A 2ª eliminatória da Taça de Portugal trouxe já grandes surpresas (eliminação de equipas como FC Felgueiras, Feirense, Vizela, Tondela e Académico de Viseu). António Barbosa, técnico que tombou equipas como Boavista e Marítimo (da primeira liga portuguesa), partilha cinco experiências distintas.

António Barbosa, treinador

Aprendi na matemática uma frase que utilizo muitas vezes em momentos de grande adversidade: “Improvável não é a mesma coisa que impossível”. Não será apenas pela dimensão popular que se chama à Taça de Portugal a festa do futebol. É a mais bela competição porque retrata e abrange a generalidade dos escalões do nosso futebol. E sendo a eliminar, evidencia uma das características mais belas do jogo, que é precisamente a sua imprevisibilidade. É o momento onde a preparação encontra a oportunidade.
A Taça leva essa imprevisibilidade ao confronto entre adversários de planos competitivos distintos, david contra o golias, fazendo prova, a cada eliminatória, que a capacidade de trabalho, de inspiração e de superação, pode continuar a operar surpresas. E em desporto nada é mais meritório do que isso: a vitória pela superação (da técnica, da tática, do físico, ou da mente). No futebol, em 90 minutos, os nossos sonhos são postos à prova e é possível vencer qualquer equipa. Com talento organização e determinação.
Quando eliminámos duas equipas de primeira liga – Boavista (pelo Vilaverdense) e Marítimo (pelo Varzim) – o sentimento foi precisamente esse. Superámo-nos perante equipas de recursos várias vezes superiores, o que, convenhamos, também é sempre mais provável se os adversários apresentarem uma certa tendência para desvalorizarem a exigência do desafio. A Taça de Portugal também é isso, um desafio entre motivação e foco, entre a oportuna injeção de moral e o risco do facilitismo.
Este artigo recupera cinco jogos de Taça nos quais se preparou uma equipa teoricamente inferior:

Vilaverdense – Boavista (1-0)

A última experiência do Vilaverdense com uma equipa da primeira liga tinha terminado com expressivo 6-0. Não existia um histórico de sucesso na competição, mas acreditávamos na oportunidade, sobretudo, devido ao perfil jovem, ambicioso e irreverente da nossa equipa. Criamos desde a pré-época uma dinâmica de enfrentar e vencer grandes desafios e sentimos que Taça podia dar-nos algo. E assim construímos uma ideia motivacional em torno de uma frase chave: “O Titanic foi construído por profissionais de excelência e falhou; a arca de Noé foi construída por amadores e foi bem-sucedida”. As caraterísticas da equipa, que tinha jovens com grande ambição e vontade de sucesso no futebol, e alguns jogadores experientes e competitivos, foram cruciais. Do ponto de vista estratégico, optámos por uma pressão alta em bloco perseguindo a bola com grande agressividade, logo desde o início. Fomos bem-sucedidos na abordagem, à qual juntámos um grande trabalho e eficácia nas bolas paradas ofensivas.

Sporting – Vilaverdense (4-0)

Este jogo significou para o Vilaverdense chegar ao melhor desempenho de sempre na Taça de Portugal. Um dos pontos que considerámos muito importante foi restringir a comunicação externa. Fruto das caraterísticas da equipa, jovem, e do clube, sem profissionais para acompanhamento a tempo inteiro, recusámos o pedido de uma televisão para gravar ao longo da semana nos treinos e no balneário. Escolhemos a tranquilidade. No domínio tático, considerámos importante valorizar a primeira etapa de construção, atraindo um adversário que defendia muitas vezes homem a homem, para depois tentarmos atacar o espaço aberto no corredor central, procurando a partir daí a baliza do Sporting. Do ponto de vista estratégico, e fruto da diferença de velocidade em organização defensiva, fechámos o bloco recuado em 15 metros, trabalhando muito o fora-de-jogo. Durante a primeira parte conseguimos bloquear o último terço e não sofremos golos.

Trofense – Sp. Braga (1-2)

Fruto das caraterísticas do campo do Trofense (relvado curto), e das caraterísticas dos nossos jogadores (experientes, possantes e agressivos, e com velocidade na frente), do ponto de vista tático colocámos o bloco no setor médio recorrendo a zona pressionante. Em muitos períodos do jogo, fruto da qualidade da equipa adversária, fomos forçados a jogar com uma linha de 5 defesas, deixando dois avançados muito agressivos para serem lançados nas costas da linha defensiva. Do ponto de vista comunicacional interno e externo, durante a semana, apostámos muito na ideia de que “o futebol por vezes se esquece os jogadores”. Foi uma abordagem de puro empenho e sacrifício. Defensivamente fizemos um jogo brilhante, mesmo com 30 minutos em inferioridade numérica. Empatamos o jogo até aos 90. Atirámos uma bola ao poste nos instantes finais e só aos 90+3 sofremos o golo que nos derrotou.

Varzim – Marítimo (2-2; 3-2 após GP)

Na equipa do Varzim começámos por realçar a nossa história e a importância dos nossos adeptos. Estávamos a voltar do Covid e o estádio estava cheio (dentro das limitações de então). E como aquele estádio transmite mística e envolvência arrebatadora. Neste jogo a dimensão estratégica incidiu muito na organização defensiva, procurando condicionar um adversário que tinha dificuldade na etapa de criação. Por exemplo, a forma como pressionámos era particular, focando-se em elementos-chave e libertando a bola para jogadores que sabíamos terem mais dificuldade, na construção, e na consequente recuperação. Equilibrámos os acontecimentos e depois fomos mais competentes e felizes nos penalties.

Sporting – Varzim (2-1)

Chegámos a este jogo num momento da época em que tínhamos já muito ruido interno, muitas dificuldades e contestação. Contra o sporting Campeão Nacional, que vinha de 8 vitorias seguidas, lançámos como titular um jovem da equipa B, Zé Carlos. Optamos por defender baixo, mas procurando ser muito agressivos nas oportunidades de ataque a baliza do Sporting. Do ponto de vista estratégico, na transição ofensiva optámos por procurar o primeiro passe no corredor central, com o ponta-de-lança baixo; o ala esquerdo surgia mais alto no terreno de jogo; e ofensivamente queríamos depois explorar o espaço nas costas do defesa central do meio. Fruto da forma de jogar do adversário, em muitos períodos jogámos com uma linha defensiva com 6 jogadores, mas ofensivamente o nosso sistema mudava para 4x4x2, explorando esse espaço nas costas da linha media do sporting. Apesar da forte diferença de valor, acabou por ser um jogo dividido nas grandes oportunidades de golo