As informações sobre contratos divulgadas no site ‘Football Leaks’ tinham “óbvio interesse” público e revelaram “matéria que estava oculta” da opinião pública, afirmou hoje o ex-jornalista do diário Record António Varela, ouvido na 37.ª sessão do julgamento.
“O objeto de atividade do jornal é revelar matéria nova, dar notícias, e ali havia muita matéria que estava oculta da opinião publica e que tinha óbvio interesse. Não vou deixar de dizer que no interior do jornal havia algumas dúvidas se se deveria dar eco a esta informação, mas dissemos que deveríamos avançar, porque, se não fossemos nós, outro jornal avançaria”, explicou o antigo jornalista desportivo.
Na audição de hoje no julgamento em curso no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, o atual diretor de comunicação do Comité Olímpico de Portugal recordou as origens do site criado por Rui Pinto, em setembro de 2015, e o contacto então estabelecido por quem estava por detrás da plataforma eletrónica, sem deixar de vincar uma dúvida para a qual nunca obteve esclarecimentos.
“No final de 2015, consegui uma entrevista com o ‘Football Leaks’, mas nem todas as questões foram respondidas. Interrogava-me se o ‘Football Leaks’ era só uma pessoa ou várias, mas essa questão não foi respondida”, notou, salientando: “A minha preocupação inicial era saber quem estava por detrás do ‘Football Leaks’. A partir de certa altura percebi que não ia ter resposta”.
Assegurando nunca ter recebido qualquer contrapartida financeira da parte do ‘Football Leaks’, nem saber como é que a plataforma tinha tido acesso aos documentos, António Varela assumiu a “absoluta surpresa” com a magnitude das informações divulgadas então no site, ao expor matéria “muito sensível” na área do futebol. Entre as entidades visadas, a testemunha destacou “publicações minuciosas” acerca do fundo de investimento Doyen.
“Eram coisas que, não sendo ilegais, eram muito estranhas”, começou por referir, apontando o foco para a informação “complexa” que estava em causa no fundo de investimento que era liderado por Nélio Lucas.
“Ficava à vista de todos que havia crimes fiscais. Logo por aí o ‘Football Leaks’ cumpriu o papel para que foi criado. Havia pessoas que estavam a ter um comportamento que não era suposto que tivessem”, referiu.
Contudo, António Varela reconheceu também que a atitude do jornal começou a alterar-se com a passagem do tempo, ficando mais “diferida”, sobretudo desde o momento em que a Doyen passou a contar com os serviços de uma agência de comunicação.
“Começou a fazer bem o seu trabalho, falando dentro do jornal, e a direção começou a ter dúvidas em relação ao material, começou até a ter receio. Não vou dizer receio da Doyen, mas de todas as pessoas que estavam ligadas àqueles contratos. Uma das coisas que levou o jornal a travar foi uma matéria de um contrato sobre o jogador Luka Jovic. E da parte do ‘Football Leaks’ começou também a haver um maior distanciamento”, descreveu.
Ato contínuo, António Varela recorreu à experiência de quase três décadas naquele diário desportivo para detalhar as consequências que se começavam a recear no jornal.
“Os jornais desportivos em Portugal têm um histórico de relacionamento de grande proximidade com as fontes dos grandes clubes. Estarmos a dar eco a matéria que punha em causa a conduta do clube significava começar a ‘secar’ as fontes dentro dos clubes. Se no início o efeito surpresa era incontornável, com o passar do tempo começou a ser mais sopesado o interesse que tinha e os danos que poderia causar no relacionamento com as fontes”, sintetizou.
Rui Pinto, de 32 anos, responde por um total de 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo, visando entidades como o Sporting, a Doyen, a sociedade de advogados PLMJ, a Federação Portuguesa de Futebol (FPF) e a Procuradoria-Geral da República (PGR), e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por extorsão, na forma tentada. Este último crime diz respeito à Doyen e foi o que levou também à pronúncia do advogado Aníbal Pinto.
O criador do Football Leaks encontra-se em liberdade desde 07 de agosto, “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
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