Vencedor do Campeonato de Portugal em 2012/13, ao leme do Freamunde, Carlos Pinto teve um início de carreira meteórico como treinador, ficando logo na temporada seguinte muito perto de conduzir o Chaves à subida à I Liga.
Com passagem por vários clubes da II Liga e também com uma curta passagem pelo escalão principal do futebol nacional, viveu a sua mais recente experiência como técnico na Segunda Divisão da Arábia Saudita, encontrando-se agora à espera de um novo projeto aliciante para abraçar. À conversa com o SAPO Desporto, Carlos Pinto olhou para o seu trajeto até ao momento, recordando a transição de jogador para treinador, o sucesso quase imediato que viveu e os bons e maus momentos por que passou desde então.
O técnico, que na I Liga orientou o Paços de Ferreira, clube da cidade de onde é natural, explicou-nos as principais diferenças que sentiu entre treinar no primeiro e no segundo escalão, falou-nos na sua curta experiência na Arábia Saudita e da realidade que por lá encontrou e olhou também, a partir da sua perspetiva como treinador para a conquista do título de campeão por parte do Sporting esta temporada, bem como para a participação de Portugal no Europeu 2024 que se aproxima a passos largos.
A "natural" transição da carreira de jogador para a de treinador
Como jogador, Carlos Pinto começou a carreira no Paços de Ferreira, cidade onde nasceu há 51 anos, e por quem chegou a alinhar na I Liga. Também alinhou no escalão principal pelo Salgueiros, tendo passado por várias outras formações do norte do país antes de pendurar as chuteiras no Tirsense. E foi precisamente no clube de Santo Tirso que o antigo médio iniciou, depois, no final da temporada de 2011/12, a carreira como treinador.
"Diria que foi uma sequência natural. Jogava no meio campo, com visão abrangente do jogo, era uma espécie de ‘oficial de ligação’ entre o setor mais recuado e a linha da frente e isso fez-me desde cedo querer entender o jogo e a tentar interpretar os diferentes momentos do jogo. Depois fui bebendo dos meus muitos treinadores ao longo da carreira. Quando surgiu a oportunidade no Tirsense, agarrei e fiquei. Diria que foi uma sequência natural no meu percurso", conta-nos.
Sucesso logo à terceira época
Depois de assumir o leme do emblema de Santo Tirso no início de 2012, Carlos Pinto esteve uma temporada completa como treinador do Tirsense em 2012/13, na então ainda denominada II Divisão B (terceiro escalão do futebol português) e rumou, de seguida, ao comando técnico do Freamunde, do então reformulado Campeonato de Portugal. E o sucesso foi imediato, levando o clube à conquista do título e à subida à II Liga.
"Foi uma temporada inesquecível. Primeiro porque esse não era de todo o primeiro objetivo. Tínhamos muitos jovens, um orçamento contido… Depois porque conseguimos a subida com um grupo de jogadores fantásticos e muitos deles oriundos da formação. Foi um ano de algumas dificuldades fora de campo mas, e recordo-me de o ter dito, talvez o melhor plantel de sempre em termos de caráter e só com uma grande compreensão de todos é que foi possível seguirmos em frente para alcançarmos o que alcançamos. Foi de facto um grande campeonato", recorda.
A "grande frustração" em Chaves
Deixou o Freamunde no final dessa época para um voo mais alto e assumiu o comando do Tondela, de onde sairia a meio da temporada para orientar o Chaves, tudo na II Liga. Curiosamente, acabaria por ver o Tondela 'roubar-lhe' (ironia das ironias, em Freamunde) a subida à I Liga na derradeira jornada. Um momento que não esquece...
"Recordar esse jogo...foi uma tarde de grande frustração por tudo o que aconteceu. Perdemos a subida no último minuto com um golo do Tondela em Freamunde. Aquele estádio que transbordava festa ficou silenciado em segundos. A mágoa que possa ter ficado foi-a pelos flavienses, pelos jogadores. Foi dos momentos mais difíceis de digerir porque éramos merecedores. Fizemos uma grande temporada e estivemos muito perto de concretizar a subida. Perder essa subida no último minuto foi muito duro", admite.
A passagem pela I Liga e as diferenças entre o primeiro e o segundo escalão
Carlos Pinto viria ainda assim, alguns anos mais tarde, a estrear-se na I Liga. E ao leme do clube da sua terra, o Paços de Ferreira, em 2016/17.
"Não há treinadores de Primeira Liga ou treinadores de outro qualquer escalão. Somos treinadores e estamos sempre preparados para os desafios"
"Deixe-me dizer que não há treinadores de Primeira Liga ou treinadores de outro qualquer escalão. Somos treinadores e estamos sempre preparados para os desafios. Diria até que é sempre mais fácil treinar na Primeira Liga: os jogadores têm mais qualidade, estão mais preparados, entendem melhor o jogo e as ideias do treinador, e por aí, facilita-nos a vida. A II Liga sempre foi muito competitiva e evoluída. Há jogadores de qualidade. Exemplo são os play-off dos últimos anos, em que as equipas de escalão inferior têm suplantado as da I Liga. Como disse, trabalha-se muito bem e esse trabalho no treino acaba por depois atenuar as diferenças. Há uma enorme evolução.", salienta.
