iniciaram movimentos de protesto em todo o território da comunidade autónoma espanhola mais rica.
Uma decisão que teve uma reação enérgica do Barcelona, o principal clube da Catalunha.
"Do mesmo modo que a prisão preventiva não ajudou a resolver o conflito, tão pouco o fará a prisão efetiva decidida hoje [segunda-feira], porque a prisão não é solução. A resolução do conflito na Catalunha passa, exclusivamente, pelo diálogo político”, refere o FC Barcelona, no site oficial.
As repercussões da sentença 'atingiram' também a Federação Catalã de Futebol que, em resultado da decisão e em solidariedade com os políticos e famílias, anunciou a suspensão de toda a sua atividade, que inclui os jogos.
"Como federação desportiva mais importante da Catalunha, a Federação Catalã de Futebol decreta a suspensão de toda a atividade", indicou o organismo, acrescentando também que a solução passará pelo diálogo entre todas as partes.
De Inglaterra chegou a posição do catalão Pep Guardiola,uma das figuras públicas que se têm solidarizado com a causa da independência da Catalunha e com os presos independentistas, assumindo protagonismo em algumas das mobilizações pela independência antes do referendo unilateral promovido pelo Governo catalão.
Num vídeo com um pouco mais de dois minutos, em inglês, promovido pela plataforma ‘Tsunami Democràtic’, que lidera os protestos contra a sentença do Supremo Tribunal Espanhol, Guardiola pede que a comunidade internacional pressione Espanha para que esta se sente à mesa e se disponibilize a dialogar para encontrar soluções políticas e democráticas para o conflito catalão.
O treinador assinala que a luta não violenta do independentismo catalão não irá parar até que termine a repressão e se respeite o direito à autodeterminação como aconteceu no Quebec e na Escócia.minutos, treinador do Manchester City pede que a comunidade internacional pressione Espanha para que esta se sente à mesa e se disponibilize a dialogar para encontrar soluções políticas e democráticas para o conflito catalão.
A sentença, segundo expressa Guardiola no citado vídeo, é “um ataque direto aos direitos humanos”, ao serem postos em causa direitos como os “de reunião e manifestação, de liberdade de expressão e a um juízo justo”, o que segundo ele, “é inaceitável na Europa do século XXI”. Para o antigo treinador do Barcelona, a Espanha está a viver uma deriva autoritária, na qual se utiliza uma lei antiterrorista para perseguir dissidentes e artistas por exercerem a sua liberdade de expressão, e lamenta que nenhum Governo espanhol tenha tido “a coragem de enfrentar este conflito com diálogo e respeito, em vez de usar a repressão como única resposta”.
Esta decisão do Supremo Tribunal de Madrid aparece na pior altura. No dia 26 de outubro o Barcelona recebe o Real Madrid, para a 10.ª jornada da Liga Espanhola. 'El Classico' já é de si um jogo que faz parar Espanha e o mundo. Com a Catalunha a 'ferro e fogo', este encontro assume uma maior importância e será um duro teste às autoridades espanholas no que a segurança diz respeito.
Em campo estará a luta pela liderança da prova mas este é mais que um jogo de futebol: será uma oportunidade para a própria Catalunha mostrar a sua força contra o centralismo de Madrid, que espera uma vitória do seu maior clube contra o principal emblema de Espanha: Real Madrid, visto na Catalunha como um dos símbolos do centralismo.
Racismo no Bulgária-Inglaterra acaba em exigências do Ministro dos Desportos e demissão do presidente da Federação búlgara
A goleada da Inglaterra à Bulgária em Sofia foi manchada por atos de racismo dos adeptos da casa contra os jogadores ingleses de origem africana. Sterling, Rashford, Mings e outros atletas foram 'brindados' com sons a imitar macacos sempre que tocavam na bola. Além disso, alguns adeptos búlgaros fizeram saudações nazis, na altura das provocações. O jogo foi interrompido em duas ocasiões e provocou uma onda de solidariedade em Inglaterra. A Federação Inglesa de Futebol (FA) pediu, ainda na segunda-feira, que a UEFA “investigue de forma urgente” os incidentes, uma vez que “não é a primeira vez” que a equipa enfrenta problemas desta natureza.
Já hoje, o primeiro-ministro da Bulgária, Boiko Borisov, ordenou que se cancelassem "todas as relações entre o governo, incluindo as financeiras, e a União [Búlgara de Futebol], até que o presidente [Borislav Mihaylov]" apresentasse a demissão”.
Uma ordem que surtiu efeitos pouco tempo depois já que, Borislav Mihaylov, que em Portugal defendeu as balizas do Belenenses enquanto jogador, apresentou a demissão do cargo de presidente da Federação búlgara de futebol. No entanto, um porta-voz da federação advertiu que o governo búlgaro não tinha o direito de se “imiscuir no futebol”.
Os incidentes registados no Bulgária-Inglaterra desta segunda-feira também mereceram a reprovação do primeiro-ministro britânico. Boris Johnson, condenou os atos de "racismo ignóbil" e exigiu uma “ação forte e rápida da UEFA”.
“O racismo ignóbil que vimos e ouvimos na noite de segunda-feira não tem lugar no futebol ou em qualquer outro lugar. Apoio completamente Gareth Southgate [selecionador inglês] e a equipa por estarem acima disso. Precisamos de ver uma ação forte e rápida da UEFA”, escreveu Johnson na rede social Twitter.
Jogo entre as duas Coreias é sinal positivo para conflito na região
O histórico jogo de futebol entre a Coreia do Norte e do Sul, treinada por Paulo Bento, disputado 29 anos depois, em Pyongyang, vai em contra-ciclo com os últimos acontecimentos na Europa, quando o assunto é política e futebol. Para a história, fica o registo de um empate a zero bolas e os dois países igualados na qualificação para o Mundial2022.
Foi um encontro ‘fantasma’, face à decisão da Coreia do Norte de não transmitir na televisão em direto – costuma apenas fazê-lo com um dia de atraso – e de proibir o acesso ao estádio da própria população. O jogo, do grupo H de qualificação para o Mundial2022, tinha a importância histórica de ser disputado quase três décadas depois do último jogo em Pyongyang entre os dois países, tecnicamente em guerra desde 1950, o que originou a criação do ‘paralelo 38’ e a divisão da península.
A aproximação entre as duas coreias aconteceu já em 2018, fruto das relações estabelecidas entre o regime de Kim Jong-un e os Estados Unidos, mas nos últimos meses essa aproximação perdeu algum impulso. A seleção treinada pelo português Paulo Bento apenas viu serem emitidos vistos para o corpo técnico e jogadores, deixando fora de Pyongyang os adeptos e os jornalistas, enquanto a transmissão televisiva para fora da Coreia do Norte também foi ‘vetada’.
A Coreia do Sul receberá a Coreia da Norte em 04 de junho de 2020, 11 anos após o último jogo entre ambas em Seul, no apuramento então para o Mundial2010.
Seja como for, o apoio dos jogadores turcos à ofensiva militar na Turquia pode sair cara ao país, se a UEFA tiver 'mão pesada', uma vez que não costuma tolerar a intromissão da política no futebol ou vice-versa.
A Bulgária também deverá vir a sofrer sanções por parte do organismo que rege o futebol europeu.
Saúda-se a aproximação entre as duas Coreias, numa paz há muito desejada pela comunidade internacional na Península da Coreia.
Já a questão catalã deverá fazer 'correr muita tinta', sendo que são esperados mais confrontos entre autoridades e manifestantes nos próximos dias.
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