Ao longo dos anos, e diga-se, com alguma justiça, o FC Porto tem sido reconhecido pela forma hábil como tem conseguido fechar-se numa bolha protetora à prova de grandes terramotos. Não significa que não tenham existido alguns abalos mais ruidosos, também os houve, mas ao longo das últimas quatro décadas não é imediato o impulso de encontrar um momento como este em torno do universo portista. A questão que se coloca é: os resultados desportivos são a causa ou o sintoma?

A pergunta faz todo o sentido, porque não é possível dissociar o momento dentro dos relvados com tudo o que tem acontecido fora deles. Em traços gerais, as críticas pela gestão financeira e desportiva dos ativos do clube, que não são de agora, os desacatos na Assembleia Geral de 13 de novembro e o que dela resultou - a Operação Pretoriano - e claro, a candidatura de André Villas-Boas e a recandidatura de Pinto da Costa, têm originado um cenário inédito de divisionismo azul e branco desde a chegada do atual líder portista ao poder.

O momento desportivo: 18 pontos perdidos em 21 jornadas, 8 derrotas em 33 jogos

A 13 jornadas do fim do campeonato, o FC Porto é terceiro classificado a sete pontos de Benfica e Sporting, sendo que os leões têm um jogo em atraso. Sim, é verdade que os dragões já foram campeões apesar da desvantagem de 7 pontos para o Benfica, precisamente nesta fase da época, mas os cenários não são assim tão idênticos. Primeiro, porque a desvantagem é para dois clubes, não apenas um. E depois, talvez a razão mais importante, este FC Porto está longe da identidade incutida desde a chegada de Sérgio Conceição.

Aliás, apesar de vir de uma fase de nítida recuperação com quatro vitórias consecutivas após o empate no Bessa, a exibição em Arouca deixou evidente a ausência quase absoluta do carisma, rigor tático e até de entrega, bandeiras inegociáveis ao longo dos últimos anos ao leme de Sérgio Conceição.

Esta temporada o FC Porto já somou quatro derrotas (Benfica, Estoril, Sporting e Arouca) e três empates (Arouca, Boavista e Rio Ave) em 21 jogos do campeonato.

Por outras palavras, e apesar das eventuais razões de queixa da arbitragem, há um dado intocável: O Arouca foi muito melhor. E é isso que difere dos outros anos, em que apesar de um ou outro resultado negativo, os jogos acabavam com a nítida sensação de que, se o jogo continuasse mais uns minutos, o FC Porto vencia. Não foi isso que aconteceu em Arouca, não é isso que acontece esta época.

Resultado: 18 pontos já perdidos no campeonato, mais do que em toda a época passada. É preciso recuar até 2013/14 para encontrar um registo pior. Aliás, o máximo de pontos perdidos pelo treinador portista numa época inteira foram 22 em 2020-21. Para já, Sérgio Conceição já igualou o seu pior registo na Liga no que toca a derrotas: 4. No computo geral, 8 derrotas em todas as competições (33 jogos).

O perigo do terceiro lugar, ou seja, o perigo de nem sequer chegar às eliminatórias da Liga dos Campeões, é cada vez mais real.

A falta de eficácia: Sporting tem mais 23 golos marcados no campeonato do que o FC Porto

O FC Porto é o quarto melhor ataque do campeonato. Dito assim nem parece tão mau, mas é. Os dragões somam 35 golos esta época, por exemplo, os mesmos que o Arouca, 8.º classificado e que o Estoril, 12.º na tabela. Curiosamente, duas equipas com quem já perderam esta época, uma das derrotas custou mesmo a eliminação da Taça da Liga, diante dos canarinhos. À sua frente tem o SC Braga (44 golos), o Benfica (46 golos) e o Sporting (58 golos, ou seja, mais 23 do que o FC Porto).

Evanilson tem sido a grande surpresa da época com 19 golos esta temporada, 16 deles na I Liga, mas nem isso tem chegado para salvar a falta de acerto. Por outro lado, a atravessar uma das piores épocas ao serviço do FC Porto, Taremi soma apenas 6 golos, 3 no campeonato. O avançado iraniano, que na época passada foi o melhor marcador da prova com 22 golos, está em final de contrato e tudo indica que rumará ao Inter de Milão no final da época. Um dado que dificilmente poderá ser dissociado do baixo momento de forma do camisola 9 portista.

Em sentido inverso, reconheça-se, os dragões tinham até à última jornada a melhor defesa do campeonato com apenas 13 golos sofridos, tem agora 16. O Benfica é agora a melhor defesa da I Liga com 14 golos sofridos, o Sporting soma 19.

