Não houve o dérbi de Liverpool nem o reencontro de Mourinho com sua antiga equipa, pela Premier League. Em Itália, Cristiano Ronaldo não pôde salvar a Juventus mais uma vez, e nem Immobile marcar mais golos que seus impressionantes 27 na Série A. O Camp Nou e o Santiago Bernabéu ficaram às escuras. Os rivais vermelhos de Lisboa e azuis do Porto, cada vez com mais repulsas entre si, não trocaram farpas neste fim de semana. 80 anos depois de o mundo endurecer com a Segunda Grande Guerra, o planeta vê-se paralisado outra vez, desta feita contra um inimigo invisível, e que atravessou o globo à velocidade da luz. O caos reina no planeta Terra neste março de 2020.
E daqui para frente, como vai ser? Isolados, com fronteiras fechadas, hospitais abarrotados? Não sabemos ainda. Há 11 anos, o mundo viu-se confrontado com a gripe suína, depois baptizada de H1N1, e que provocou alardes pelos quatro cantos do globo, mas nada comparado à pandemia que estamos a atravessar. No que toca ao divertimento das massas, o ‘ópio do povo’, como já fora alcunhado, o futebol, em países com governos responsáveis, parou, por tempo indeterminado. Até o mais insensato dirigente desportivo, executivos das ligas milionárias, de todos os desportos, entenderam que continuar, além de irresponsável, passaria a imagem de ‘‘dane-se o mundo, eu preciso lucrar com meus negócios, o show tem de continuar’’. Na Alemanha, os executivos da hoje global e recordista de receitas Bundesliga, ficaram em cima do muro até o último instante, mas recuaram e adiaram todos os encontros marcados para o fim de semana.
Mas, e nos países onde governos não querem saber de sua população? Onde um desatinado Presidente da República afirma, enquanto o mundo prepara-se para o pior, que o coronavírus não passa de fantasia dos media. Sim, estou falando do Brasil, sob a (in)gerência de Bolsonaro, que, indo contra as recomendações do Ministério da Saúde brasileiro, de se evitarem eventos públicos e aglomerações, apoiou as manifestações em seu favor neste domingo, 15 de março de 2020. E o que pensar do governador estado do Rio de Janeiro, que, ao responder sobre o impasse sobre jogos do Campeonato Carioca no fim de semana, afirmou que não haveria público, mas que o risco de contágio entre os atletas era problema deles? O único atleta a manifestar sua indignação com o escárnio do político fora o defensor Leandro Castan, do Vasco da Gama. Houve jogos no Brasil neste fim de semana, por todos os campeonatos estaduais deste continental país, e apenas nas megalópoles São Paulo e Rio de Janeiro é que as partidas realizaram-se com portões fechados.
Apenas nesta segunda-feira, 16 de março de 2020, algumas federações estaduais de futebol no Brasil discutem uma paralisação dos campeonatos. Omissa, a Confederação Brasileira de Futebol, não responde pelos torneios regionais, e agindo também com atraso, determinou a suspensão do calendário nacional nas próximas semanas. E dos jogos realizados pelo país neste fim de semana, vários atos de protesto, com jogadores a usarem máscaras antes do apito inicial. Nada que sensibilize velhas raposas do futebol brasileiro, há décadas no poder de falidas entidades, e que promovem insossos campeonatos, a cada ano mais irrelevantes.
Os jogos deste fim de semana pelos estádios de Rio e São Paulo foram constrangedores, num clima de velório. E as últimas vítimas do descaso, não pelo coronavírus, mas pela desordem do calendário brasileiro, foram os treinadores de Cruzeiro e Vasco da Gama, que não resistiram aos primeiros meses da temporada futebolística brasileira. Adílson Batista foi insolitamente despedido duas vezes em cinco dias, a primeira na passada semana, pelo grupo que administra o clube, hoje com falência quase declarada, mas readmitido pelo presidente da equipa mineira. Mas após a última derrota, a nova demissão, a segunda, e definitiva. Já Abel Braga, 67 anos, um dos mais experientes treinadores brasileiros em atividade, com passagens destacadas por Famalicão (1989-1991), Belenenses (1991-1994) e Vitória de Setúbal (1994/1995), não vem de bons trabalhos nos últimos tempos. Despedido do Flamengo para a chegada de Jorge Jesus, assumiu semanas depois o Cruzeiro, um gigante do futebol local, mas não evitou a inédita queda para a Série B brasileira. Em 2020, retornava ao Vasco da Gama, em sua terceira passagem pelo tradicional clube carioca, que vive grave crise financeira nas últimas duas décadas. E não houve surpresas: péssimos resultados, jogos sofríveis e a melancólica queda após a derrota para a o Fluminense num Maracanã habitado por fantasmas.
O futebol brasileiro está num impasse, sobre continuar com a insensatez em manter os jogos dos inexpressivos campeonatos estaduais, ou seguir a parte sensata do planeta e encerrar suas atividades até que haja condições de segurança, para jogadores e adeptos. Num país fustigado por doenças tropicais todos os verões, com a dengue, e acostumado à crises económicas rotineiras, o coronavírus não está a ser tratado com a seriedade que se deveria.
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