"Na Primeira Liga há um conjunto de condições que nos facilitam de alguma maneira o trabalho. A pressão de ganhar existe sempre e é transversal. Diria que a questão orçamental, que te permite ir buscar este ou aquele jogador com maior qualidade é o ponto que distingue os escalões. De resto as estruturas do futebol em Portugal estão cada vez mais profissionalizadas, o nível de trabalho e de exigência é muito próximo ou igual. O orçamento, as condições de trabalho e o nível dos jogadores é talvez o maior fator distintivo entre um e outro escalão. Tudo o resto, intensidade de treino, exigência, responsabilidade, creio estar cada vez mais igual", explica.
Duas subidas ao escalão principal consecutivas e a experiência na Arábia Saudita
Carlos Pinto passou, depois, pelo cargo de treinador principal do Santa Clara, que viria a levar à subida à I Liga em 2017/18 e que agora fez questão de felicitar pelo regresso ao escalão principal.
"Estou muito feliz por os Açores voltar a estar no mapa da I Liga. O arquipélago merece, a ilha merece. Vivi nos Açores momentos muito felizes, que me fazem deixam um grande carinho por toda aquela gente", lembra.
Deixou, contudo, o Santa Clara antes do início da temporada seguinte e orientou depois Académica, de onde saiu a meio da época, a tempo de assumir o leme do Famalicão, que também levou ao escalão principal, alcançando desta forma duas subidas consecutivas à I Liga.
Uma vez mais não permaneceu no clube após a subida e foi treinar Leixões, Chaves e Vilafranquense, sempre na II Liga, antes de se aventurar no estrangeiro, no segundo escalão do futebol saudita.
"A cultura é muito distinta da nossa, e há questões do futebol profissional que ainda tinham alguma resistência em aceitar"
"Fomos trabalhar na segunda liga saudita. Estivemos oito jogos à frente da equipa e estávamos a apenas a três pontos da zona de promoção. Mas faltava-lhes ali alguma cultura do que é o trabalho, de como se formam grupos e se consegue consistência. A cultura é muito distinta da nossa, e há questões do futebol profissional que ainda tinham alguma resistência em aceitar. Sem essa consistência, geram-se alguma dificuldade em conseguir resultados, sendo que o resultado é a única coisa que verdadeiramente importa. Mas foi uma experiência e uma aprendizagem que trouxemos que nos vai ser valiosa no futuro", relata.
Ainda assim, destaca o desenvolvimento do futebol naquele país do Médio Oriente.
"Está a crescer neste aspeto, em particular na principal liga. Por arrasto creio que em breve o trabalho de profissionais como o Jorge Jesus, o Luis Castro ou o Vitor Pereira, e de todos os jogadores que contrataram, vão colmatar estas lacunas que falei anteriormente", conclui.
Um olhar sobre a atualidade: Sporting campeão e Portugal no Euro 2024
A experiência que Carlos Pinto já acumula como treinador permite-lhe olhar de forma atenta e com outros olhos para a atualidade do futebol nacional. Na conversa com o SAPO Desporto falou-nos do título de campeão do Sporting e do que espera da presença de Portugal no Europeu que se avizinha.
"Creio que o Sporting foi um justo campeão. Nos momentos decisivos não vacilou e foi a equipa mais regular. Repare-se que o Sporting foi quarto classificado no último ano e não mudou tudo. Fez mudanças cirúrgicas no plantel que foram determinantes para alcançar o sucesso. Creio que às vezes falta isto aos dirigentes, alguma paciência para analisar, mudar o que correu menos bem e corrigindo chegar ao resultado que se pretende. Repare-se, por exemplo, no Nacional da Madeira: foi uma equipa que o ano passado andou na luta pela manutenção e com uma base do que era o plantel desse ano, esta temporada subiu ao primeiro escalão", nota.
"Quanto ao Euro, gostava de nos ver chegar à final e ao título. É a ambição natural de uma seleção com a qualidade da nossa. A convocatória é escolha do treinador e estou certo que fez as escolhas que fez precisamente com o mesmo objetivo que cada um de nós: ser campeões da Europa!", sublinha Carlos Pinto.
O futuro
A fechar, o técnico, sem treinar qualquer equipa desde a saída do comando técnico dos sauditas do Al-Jabalain, no final de 2022, falou-nos do que espera para o futuro.
"Quero voltar treinar e a fazer o que gosto. Obviamente, procuro um projeto sólido, sustentado, onde possamos colocar as nossas ideias, com jogadores que nos possam aportar qualidade a essas ideias. Tenho estado a trabalhar e a preparar-me para o regresso, junto de uma estrutura técnica, e preparar a oportunidade que possa surgir. A experiência dá-nos a tranquilidade de estar preparados para qualquer desafio" termina.
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