Perder clássicos não era um clássico: 3 jogos, 3 derrotas

Benfica 2-0 FC Porto (Supertaça), Benfica 1-0 FC Porto (I Liga) e Sporting 2-0 FC Porto (I Liga). O que têm estes jogos em comum? Derrotas do FC Porto. Ao contrário do que tem acontecido nas últimas épocas com Sérgio Conceição, os dragões ainda não venceram um clássico esta época. Como costuma dizer o técnico portista, "os jogos de seis pontos" têm sido um pesadelo esta temporada e um deles custou mesmo um troféu, logo a abrir a época. Na segunda volta, os azuis e brancos recebem os históricos rivais, mas já numa posição de significativa fragilidade pontual.

No que diz respeito aos leões, que venceram o FC Porto em Alvalade, não ganhavam aos dragões desde janeiro de 2021. Quanto ao Benfica, que venceu duas vezes os portistas esta época, conseguiram na Supertaça anular um pesado histórico que agigantava a equipa portista. É preciso recuar 30 anos para apanhar um triunfo do Benfica contra o FC Porto nesta taça. Nas 12 vezes que as equipas já se defrontaram para a conquista deste título, o FC Porto ganhou 11. Na Luz, para o campeonato, a equipa de Sérgio Conceição perdeu, algo que não acontecia desde 2018.

Fora do relvado também se joga. E muito

Em abril, ainda não se sabe o dia, haverá eleições no FC Porto. Ao fim de 42 anos, Pinto da Costa lança-se na 16.ª corrida à presidência do FC Porto. Mas ao contrário das últimas décadas, há um candidato que veio baralhar as contas do atual líder portista. Empurrado pelo frágil cenário financeiro em que os dragões estão mergulhados - em simultâneo com a recente queda do rendimento desportivo -, André Villas-Boas avançou mesmo para uma candidatura.

Depois de cada vez mais participativo com várias críticas deixadas ao longo dos últimos anos, o antigo treinador portista transformou as palavras em ações e avançou. A decisão tem gerado um profundo divisionismo em torno do clube, bem vincado, e pelas priores razões, na Assembleia Geral de 13 de Novembro. A polémica noite manchada por episódios de violência gerou a abertura de um processo - a Operação Pretoriano - que entre vários arguidos tem como principal nome o líder dos Super Dragões, Fernando Madureira.

André Villas-Boas encheu a Alfândega, ao lado do histórico capitão portista Jorge Costa. Pinto da Costa encheu o Coliseu, onde um abraço relâmpago de Sérgio Conceição ofereceu uma panóplia de leituras na antecâmara das eleições.

A cumprir a sétima época no comando dos dragões, apenas em duas Sérgio Conceição terminou sem títulos (2018-19 e 2021-22). O técnico mais titulado do clube - 10 títulos - termina contrato no final da época. Com todos os defeitos que lhe são atribuídos, alguns reconhecidos pelo próprio, é unânime a relevância do treinador no clube, que aquando da sua chegada quebrou com a hegemonia do Benfica, lançado para o pentacampeonato.

O futuro a curto prazo

É a única forma de abordar os próximos tempos do FC Porto, porque uma previsão a longo prazo estará sempre dependente do desfecho das eleições. A sensivelmente três meses do final da época, o FC Porto segue na terceira posição do campeonato e perante uma missão complicada para reconquistar o título, tal como reconheceu Pepe no final da derrota em Arouca.  De qualquer forma, mantém viva a possibilidade de alcançar as meias-finais da Taça de Portugal, onde, caso vença, encontrará o Vitória de Guimarães. Para isso terá de eliminar o Santa Clara, nos Açores, jogo suspenso aos 27 minutos por causa do mau tempo e que será retomado nos últimos dias deste mês. Além da prova rainha, há a Liga dos Campeões. Na próxima quarta-feira, os portistas recebem o Arsenal na primeira mão dos oitavos de final.

Antes, já esta quinta-feira, o FC Porto apresentará as contas do primeiro semestre de 2023-24, com a SAD a prever "melhorar substancialmente os capitais próprios a 31 de dezembro de 2023, antecipando que estes poderão ficar próximos de um montante positivo".

Segundo Pinto da Costa, o anúncio representará uma página de mudança para o equilíbrio financeiro do clube. Resta saber que impacto terá a revelação na vida do clube, dentro e fora dos relvados, e certamente com André Villas-Boas muito atento à revelação do histórico dirigente que, apesar das divergências, considera ser "o presidente de todos os presidentes do FC Porto".